Eles não usam black-tie. Nem gravatinha.

Brasília – Apesar de ir sempre paramentado à capital federal, vez ou outra deixo as línguas de pano descansando em casa. Afinal de contas, este é um país tropical, em que vestimos velhos gordos com veludo no Natal só para exercitar nosso sadismo. E por estar sem gravata, já fui impedido de adentrar determinados recintos nobres do Congresso Nacional em momentos solenes. Até porque o regimento da Casa do Povo (sic) precisa ser respeitado. “Em tudo o rito se cumpra!”, mesmo que o fundamental direito de ir e vir seja ignorado para isso.

Por que? Porque sim. Nem Kafka com um processo nas costas se divertiria tanto.

Não é irritante um troço como a gravata funcionar como passaporte para entrar em recintos? Se você não tem ou está sem, dançou: fica do lado de fora. Entendo que existam formalidades, mas que deveriam ficar restritas a ambientes privados. Até porque respeito não deveria ser obtido por meio de vestimentas, mas de ações.

Mas aí complica, uma vez que haveria muita excelência que não teria visto de entrada em seu próprio gabinete.

Esse tipo de política exclui a esmagadora maioria da população brasileira de transitar por espaços, em tese, públicos. Ou seja, é um ato de preconceito de classe levado a cabo por quem deveria atuar pela defesa da igualdade de direitos. Ok, o “deveria” foi forte demais, desculpem. Mas essa bizarrice também é muito útil para mostrar como funciona o poder público: se agarra a uma preocupação imbecil ao passo que promove o toma-lá-dá-cá e o compadrio serelepes pelos corredores.

Imagem é tudo. Sair bem vestido na foto então…

Em muitos escritórios da Organização das Nações Unidas é facultativo o uso de terno pelo motivo mais óbvio: economia de energia elétrica que seria usada pelo ar-condicionado. Existe cena mais surreal que uma pessoa trajando um pesado paletó pedir para ligar o ar frio porque está com calor? No Congresso Nacional tupiniquim, propostas para aposentar a obrigatoriedade do traje entre funcionários e parlamentares são arquivadas.

Economizar para quê? Se precisar de mais energia, é só expulsar alguns milhares de índios, ribeirinhos, camponeses e quilombolas e construir uma hidrelétrica no lugar. Com o bônus de agradar os doadores de campanha, ops, quer dizer, promover o desenvolvimento do país.

Até porque índios, ribeirinhos, camponeses e quilombolas não usam black-tie, como diria Gianfrancesco Guarnieri. Tampouco, gravatinha.

* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.