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Em dúvida o legado social do Mundial e das Olimpíadas

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Uma favela e um vizinho bairro de classe média, vistos do Corcovado, no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, Brasil, 22/7/2011 – Organizações populares do Brasil duvidam que ser sede da Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas deixe o legado social propalado pelo governo e pelos empresários, embora cifras oficiais situem em US$ 68 bilhões os benefícios apenas com o primeiro dos megaeventos. “Devemos pensar no legado social para toda a população e não apenas para uma parcela”, disse à IPS a líder comunitária Erika Rocha dos Santos.

As grandes obras de infraestrutura já iniciadas ou planejadas para o Mundial de 2014, que acontecerá em várias idades, e os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro não refletem o espírito de legado social prometido, criticam os setores que já sofrem suas consequências e as de novos projetos de transporte, em sua maioria pobres e de classe média baixa. Várias organizações sociais criaram o Comitê Popular da Copa e da Olimpíada, de caráter nacional, do qual Erika é uma das integrantes, para fiscalizar as obras desses megaeventos e defender os moradores desalojados das áreas onde acontecerão as obras.

“Queremos informações e garantias de participação nos projetos. Queremos saber com antecipação para onde vamos e ter o direito a uma indenização prévia e justa”, ressaltou Erika, dirigente de uma das 750 favelas do Rio de Janeiro, onde vivem 1,5 milhão dos seis milhões de habitantes da cidade. Erika denunciou que a população não tem acesso a informações sobre os projetos de infraestrutura e de transporte, por isto fica difícil estabelecer o número de desalojados em diferentes bairros. Contudo, o Comitê calcula que no Rio de Janeiro cerca de 20 mil famílias serão afetadas por obras como a revitalização do porto.

Em uma audiência no Ministério Público Estadual, os prejudicados também mencionaram os problemas causados pela construção de dois sistemas de transporte: Transoeste, uma via expressa que unirá a zona oeste da cidade, e a Transcarioca, que ligará a zona norte ao aeroporto internacional. Segundo Erika, trata-se de grandes projetos de engenharia que beneficiarão apenas algumas áreas urbanas, empresas e grupos sociais determinados, e não a maioria da população.

Para esta líder comunitária, o que os habitantes precisam é de projetos de transporte de massa eficiente e estruturas esportivas acessíveis a todos, em particular para os mais pobres. O Comitê denuncia que a retirada de moradores não respeita a lei municipal que garante um reassentamento próximo para “respeitar a história e a vivência da família que mora há anos em determinada área”. Além disso, “as indenizações oferecidas são irrisórias, sem dar condição ao morador de favela de comprar outro imóvel decente, e também existe a violência cometida pela prefeitura com as comunidades”, acrescentou Erika.

Este mês foi criada uma comissão investigadora municipal para as denúncias de violações de direitos humanos nas obras. O secretário de Obras do município, Jorge Bittar, admitiu que há problemas, mas garantiu que quando estes forem superados, os Jogos Olímpicos e o Mundial serão uma “oportunidade de mostrar que a cidade pode melhorar do ponto de vista social, ambiental e urbanístico, atendendo a população mais pobre”. Este é o repetido discurso oficial, acompanhado por números.

No projetado benefício de US$ 68 milhões para o país pela Copa de 2014, o Ministério dos Esportes inclui os investimentos em obras públicas e privadas de infraestrutura, aumento do consumo e crescimento do setor de serviços. O informe soma o aumento da arrecadação tributária, desde a fase de preparação para a Copa, e projeta que haverá renda de US$ 29 bilhões em impostos diretos, mais outros US$ 10 bilhões em impostos indiretos.

Além disso, prevê que a chegada ao país de aproximadamente 600 mil turistas significará entrada de US$ 2 bilhões adicionais, e calcula que a Copa criará 332 mil empregos diretos e permanentes e 381 mil temporários em 2014. “Ninguém perseguirá o objetivo de ser sede de um Mundial de Futebol, de Olimpíadas, nem destinaria tantos recursos para transformar-se, quando não para fazer o mais importante, que é deixar esse legado social”, assegurou a secretária de Esportes e Turismo do Estado do Rio de Janeiro, Márcia Lins, ao falar a empresários.

Márcia participou de múltiplos encontros feitos no Estado sobre Mundial e Olimpíadas, organizados pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que tem um programa para que este setor aproveite as oportunidades que proporcionam os megaeventos. O presidente do Sebrae, Luiz Barreto, destacou à IPS que é uma grande chance para um setor que concentra 50% do emprego contratado no país, de 190 milhões de habitantes,  e 20% do produto interno bruto.

Com setores como da construção civil e do turismo, “espero que ao longo dos próximos anos seja superada essa marca e se alcance 23%, 24% ou 25% do PIB”, estimou, com base em um estudo da Fundação Getúlio Vargas. “Trabalhamos muito na relação público-privada, na relação da grande empresa e da pequena empresa, no sentido de ter o melhor mundial dentro e fora de campo”, resumiu Barreto.

O ex-jogador Bebeto, famoso dentro de campo nos mais importantes estádios do mundo e agora deputado estadual no Estado do Rio de Janeiro pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), também quer participar do processo. O “deputado Bebeto”, como agora é chamado, promoveu uma comissão legislativa estadual para supervisionar os efeitos econômicos, ambientais e sociais do Mundial e das Olimpíadas. Também fiscalizará as grandes obras para esses eventos e para a Copa das Confederações, que o Brasil receberá em 2013.

“Toda minha vida joguei futebol”, disse à IPS Bebeto, que defendeu o Brasil em três Mundiais e em duas Olimpíadas. “Sei muito bem as dificuldades que isso acarreta. Todos estarão dependentes do Rio de Janeiro e temos de fazer as coisas direito”, acrescentou. O deputado está muito preocupado para que o sistema de transporte criado para os megaeventos tenha presente as necessidades dos cariocas. “O futebol está em nosso sangue. E, agora que seremos sede de um Mundial e jogaremos em nosso país, temos oportunidade de mostrar que podemos fazer as coisas bem, não apenas dentro de campo”, acrescentou.

Segundo Erika, para marcar esse gol, será preciso priorizar a transparência no uso dos recursos, além de incorporar o fator social. Para isso, disse, deve-se aprender com experiências como a dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro. Na época a prefeitura desalojou muitos moradores da favela Cana de Anil, com o “argumento de que eram construções irregulares às margens de um rio”, recordou. “Ao lado foi construída a Vila Pan-Americana, com recursos públicos, que hoje é um desenvolvimento imobiliário em ruínas e inabitável”, ressaltou. Envolverde/IPS