Mossman, Austrália, 28/1/2015 – Roy Roger Gibson, um idoso kuku yalanji, observava os milhares de turistas e veículos que pisoteavam sua terra virgem enquanto trabalhava nos canaviais do norte do Estado australiano de Queensland. Seu povo sofria, sua cultura se deteriorava e a fauna autóctone estava desaparecendo. Demorou 20 anos para mudar essa situação, mas hoje o Centro da Quebrada Mossman é uma próspera empresa de ecoturismo indígena no Parque Nacional de Daintree, um sítio declarado patrimônio mundial em Queensland.
O turismo é uma fonte de preservação da cultura indígena, já que proporciona emprego, oportunidades de educação e formação e proteção do ambiente, especialmente em lugares remotos, como a quebrada Mossman, lar ancestral do povo kuku yalanji, no extremo sul do Parque Nacional Daintree. Roy e a comunidade aborígine da quebrada Mossman trabalharam em colaboração com a Corporação de Terras Indígenas (CDI) para construção do centro, onde 90% dos trabalhadores são indígenas, 61 deles empregados e 21 aprendizes.
Roberta Stanley, de 18 anos, começou como aprendiz. “A cada manhã, quando saio com o uniforme para trabalhar, não paro de sorrir. Me ajudou a reencontrar a história, as lendas, os idiomas, a música e nossas artes. Tenho uma sensação de imenso orgulho e a confiança para perseguir meu sonho de ser artista e bailarina”, afirmou. Isso era algo que os jovens não podiam fazer antes que o Centro começasse a oferecer cursos de turismo, hotelaria, comércio e administração. Os pais de Roberta e sua irmã trabalham no mesmo local.
Em 2011, havia cerca de 207.600 indígenas na força de trabalho da Austrália. Daqueles maiores de 15 anos, 42% tinham trabalho, em comparação com os 61% daqueles que não são indígenas. Com escassas oportunidades de emprego, perseguir seus sonhos não é algo que todos os indígenas australianos podem fazer.
Pamela Salt, de 41 anos, trabalhava como faxineira e em seu tempo livre pintava. Desde que começou a trabalhar no Centro da Quebrada Mossman, tem um senso de pertinência com o lugar. “Física, mental e emocionalmente, o Centro deu ao nosso povo a confiança de que podemos fazê-lo. Uma das minhas filhas também trabalha aqui”, contou esta pintora autoditada que hoje expõe sua obra na galeria do Centro, onde visitantes nacionais e estrangeiros podem comprá-las.
Desde julho de 2014, mais de 250 mil turistas, dos quais cerca de 40% estrangeiros, visitaram o Centro. “O turismo indígena está ganhando impulso. Acrescenta um aprofundamento cultural às experiências que os visitantes têm em seus sentidos. O povo kuku yalanji, como outras comunidades aborígines, cuidam do ambiente há milhares de anos. É seu supermercado e sua farmácia”, afirmou o gerente-geral do Centro da Quebrada Mossman, Greg Erwin.
Nos próximos dez a 15 anos, a propriedade da empresa será 100% aborígine. Essa realidade está muito distante do que viveu a chamada Geração Roubada, composta por dezenas de milhares de crianças que foram separadas à força de suas famílias, entre 1900 e 1970. As políticas de assimilação do governo australiano da época pretendiam erradicar o “sangue aborígine” e, supostamente, dar às crianças uma vida melhor.
Roy, de 58 anos e pertencente a essa Geração Roubada, não quer que seu povo volte a experimentar esse trauma psicológico. “Esse centro é um modelo a seguir para a geração mais jovem, que sonha com uma vida melhor”, acrescentou. Ele e outros guias indígenas levam os visitantes a fazerem “caminhadas de fantasia”, nas quais ressaltam os matizes da floresta tropical mais antiga do mundo, com histórias sobre sua criação, as fontes de alimentos, a flora e a fauna, as cavernas e Manjal Dimbi, uma montanha com significado espiritual para os povos autóctones.
“Agora somos capazes de proteger nosso ecossistema e, ao mesmo tempo, oferecer aos visitantes uma visão da vida, da cultura e das crenças das pessoas kuku yalanji e sua conexão com o entorno natural. Nossa ênfase está na sustentabilidade”, destacou Roy à IPS. Empresas indígenas sustentáveis como o Centro da Quebrada Mossman não só ajudam a proteger e preservar o ecossistema com tiram da pobreza setores vulneráveis da população, que sofrem abuso de álcool, violência de gênero, doenças crônicas, desemprego e altas taxas de suicídio.
Os adultos aborígines têm 15 vezes mais probabilidades de ir para a prisão do que os demais australianos. Cerca de metade dos jovens nos centros de detenção do país são indígenas. As mulheres indígenas são hospitalizadas por violência familiar 31 vezes mais do que o resto das australianas, segundo o informe anual oficial de 2014 sobre Justiça Social e Indígenas. Envolverde/IPS