Desafio é equacionar redução de tarifa, aumento de fontes limpas e definir regulação.
O crescimento da participação de fontes limpas na matriz energética exige maior presença do Estado brasileiro no planejamento de médio e longo prazo, na regulação do mercado e na indução de investimentos em geração eólica, solar, cogeração e aumento da eficiência. A revisão da missão do Estado para assegurar o suprimento de energia em uma economia em expansão, sem aumentar a emissão de gases-estufa, foi consenso entre os palestrantes do painel “Energia” no segundo dia e último dia (09) da Conferência Ethos.
O diretor de Comunicação Institucional da CPFL, Augusto Rodrigues, mostrou a complexidade da situação assinalando que a demanda cresce mais aceleradamente no Brasil em conseqüência da ascensão de milhões de novos consumidores na última década. “A energia é o bem que permite acesso a todos os outros, principalmente eletroeletrônicos”, disse. Nesse quadro, segundo ele, é necessário rever o modelo tarifário, já que o preço da energia aqui é o dobro da média mundial, com “até 50% da conta em impostos e tributos”, o que desestimula investimentos em fontes limpas, de custo ainda mais caro em toda a cadeia, da produção ao consumo. Na questão da regulação, Rodrigues destacou a indefinição do governo quanto à renovação das concessões de grandes hidrelétricas em 2015 como fator de instabilidade, considerando que já foi amortizado mais de uma vez o custo do investimento dessas usinas.
Sobre o vencimento das concessões, o diretor do Instituto de Eletrotécnica da Universidade de São Paulo (USP), Ildo Sauer, sugeriu que o Estado brasileiro passe a controlar diretamente essa oferta, “criando uma Hidrobras para vender energia a custo mais baixo que o do mercado cativo”. Sauer calcula que esse grande volume de energia renderia ao governo R$ 10 bilhões/ano livres, a serem direcionados para eficiência e transição energética, saúde pública e proteção ambiental, proporcionando ganhos enormes para toda a sociedade.
Sauer apontou também que “a sobra de 20% na oferta resultante do racionamento iniciado em 2000 conduziu a uma paralisia no planejamento energético entre os anos 2003 e 2005”. Em conseqüência, pressionado pela demanda que voltou a crescer, o governo adotou o modelo hidrotérmico vigente, com as PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) e as térmicas a óleo combustível e a carvão, que aumentam o custo para todo o mercado consumidor, além de “sujar” a matriz energética. Na opinião dele, os potenciais eólico, solar, de racionalização e cogeração constituem “um cabedal de recursos muito grande”, que não está sendo aproveitado porque o planejamento não é “implementado de forma a explorar todo o potencial de sustentabilidade que temos”.
O Greenpeace Brasil realizou uma detalhada projeção sobre o uso desse potencial, em cenários que vão até 2050. O diretor-executivo Marcelo Furtado disse que o estudo inclui as questões estratégicas, tarifárias, climáticas, permitindo calcular que “a conta fecha” sem projetos de duvidosa sustentabilidade econômica e ambiental como a hidrelétrica de Belo Monte e as nucleares Angra 3 e 4. “O problema é falta de visão, liderança e missão. É possível fazer uma revolução energética, mas tem que ter política consistente”, defendeu, porque “falta governança”. Furtado deu exemplos cotidianos sobre o desperdício de energia, como o de freezers ligados durante toda a semana para uso esporádico por consumidores abastados. “Como sociedade vamos ter que fazer um acordo sobre uso razoável de energia, e que essa conta seja justa. Temos que falar de cidadania, de que existe limite.”
O professor de Economia da Universidade de São Paulo, Ricardo Abramovay, confirmou que estudos sobre o uso de recursos naturais mencionam cada vez mais limites de consumo, ao lado da necessidade de investir em inovação. “Produzir energia para quê?”, perguntou. “Para produzir combustível a ser usado por mais carros, para uma cidade (como São Paulo) que já tem 7 milhões de carros? Para percorrer às 18 horas uma distância que se vence a pé no mesmo tempo? A questão é saber o sentido da riqueza para a qual nos mobilizamos. A riqueza é um instrumento, o valor é a construção de uma vida que vale a pena ser vivida. Pensar energia em função de seu uso e finalidades é um questão que nós precisamos levar adiante.”
Abramovay propôs também medir a desigualdade por outros parâmetros, não apenas a renda. “Na construção de uma nova economia em que a relação entre a sociedade e a natureza seja central, será preciso transparência no uso dos recursos. E isso implica estabelecer limites para o consumo exagerado de energia pelos mais países e consumidores mais ricos.”(Envolverde)
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* Publicado originalmente no site da Conferência Ethos 2011.