Em busca de cidades humanizadas

Jornalista brasileira Natália Garcia, fundadora do Cidades para Pessoas. Foto: Cortesia de Natália Garcia

Nova York, Estados Unidos, 19/10/2011 – Em maio deste ano, a jornalista brasileira Natália Garcia decidiu passar um ano viajando por diferentes cidades do mundo em busca de ideias para humanizar o meio urbano. Seu projeto, chamado Cidades para Pessoas, inclui 12 cidades que foram escolhidas pelo arquiteto Jan Gehl, responsável pela nova estrutura de Copenhague, também conhecida como a “cidade das bicicletas”.

Natália já esteve em Copenhague, Amsterdã, Londres, Paris e Lyon. Outras cidades incluídas em seu projeto são Barcelona, Sidney, Melbourne, São Francisco, Nova York, Portland e México. Da população mundial, 50% vivia em cidades em 2010, segundo o Banco Mundial. Porém, em algumas regiões essa proporção era muito maior, como na América Latina e no Caribe, onde chega a 79%, e na Europa, a 74%. A crescente urbanização está associada a maior trânsito e criminalidade.

A solução para melhorar a qualidade de vida nas cidades é “colocar as pessoas no centro da administração pública”, disse Natália à IPS na cidade francesa de Lyon. O próprio financiamento do programa foi um trabalho conjunto de um site da internet, um blog e um canal da rede social para compartilhar vídeos no Youtube. Natália trabalhou com a Catarse, uma iniciativa de financiamento em massa que permite às pessoas apresentarem um projeto e pedir recursos para realizá-lo. Natália conversou com a IPS sobre sua concepção de urbanismo e as possibilidades de humanizar as cidades da América Latina, muitas delas marcadas pela criminalidade e a falta de planejamento.

IPS: Por que você criou o projeto Cidades para Pessoas?

NATÁLIA GARCIA: Meu interesse começou por minha vida pessoal. Sou de São Paulo, onde comecei a dirigir aos 18 anos, mas, aos 24, cansada de ficar quatro horas por dia ao volante, comprei uma bicicleta. Minha relação com a cidade mudou totalmente. Em 2008, comecei a pesquisar de forma informal sobre as cidades, o planejamento urbano e a mobilidade. Escrevi a respeito e participei de alguns projetos jornalísticos nos quais aprendi muito e conheci o trabalho do urbanista dinamarquês Jan Gehl. Foi um dos primeiros a criar o conceito de “cidades para pessoas”. Entrei em contato com ele quando decidi viajar um ano inteiro pelo mundo, visitar 12 cidades e viver um mês em cada uma para buscar ideias de como melhorá-las para as pessoas. A viagem começou no dia 5 de maio em Copenhague. Já estive em Amsterdã, Londres, Paris, Estrasburgo, Freiburgo e Lyon.

IPS: Acredita que é possível melhorar a qualidade de vida nas cidades da América Latina?

NG: Estou certa, as cidades latino-americanas têm certas características particulares. Em grande parte, se desenvolveram depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando os automóveis eram produzidos em grande escala em todo o mundo e eram considerados um símbolo de status. As cidades foram feitas para os automóveis, os serviços de transporte público de má qualidade e um crescimento desorganizado que gerou bairros onde as pessoas carecem de infraestrutura básica. A violência e a criminalidade são consequência do mau planejamento. São fenômenos vinculados à falta de igualdade de oportunidades. O primeiro passo para mudar a situação é colocar as pessoas no centro da administração pública. O principal objetivo do governo é fazer das cidades um lugar melhor para viver. Bogotá é uma prova de que é possível mudar em pouco tempo. Em 15 anos, esta cidade foi dotada de um sistema de transporte público que chega a todos os bairros, ciclovias, praças revitalizadas, parques e áreas abertas. Uma cidade onde as pessoas não interagem e vivem juntas é uma cidade de inimigos.

IPS: Visitará apenas uma cidade da América Latina, México, por que?

NG: Nas cidades europeias, procurei compreender os conceitos clássicos de urbanismo porque podem ser ferramentas importantes para a América Latina. Além disso, a informalidade e o papel central dos automóveis tornam mais complexos os problemas de nosso continente. Contudo, algumas das soluções europeias são perfeitamente aplicáveis. A agricultura urbana é uma ferramenta para regular o crescimento das cidades com “cinturões verdes”, descentralização para melhorar o trabalho das autoridades locais, participação democrática em decisões políticas e de movimentos civis de intervenção. Creio que os conceitos aprendidos com o projeto podem ser aplicados em cidades brasileiras e, em geral, latino-americanas, se forem adaptados à nossa realidade.

IPS: Os maiores problemas das grandes cidades brasileiras são o trânsito e a poluição. Acredita que é possível promover o uso de bicicletas como em Copenhague?

NG: Creio que sim, mas é preciso considerar que muitas cidades brasileiras têm uma escala diferente. São Paulo, por exemplo, tem mais habitantes do que a Dinamarca. A chave para promover o uso de bicicletas ali é integrá-las ao transporte público. São necessários estacionamentos para elas perto das estações de metrô, bem como ônibus.

IPS: O Cidades para Pessoas também é um blog e um canal do Youtube, onde se mostra o que você faz nas cidades visitadas. O que fará com todo o material quando terminar a viagem?

NG: Tenho muitos planos. Apresentar o trabalho às autoridades brasileiras é um deles. Publicar informes sobre como aplicar as ideias em São Paulo é outro. Também tenho iniciativas que gostaria de promover entre os cidadãos.

IPS: Já visitou Copenhague, Amsterdã, Londres e Paris, entre outras. Qual a surpreendeu mais e por que?

NG: Creio que Copenhague, porque limpam seus canais e as pessoas podem se banhar. Esse enfoque em particular vinculado à água está muito distante da realidade das cidades brasileiras. Envolverde/IPS