Havana, Cuba, 22/10/2014 – A máquina de costura de Leonor Pedroso vestiu, nos últimos 30 anos, meninos e meninas do povoado cubano de Florida. Mas só há alguns meses esta costureira pôde formalizar seu trabalho por contra própria, que sempre combinou com as tarefas do lar e o cuidar da família. “Meu marido, que é camponês, não permitia que eu trabalhasse fora de casa, só podia costurar para os vizinhos e amigos próximos, sem cobrar ou cobrando barato. Segundo ele, ter um trabalho formal não era coisa de mulheres”, contou à IPS essa mulher de 63 anos.
Ela é uma das beneficiárias de um projeto de cooperação internacional de gênero no atual processo de reforma socioeconômica de Cuba. Dedicada principalmente ao cuidado de sua família de quatro filhos, Leonor não contava com renda estável nem conhecimentos para tirar partido de suas habilidades até receber aulas gratuitas de gestão comercial, plano de negócios, administração e gênero, junto com outras empreendedoras.
“Enfrentei meu marido para fazer o que me agrada e agora estou montando em minha casa um local de trabalho em que possa vender o que faço e ensinar as jovens a costurar e bordar”, disse, satisfeita, enquanto esperava novas máquinas de costura para seu negócio. Graças a isso, é sócia recente da Cooperativa de Produção Animal 25 Aniversário, da região.
O projeto, impulsionado pela organização não governamental espanhola Acsur Las Segovias e pela local Associação Nacional de Pequenos Agricultores (Anap) e com financiamento da União Europeia, favorece com capacitação e insumos 24 produtoras agropecuárias, artesãs e líderes camponesas.
Quando o projeto concluir, no final deste ano, a experiência “Incorporação ao desenvolvimento socioeconômico local das mulheres empreendedoras rurais a partir de uma adequada perspectiva de gênero” terá estendido as opções de integração local para mulheres tradicionalmente dedicadas às tarefas do lar em três províncias cubanas. Trata-se de Artemisa, Camagüey, onde fica o povoado de Florida, e Granma.
“Antes o homem era visto como principal provedor e proprietário da terra, mas elas foram sendo reconhecidas por suas contribuições para a economia familiar”, disse à IPS a técnica de projetos Lorena Rodríguez, da Acsur Las Segovias, para quem o machismo continua golpeando a incorporação das mulheres rurais ao trabalho remunerado.
É o caso de Neysi Fernández, que, buscando um meio de ganhar a vida, saiu de sua natal Yateras, na província de Guantânamo, no extremo leste do país, até Guanajay, no outro lado da ilha, na província de Artemisa. Ali, um familiar lhe cedeu quatro hectares de terra onde cultiva mandioca, taioba, feijões, milho e banana-da-terra. “Fui para onde estava o trabalho porque minha filha, hoje com 12 anos, não podia passar fome. Depois aprendi como vender a colheita e investir o dinheiro”, contou à IPS esta camponesa de 42 anos, casada há quatro com um operário.
Pesquisas sociais valorizam o acesso das mulheres ao emprego como uma das iniquidades mais sérias do meio rural cubano, onde elas representam 47% entre mais de 2,8 milhões de habitantes, em um país com 11,2 milhões de habitantes no total. O trabalho realizado por esposas e filhas de camponeses no cuidado de animais, hortas familiares e tarefas domésticas não é reconhecido nem remunerado, conforme ressaltado no Terceiro Seminário de Avaliação do Plano de Ação Nacional, realizado em 2013 em acompanhamento à Conferência Mundial da Mulher, de Pequim.
Apenas 65.993 mulheres estão associadas à Anap, representando apenas 17% de seus membros, segundo dados deste ano publicados no jornal estatal Granma. Em 2013, elas foram mais de 142.300 entre mais de 1,838 milhão de pessoas ocupadas na agricultura, pecuária, silvicultura e pesca, segundo o estatal Escritório Nacional de Estatísticas e Informação (Onei).
A reforma que é realizada pelo presidente Raúl Castro desde 2008, para injetar dinamismo na deprimida economia da ilha, incluiu a entrega de terras ociosas em usufruto pelos decretos-lei 259, de 2008, e 300, de 2012. Isso implicaria o despontar da produção de alimentos em um país onde 40% das terras aráveis estão em mãos privadas, segundo o Anuário Estatístico de 2013 do Onei.
Mas os homens seguem sendo os principais donos dos recursos agrícolas como terra, água, insumos, créditos e também são maioria entre os que tomam decisões no setor. À falta de ações afirmativas do Estado para o setor feminino rural, várias organizações da sociedade civil e agências de cooperação internacional insistem em favorecer um desenvolvimento local com perspectiva de gênero.
Com apoio da organização humanitária Oxfam, no final deste ano estarão funcionando em dez municípios do leste cubano mais de 15 empreendimentos coletivos de mulheres, entre eles uma floricultura, um salão de beleza, uma lavanderia, uma queijaria, várias mini-indústrias e alguns centros de gestão de micro-organismos para a agricultura ecológica.
Com fundos da União Europeia, a Agência Basca de Cooperação para o Desenvolvimento e da embaixada do Japão em Cuba, esses pequenos negócios contarão com equipamentos e meios de transporte. Além disso, suas gestoras receberam capacitação por meio de painéis de autoestima, liderança e crescimento pessoal.
Segundo a socióloga Yohanka Valdés, o valor desses projetos está em fortalecer a capacidade das mulheres a partir de uma lógica favorável ao seu empoderamento e em reconhecimento de seus direitos. “Se existe uma oportunidade, os homens estão em melhores condições de aproveitá-la porque não precisam cuidar da família”, pontuou à IPS.
Por estas e outras razões, a economista Dayma Echevarría garante que a metade feminina chegou em desvantagem à diversificação de atividades do setor estatal. A seu ver, em Cuba persistem estereótipos de gênero que mantêm as mulheres no papel reprodutivo, como cuidadoras e administradoras do lar. Em um dos capítulos do livro Olhares para a Economia Cubana (Editora Caminos, 2013), Echevarría avalia a falta de serviços de apoio ao cuidado como uma das causas da vulnerabilidade das mulheres rurais diante do emprego.
Os recentes processos de entrega de terra não se traduziram, segundo a especialista, em oportunidades para impulsionar a igualdade de gênero porque não favoreceram a ativa participação feminina na mudança. Por outro lado, são poucas as cubanas com recursos para desenvolverem negócios próprios dentro do contexto regulatório estabelecido. “Ainda se espera que sejam colocadas em prática normas que permitam uma inserção mais equitativa para todos e todas nas novas condições de trabalho e que integrem em sua visão o olhar de gênero”, ressaltou Echevarría.
Cuba ocupa o 15º lugar no Índice Global de Brechas de Gênero, de 2013, mas no quesito participação e oportunidade econômica cai para o 66º posto entre as 153 nações estudadas. Envolverde/IPS