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Enclave de pobreza, fome e aids

Moliehi e seus irmãos sobrevivem sozinhos em uma pequena cabana. Foto: Kristin Palitza/IPS

Maseru, Lesoto, 6/12/2011 – As dificuldades econômicas e a epidemia de aids arruinaram o futuro do Lesoto: três em cada cinco crianças deste pequeno reino da África vivem na miséria, e um em cada quatro é órfão. Logo que sai o Sol, Moliehi (nome fictício), de 17 anos, se levanta, varre a terra de sua choça, sai em busca de água e prepara o desjejum. Desperta os pequenos, os alimenta e os manda para a escola. Mas Moliehi não é mãe. Desde que sua mãe morreu, há três anos, se converteu na tutora de seus irmãos menores, de nove e 15 anos.

Todos vivem em uma pequena choça de um só cômodo, fabricada com lâminas de folha de flandres. Nela há apenas duas panelas, uma madeira e uma bacia de plástico, amontoadas em uma pequena mesa, enquanto encostadas na parede estão algumas malas onde guardam roupa e cobertas velhas. À noite, os três irmãos são obrigados a dormir no mesmo colchão deteriorado. “Admiro minha mãe. Desempenhar seu papel é uma carga. Meus irmãos esperam de mim que os ajude, mas não temos nada”, disse Moliehi, enquanto seus irmãos se encolhiam ao seu lado um tanto confusos. “No geral, vou de porta em porta pedindo milho e óleo”, contou.

Igualmente pobre é o resto da população de Mohasoa, a aldeia onde vive Moliehi, localizada a meia hora de Maseru, capital do Lesoto. “Nove em cada dez famílias aqui estão na pobreza. Quase ninguém tem emprego”, disse o chefe da aldeia, Malipontso Mokasoa. “Desde o começo da crise econômica nosso sofrimento cresceu em um ritmo alarmante”, acrescentou.

A situação das crianças do Lesoto é dramática. Neste país de 1,8 milhão de habitantes, cerca de 500 mil dos 825 mil menores vivem com menos de US$ 1,25 por dia e sem abrigo seguro, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Quase 40% das meninas e dos meninos apresentam desnutrição crônica e estão atrofiados. A mortalidade infantil aumentou de forma sustentada na última década.

“As pessoas apenas desejam atender as necessidades mais básicas, como comida e roupa. Só alguns podem comer a cada dois dias. Trata-se simplesmente de sobreviver, e não podemos esperar melhoria no curto prazo”, disse Lineo Lephoto, do Departamento de Bem-Estar Social. Lesoto se converteu em um dos piores lugares do mundo para a infância. A razão principal é o devastador impacto da crise econômica global neste país do tamanho da Bélgica, encravado na África do Sul e fortemente dependente da economia de seu grande vizinho.

A queda nos preços dos diamantes e a perda de exportações têxteis afetaram os dois principais setores do país, enquanto uma redução de 60% na renda da União Aduaneira da África Austral, causada em grande parte pela crise econômica, secou o principal fluxo de dinheiro desta monarquia constitucional. O crescimento do produto interno bruto foi de apenas 0,9% em 2009, quando em 2006 chegou a 6,5%, segundo o Banco Mundial.

Enquanto isso, nas zonas rurais, onde mais de 70% da população do Lesoto possui apenas 9% da terra cultivável, a agricultura de subsistência diminuiu. A alternância de inundações e secas reduziu os campos à sua mínima expressão, arrastando mais de um quarto da população para a insegurança alimentar. O país ficou em 141º lugar entre as 162 nações medidas pelo Índice de Desenvolvimento Humano 2011, atrás de Benin, Iêmen e Bangladesh.

Para piorar as coisas, Lesoto é um dos três países do mundo mais afetados pela aids. Uma em cada quatro pessoas da maioria da população basoto (há uma minoria zulu) contraiu o vírus HIV, que deixou órfãs um quarto das crianças. “Lesoto tem uma das maiores proporções de órfãos no mundo”, disse o representante do Unicef nesse país, Ahmed Magan. “A situação é dramática, e neste momento o grau de privações aumenta, em lugar de melhorar”. A tríplice ameaça do HIV, a pobreza e a insegurança alimentar crescem, expondo a infância a abusos, exploração e outras violações de direitos humanos. “Se não conseguirmos reduzir a pobreza nos próximos cinco anos, veremos uma grande queda no desenvolvimento e na sobrevivência das crianças”, alertou Magan.

Em uma tentativa de aliviar a pobreza infantil, o Unicef lançou em 2008, com US$ 29,6 milhões dados pela União Europeia, um programa de subsídios para órfãos e crianças em situação vulnerável. O programa é implementado pelo Departamento de Bem-Estar Infantil do Lesoto, que destina US$ 14,8 por mês às famílias mais pobres. Até agora, 10.200 famílias recebem essa ajuda, incluindo 28 mil menores em cinco dos dez distritos do país. Em 2014, quando se esgotarem os fundos, terão sido beneficiados 75 mil crianças (representando um quinto dos menores órfãos e vulneráveis). O governo espera manter o programa por sua própria conta a partir de 2015.

Porém, muitos duvidam que este país possa continuar com o programa. “O governo tem um longo caminho pela frente”, reconhece o chefe de políticas sociais do Unicef, Mohammad Farooq. “Trata-se de manter seu gasto social, mas com a insuficiência de renda, vamos ver se poderão sustentá-lo em 2015”, acrescentou. A única forma de conseguir isto é com a ajuda adicional de doadores internacionais, como a União Europeia, que já entrega ao Lesoto US$ 134,7 milhões, afirmou.

Para meninas como Moliehi e seus irmãos, a continuidade do programa determinará seu futuro. Embora US$ 14,8 pareçam pouco, lhes permite comprar comida e ir à escola. “O subsídio é o único dinheiro que temos, e mesmo assim é difícil sobreviver”, disse a jovem. Envolverde/IPS