A presença da presidenta Dilma Rousseff em Rondônia, no canteiro de obras da hidrelétrica de Santo Antônio, para assistir ao desvio das águas do Rio Madeira, no dia 5, tem um significado importante, que certamente será lembrado pelas gerações futuras como um marco decisivo do desenvolvimento da Amazônia. De forma semelhante ao início das operações do Projeto Carajás e à determinação de construir a hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins (nos anos 80 do Século 20), a energia das usinas Santo Antônio e de sua meio-irmã Jirau será decisiva para acelerar o crescimento econômico e social naquela imensa porção do território brasileiro.
Na ocasião, ela disse que o Brasil está aproveitando o potencial hídrico da Amazônia na construção de uma matriz energética limpa, diferentemente de países mais desenvolvidos que ignoraram os riscos das fontes nuclear e térmica, com seu enorme potencial de poluição ambiental.
“Somos capazes de aproveitar todo esse potencial de nossos rios e ainda demonstrar que temos plena consciência de que o fazemos aumentando a proteção ao meio ambiente. Por quê? Porque se não usarmos a energia limpa das hidrelétricas, vamos colocar em seu lugar a energia nuclear e outras fontes térmicas, que podem ser o diesel ou demais derivados do petróleo, que poluem de forma insuportável a natureza e colocam em risco a própria vida das populações.”
É interessante lembrar que a presidenta fez essa veemente defesa da adequação da matriz energética brasileira ao desejo da preservação ambiental cinco dias após sua eminente colega Angela Merkel, chefe do governo da Alemanha, ter tomado a difícil decisão de desativar nada menos que oito das 17 usinas nucleares, que respondem por aproximadamente 25% da oferta da energia doméstica. Em 30 de junho, ela reuniu em seu gabinete um constrangido grupo de ministros para anunciar aos jornalistas um objetivo ainda mais radical, o de desligar outros seis reatores nucleares até 2021, o que significará praticamente encerrar a era da utilização da energia atômica pela população alemã.
O governo foi levado a essas decisões depois que o desastre de Fukushima colocou na rua milhares de manifestantes em 21 cidades (a maioria do eleitorado, incluídas Berlim, Munique e Hamburgo) exigindo o fim da era da energia nuclear na Alemanha. Angela Merkel explicou assim as medidas: “Nosso sistema energético tem de ser mudado fundamentalmente e isso pode ser feito. Queremos que a eletricidade do futuro seja segura e, ao mesmo tempo, confiável e econômica”.
Esses fatos acontecem no momento em que, a mais de mil quilômetros de Rondônia, às margens do Xingu, outro grande rio amazônico no Pará, está sendo montado o canteiro de obras de Belo Monte, um formidável empreendimento hidrelétrico que vem sendo cuidadosamente estudado há mais de 20 anos e ainda assim permite dúvidas de brasileiros e estimula críticas de ONGs ambientalistas, no exterior.
Não faz muito tempo visitaram a região alguns notáveis, como o cineasta James Cameron e políticos do calibre de Bill Clinton e do ex-governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger. Todos defensores intransigentes da virgindade da maior floresta tropical do planeta, orientados pelos espertos marqueteiros a condenar a construção de hidrelétricas, por permitirem a violação do hábitat. Posaram para a tevê e fotos com os chefes indígenas, com os habituais cocares, de olho nos espectadores e eleitores verdes.
Os leitores bem informados sabem que os autênticos caciques das aldeias da região não se declaram convencidos dos malefícios da usina, e a maioria prefere negociar justas compensações para seus povos. Mesmo com a cobertura interessada da mídia brasileira, foi possível perceber que Bill Clinton foi até cordato nas declarações, observando que “é preciso estudar bem os impactos ambientais antes da construção das usinas”, já o cineasta premiado foi veemente na condenação, mas deixou perceber com certa ingenuidade seu desejo de que a floresta deve ficar preservada pelo menos até que ele possa aproveitar “o cenário perfeito” para rodar seu próximo Avatar…
O detalhe picaresco ficou por conta do grandalhão californiano que, após demonstrar imensa surpresa em Manaus, pelo fato de a capital amazonense ficar cercada pela floresta virgem, agradeceu aos seus anfitriões “mexicanos” a calorosa recepção que lhe proporcionaram… Dito o que, pegou seu jatinho de volta a Sacramento para enfrentar o processo de divórcio movido por sua mulher, provavelmente, enfadada com a paranoia amazônica do ilustre consorte…
* Delfim Netto é economista, formado pela Universidade de São Paulo (USP), professor de Economia, e foi ministro de Estado e deputado federal.
** Pubicado originalmente na coluna do autor no site da revista Carta Capital.