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Empreender, a dura saída para a crise trabalhista espanhola

Painéis para novos empreendedores se multiplicam na Espanha, como este em Benalmádena, Málaga. Foto: Inés Benítez/IPS

Málaga, Espanha, 14/6/2013 – Na fábrica têxtil em que Lourdes Soler apresentou o desenho de suas saias nunca haviam visto um “plano” tão detalhado de uma peça de roupa. O afundado mercado de trabalho levou esta arquiteta técnica a se reinventar e criar seu próprio emprego, uma tendência crescente na Espanha. “Nos educamos para ter um trabalho para toda a vida, e, quando vem a crise e a falta de emprego, ficamos bloqueados, sem saber o que fazer”, contou à IPS esta mulher de 41 anos, 15 de experiência profissional e três filhos, de sete, nove e 11 anos.

María Jesús González, de 38 anos, acredita que “não sabe fazer outra coisa”, após 13 anos com cargos de responsabilidade nas companhias do setor aeroportuário Newco e Spanair. Demitida em 2012, pouco antes de dar à luz seu filho, ainda espera pela indenização com a “ilusão” de abrir uma cafeteria-ludoteca junto com duas sócias na cidade de Málaga.

Em maio deste ano foi registrado o maior aumento no número de trabalhadores por conta própria desde o começo da crise em 2009, com 12.532 novos inscritos. Em maio havia 3.029.843 pessoas inscritas neste regime especial da Previdência Social, segundo dados do Ministério de Emprego e Segurança Social. Mas a evolução interanual do número de autônomos é negativa desde 2009, e em maio havia 34.651 trabalhadores por conta própria a menos do que em igual mês do ano passado.

“Desde 2009 perdemos 200 mil autônomos”, disse à IPS a secretária-geral da União de Associações de Trabalhadores Autônomos e Empreendedores (Uatae), María José Landaburu, para quem “os aumentos da temporada alta (maio-setembro) não compensam as baixas”. Landaburu atribuiu a alta de maio “fundamentalmente à falta de alternativas dos milhões de desempregados que veem uma saída no autoemprego”. Contudo, também foi apoiado “pelas medidas de estímulo adotadas pelo governo”.

“É a primeira vez que tenho um projeto próprio”, disse à IPS a brasileira Giselle Rocha, uma funcionária administrativa de 36 anos que ficou sem trabalho junto com outras cinco mil pessoas quando faliu a empresa turística Orizonia, onde trabalhava. Há cinco anos na Espanha, agora se prepara para abrir nesta cidade um estabelecimento para vender sucos naturais e comida vegetariana, junto com outro brasileiro. Ela se queixa de, por sua idade, não contar com a maioria dos apoios oficiais para empreendedores. “A ajuda é para os mais jovens, mas deveria ser para todos ou para ninguém”, argumentou esta mãe de um menino de sete anos.

No dia 24 de maio, o governo aprovou o anteprojeto de lei de Apoio aos Empreendedores e sua Internacionalização, destinada a facilitar a criação de negócios, seu financiamento e o incentivo do espírito empreendedor no âmbito educacional. “A falta de financiamento é o principal problema do empreendedor”, declarou no dia 11 o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, durante a apresentação do projeto perante meia centena de empreendedores e pequenos empresários. Rajoy fez um chamado aos bancos para apoiarem a iniciativa, afirmando que “os que têm de dar crédito devem estar à altura das circunstâncias”.

O desemprego é o impacto mais dramático da crise na Espanha. No final de maio, 27,16% da população economicamente ativa estava desempregada, de acordo com o Instituto Nacional de Emprego (INE). Dos 4,9 milhões de pessoas registradas nessa condição, metade é de jovens menores de 25 anos. Landaburu afirmou que o projeto “não aborda devidamente grandes necessidades do coletivo, especialmente as vinculadas ao crédito”. No entanto, apontou que contém “medidas interessantes, como as destinadas a favorecer a implementação de atividades ou a que estipula que a moradia não pode ser embargada por dívidas privadas de até 300 mil euros” (US$ 398.628).

Entre as principais novidades da nova lei, que seria aprovada este mês, está um regime especial sobre o Imposto de Valor Agregado (IVA), que evitará aos autônomos e às pequenas empresas pagarem esta taxa antes de receberem suas faturas. Também incorpora uma tarifa diferenciada do IVA para jovens, com economia de custos para empreendedores com menos de 30 anos.

Fontes do governamental Centro de Apoio ao Desenvolvimento Empresarial (Cade), em Málaga, disseram à IPS que a principal preocupação dos empreendedores que vão aos seus escritórios é a falta de financiamento para seus projetos. “Recebem respostas negativas ao pedirem crédito nos bancos, que exigem cada vez mais garantias pessoais para concedê-lo”, contou Susana Benítez, técnica do Cade.

Segundo o Informe de Estabilidade Financeira, divulgado em 7 de maio pelo Banco da Espanha (banco central), “as taxas de aceitação de crédito para empresas não financeiras caiu de níveis em torno de 45%, em 2006, para aproximadamente 30% durante a crise”. A brasileira Giselle e seu sócio tiveram a possibilidade de empreender seu projeto com um mínimo de investimento inicial, sem recorrerem a empréstimos bancários. Porém, María Jesús González pretende pedir um crédito e se queixa que “os bancos não estão dando dinheiro”.

O empreendedorismo cresce principalmente entre os coletivos mais castigados pelo desemprego: maiores de 55 anos, jovens, mulheres e imigrantes, explicou Landaburu. Os setores do comércio e a hotelaria são os preferidos, embora tenham aumentado os autônomos dedicados a atividades científicas, técnicas e sanitárias. Embora cresça o número de novos empreendedores, “seu índice de sobrevivência é bem menor do que o desejável devido a falta de crédito, paralisação do consumo e falta de assessoria”, detalhou a secretária-geral da Uatae, afirmando que “sua manutenção é o autêntico desafio coletivo”.

“Sou autodidata. Busco todas as matérias-primas, desenho e aprendo sobre confecção de roupas. Estou plantando para o futuro”, afirmou Soler, autônoma convencida de que o maior obstáculo para o empreendedor, às vezes, é ele próprio. “É preciso nos conhecermos e descobrir onde está nosso talento”, afirmou.

Neste ano foram criadas na Espanha 8.938 sociedades mercantis, 23% a mais do que em igual mês de 2012, segundo o INE. Entretanto, em abril foram dissolvidas 2.090 sociedades, contra 1.414 que cessaram suas atividades no mesmo período de 2012. Segundo o informe Doing Business 2013 do Banco Mundial, a Espanha está no 136º lugar entre 185 países quanto à capacidade de pôr em marcha uma empresa. Criar uma companhia neste país exige dez passos e prazo de 28 dias, segundo o relatório. Envolverde/IPS