A indústria automobilística remeteu US$ 5,58 bilhões em lucros e dividendos para o exterior no ano passado. O valor – equivalente a 19% de todas remessas desse tipo e 36% superior ao montante enviado em 2010 – foi tema de boa matéria de Pedro Kutney, nesta sexta (27) no UOL.
Lucro pode se traduzir em empregos, geração de renda, impostos e tudo o mais. Contudo, quando ele surge em um ambiente com problemas sociais, ambientais e trabalhistas não resolvidos, deveria ser melhor avaliado.
Por exemplo, as montadoras não colocaram em prática, até o ano passado, certas ações importantes para garantir qualidade de vida ao brasileiro, como a adaptação da frota nacional para um diesel com menos enxofre na sua composição e que, portanto, mataria menos os moradores das grandes cidades. Ou um controle mais rígido sobre sua cadeia produtiva. Hoje, ao comprar um carro, você não tem como saber se o aço ou o couro que entrou na fabricação do veículo foram obtidos por meio de mão de obra escrava e trabalho infantil ou se beneficiando de desmatamento ilegal – ilegalidades que vêm sendo apontadas pelo Ministério Público Federal e pela sociedade civil.
Alguns “especialistas” repetem que é irracional a solicitação de contrapartidas à indústria, uma vez que o aumento nas vendas gira a economia e gera empregos. Afirmam que as empresas não podem operar esquecendo que estão inseridas em uma economia de mercado, buscando uma taxa de lucro para continuar sendo viável. E que, se problemas existem, é pela falta de fiscalização do governo.
Ou seja, o Estado tem que garantir e ajudar o funcionamento das empresas, mas as empresas não podem sofrer nenhuma forma de intervenção em seu negócio – mesmo se ele for vetor de problema. Um liberalismo de brincadeirinha.
E recordar é viver: durante o pico da crise econômica de 2008, a General Motors demitiu 744 trabalhadores de sua fábrica em São José dos Campos (SP) sob a justificativa de “diminuição da atividade industrial”. Mesmo após ter recebido apoio da União e do governo do Estado de São Paulo no sentido de facilitar a compra de seus produtos por consumidores.
Se o Estado pensar só com cabeça de planilha, vai continuar fazendo do Brasil um suporte para as empresas automobilísticas de outros países durante épocas de crise, deixando o nosso meio ambiente e nossos trabalhadores pagarem a conta por isso.
Sugestão: quando constatados problemas na cadeia produtiva das montadoras, que tal taxar o lucro delas a ser remetido e usar o montante para cobrir esses danos ao homem e ao meio? OK, a ideia é quase impossível (por aqui, a dignidade é relativa, enquanto a propriedade é absoluta). Mas, por isso mesmo, deliciosamente interessante imaginarmos as reações.
“Ah, isso afastará os investidores internacionais”, dirão xororôs do mercado.
Vai não… Eles precisam de nós. Mais do que precisamos deles.
* Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política.
** Publicado originalmente no site Blog do Sakamoto.