Iaundé, Camarões, 12/6/2014 – São quase 18 horas em Iaundé. Um grupo de meninos joga futebol em um terreno sujo e cheio de pó em uma localidade pobre da capital de Camarões. A velha bola marrom, que costumava ser branca, recebe vários pontapés. Um dos jogadores está descalço e outro tem sapatos desgastados, mas veste o uniforme da seleção nacional.
“Quero jogar como (o astro argentino Leonel) Messi”, diz à IPS um dos meninos, Jack, que costuma elevar a voz acima do entusiasmo do grupo. “Sou Eto’o… sou Ronaldo… Pepe… Rooney…”, grita cada um dos outros com o nome de seu astro de futebol favorito.
Messi é atacante do Barcelona, da Espanha, e Samuel Eto’o, a estrela de Camarões, ocupa a mesma posição na equipe inglesa do Chelsea. Eto’o será o capitão do selecionado nacional, conhecido como “leões indomáveis”, no Mundial da Fifa que começa hoje no Brasil.
Cristiano Ronaldo é o atacante português da equipe do Real Madrid e Pepe, apelido de Kepler Laveran Lima Ferreira, é seu compatriota e companheiro na equipe espanhola. O britânico Wayne Rooney integra o Manchester United, da Inglaterra, e os apostadores prognosticam que brilhará neste Mundial.
Às vésperas da abertura da copa, no Brasil continuavam os protestos e as greves por melhores salários. As multimilionárias obras públicas que precederam o torneio estiveram marcadas por denúncias de corrupção e violações dos direitos dos trabalhadores.
Mas aqui, neste país da África central, os meninos estão alheios a essa situação e sonham grande. Isso reflete a profunda paixão que impulsiona o futebol em Camarões, que disputará seu sétimo Mundial, mais do que qualquer outra seleção africana. O futebol aqui é mais do que um esporte, “é uma religião”, disse à IPS o jornalista esportivo Fon Echeckiye.
Apesar de sua glória futebolística, Camarões só possui dois estádios, um em Iaundé, capital do país, e outro em Garoua, na região do Extremo Norte. Mas a péssima infraestrutura para esse esporte no país não é obstáculo para o amor pelo futebol ser arrebatador.
Segundo o informe Perspectivas Econômicas na África, um texto anual de referência sobre o continente, Camarões possui abundantes riquezas naturais mas “a renda obtida com a exploração desses recursos, e do petróleo em particular, não é canalizada de maneira suficiente para investimentos estruturais na infraestrutura e nos setores produtivos”.
“Em nossa época, cada vez que enfrentávamos um adversário não pensávamos em outra coisa que não fosse a bandeira nacional”, disse à IPS o ex-goleiro Thomas Nkono, de 57 anos, que ficou conhecido pelo apelido de Aranha Negra devido às suas acrobáticas defesas. “Sempre foi uma boa sensação saber que milhões de camaroneses – pobres e miseráveis por igual – podiam deixar de lado suas preocupações diárias pelo pão e pela manteiga para apoiar a equipe. Sempre nos deu uma motivação extra”, contou.
Dos 22 milhões de habitantes de Camarões, 39,9% vivem na pobreza. Essa sensação não mudou muito para os jogadores. “É certo que alguns que jogam no futebol profissional ganham muito dinheiro, mas ver multidões como esta não é algo que o dinheiro possa comprar. É muito motivador”, afirmou à IPS o atacante Achille Webo, junto ao campo onde aconteceu a última partida de preparação dos “leões” para a Copa, diante da Moldávia, no dia 7.
Ngando Picket, fanático que acompanha a seleção nacional a todas as partes, garantiu que nos últimos anos compôs mais de 300 músicas de apoio aos “leões”. Fala ofegante enquanto se esforça para cantar e dançar ao mesmo tempo. “Os jogadores devem saber que a nação, que as pessoas estão por trás deles e eu trabalho todos os dias para cumprir essa função. Creio que o canto e as danças que oferecemos desde as arquibancadas estimulam os rapazes e isso só os mantém a todo vapor”, afirmou à IPS. “Viajaremos ao Brasil para fazer isso, e acredito que Camarões vai gerar grandes surpresas”, destacou.
No começo, os simpatizantes da seleção desconfiavam do estado físico dos jogadores antes do Mundial, mas o empate com a Alemanha em um amistoso disputado no dia 1º deste mês parece ter devolvido a esperança aos torcedores.
“Essa partida me recorda 1990, quando os ‘leões’ surpreenderam o mundo vencendo por 1 a 0 a Argentina”, na época o país campeão mundial, disse Benjamin Ngah, taxista em Iaundé. Camarões finalmente se converteu no primeiro país africano a se qualificar para as quartas de final de uma Copa do Mundo. “Creio que temos a qualidade para repetir essa façanha este ano, ou até mesmo irmos mais longe”, disse à IPS. Envolverde/IPS