Compartilhar com o poder público a responsabilidade de melhorar os assentamentos urbanos é fundamental para construir as “cidades compactas” mais rapidamente.
Áreas invadidas. População carente de serviços básicos como atendimento à saúde, transporte e educação. Estresse causado pela demora nos deslocamentos. Estes são alguns exemplos das dificuldades que os cidadãos enfrentam nas metrópoles da América Latina.
A novidade é que ações inovadoras, que colocam a comunidade, a iniciativa privada e o poder público como aliados na busca e na implantação de soluções, tornam-se uma realidade com potencial de se tornarem cada vez mais comuns.
É o que está provando a empresa Terra Nova Regularizações Fundiárias. Fundada por um ex-funcionário público que decidiu mediar soluções entre prefeituras e comunidades em assentamentos irregulares, a empresa já conquistou, entre outros, o Prêmio Empreendedorismo Social, da Folha de S.Paulo em 2008 e, no ano passado, o Prêmio Ashoka.
O projeto consiste em realizar um mapeamento seguido por um estudo na área e depois envolver a prefeitura dando todas as informações para a regularização da propriedade. A partir da regularização, todos os serviços públicos de infraestrutura passam a ser fornecidos. “Outra vantagem é que lotes subutilizados ganham capacidade para servir de alojamentos de famílias em situação de risco”, destaca Daniel Albuquerque, diretor da Terra Nova. O projeto já economizou cerca de R$ 30 milhões do poder municipal do Estado do Paraná. “Existe uma necessidade de acabar com a ideia de só esperar do poder público, mas para isso é preciso vontade política e engajamento da população”, finaliza.
Vontade política e engajamento também fazem parte dos fatores essenciais para a realização do Projeto de Requalificação Urbana Nova Luz, que planeja revitalizar uma área no entorno da Estação da Luz onde hoje fica a chamada Cracolândia, local que reúne usuários da droga nas ruas.
Para a coordenadora do Projeto, Alejandra Devecchi, o sucesso também depende de que alguns mitos sejam destruídos para a correta conscientização da população acerca das soluções que estão sendo pensadas. Um deles se refere à densidade populacional. Erroneamente acredita-se que, quanto mais densa uma área é, pior ela se torna em termos de congestionamentos. Porém, os dados revelam que, ao conglomerar pessoas em uma área, fornecendo transporte e trazendo os serviços para perto delas, além de transformar o local em um lugar mais seguro, diminuem os deslocamentos. “Não é a reunião de pessoas que causa o congestionamento, é o deslocamento. Ao evitar que se desloquem para grandes distâncias, eliminamos o problema”, explica.
O Nova Luz se propõe a ser construído em cima desse conceito, o de cidades compactas, que nada mais são do que locais planejados para abrigar moradias, empresas, equipamentos de saúde e lazer próximos uns dos outros. A proposta é implementá-lo por intermédio de concessão urbanística, pela qual a iniciativa privada, mais capacitada a dar agilidade ao processo do que o poder público, entra como um parceiro deste.
A parceria entre iniciativa privada e poder público é mais que bem-vinda na América Latina, onde as “intervenções políticas são débeis com relação à problemática das cidades”, de acordo com Marcia Casseb, responsável de equipe do Banco Interamericano de Desenvolvimento no Brasil (BID). Esses acordos estão sendo responsáveis pela transformação de cidades de médio porte, melhorando serviços oferecidos à população e, consequentemente, a qualidade de vida.
“Escolhemos atuar nas cidades médias porque, além de crescerem rapidamente, elas ainda não têm os problemas instaurados que uma cidade como São Paulo possui, o que dificultaria a ação”, define.
Ela diz que a parte mais difícil está sendo construir indicadores. “Não existe, culturalmente, na gestão brasileira de políticas públicas, o trabalho feito com métricas que possibilitem agir com metas estabelecidas.”
Na cidade de Novo Hamburgo, próxima de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o trabalho já está em implantação com adesão maciça da população que foi beneficiada com planejamento de bairros visando à diminuição da violência, implantação de polo de tecnologia e áreas verdes. “A cidade compacta é um desafio para a América Latina”, acredita Marcia Casseb.
Em complemento a essa ideia, Liliana Miranda, diretora-executiva do Fórum de Cidades para a Vida, do Peru, defende a criação de uma cidade “policêntrica”. “Dispor de vários pequenos centros que descentralizem a população, para nós, cidadãos de Lima, será uma solução mais adequada, pois temos uma área geográfica estreita e comprida”.
Liliana Miranda, que já foi acusada de comunista pela sua insistência em realizar planejamento da cidade, pensa que as mudanças estão começando. “Agora temos a engenharia ambiental para nos ajudar a implantar as mudanças. Mas estes novos engenheiros terão que esperar os antigos engenheiros da prefeitura, que estão lá há 50 anos, se aposentarem”, brinca. E complementa que, “quando me acusaram de ser comunista, pensei: ‘será que ser comunista é tão ruim assim?’”, disse, provocando risos na plateia.
Quando a questão passou a ser a solução para drenagem de águas, os parques lineares, como áreas de escape para os rios, e o planejamento de uso do solo foram os caminhos apontados. “O uso do solo não respeita a lei natural das áreas de expansão dos rios. Será impossível resolver problemas de drenagem sem passar pelas bacias. Serão necessárias bacias de contenção, tendo em vista o aquecimento global capaz de tornar as enchentes ainda mais graves”, define Marcia Casseb.
Nesse sentido, Alejandra Devecchi, acrescentou que “os engenheiros brasileiros devem ter sido dentistas em vidas passadas porque só sabem fazer canais”, disse, trazendo mais risos. Seja qual for a solução a ser colocada em prática, todos concordaram que a população precisa se envolver na construção dessas ações, afinal, são diretamente atingidas. “Nossa sociedade é muito individualista e não dá atenção às questões coletivas. Enquanto isto não mudar, não conseguiremos mudar o mundo, não na velocidade que ele precisa”, finalizou Daniel Albuquerque.