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Energia nuclear, marginal mas estratégica para o Brasil

Vista do reator nuclear Angra 2, instalado em uma “ratoeira” entre as montanhas e o mar. Foto: Fabíola Ortiz
Vista do reator nuclear Angra 2, instalado em uma “ratoeira” entre as montanhas e o mar. Foto: Fabíola Ortiz

 

Angra dos Reis, Brasil, 17/12/2013 – O Brasil insiste em desenvolver a energia nuclear, apesar de sua contribuição para a matriz energética nacional sempre ser marginal e de seus altos custos. “O sistema elétrico necessita de uma contribuição térmica e esta é a mais limpa e segura”, disse à IPS o presidente da Eletrobras Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva. “Seria uma decisão errada descartá-la”, afirmou esse homem que dirige a empresa pública encarregada de construir e operar os reatores.

A geração termonuclear representa 3% da oferta elétrica. Mas o próprio Pinheiro reconhece que sua contribuição não deverá ir além dos 4%, pois, apesar de a demanda aumentar, o desenvolvimento hidrelétrico e as contribuições de outras fontes renováveis continuarão se expandindo na matriz energética.

Angra dos Reis, na região da Costa Verde, no Atlântico e 160 quilômetros a oeste do Rio de Janeiro, foi escolhida para a construção de Angra 1, o primeiro reator do Brasil, que começou a operar em 1985 com tecnologia norte-americana e potência de 640 megawatts (MW). Angra 2 foi erguida a partir de um acordo de transferência de tecnologia com a Alemanha e entrou em funcionamento em 2001, com potência de 1.350 MW.

O país depende da hidroeletricidade, que é a forma de geração mais barata. A contribuição nuclear é “complementar”, afirmou à IPS o superintendente de Angra 2, engenheiro Antônio Carlos Mazzaro, que há 35 anos trabalha no complexo. Angra 2 “gera 10,5 milhões de MW/hora por ano, o suficiente para atender um terço da demanda do Estado do Rio de Janeiro, ou uma população de cinco milhões de habitantes”, explicou. Angra 3 está sendo construída ao custo de US$ 6 bilhões e deverá começar a funcionar em 2018. Nela trabalham três mil operários.

A Constituição do país determina que o Estado tem o monopólio desse tipo de energia e de todo o ciclo do urânio. O Brasil, com quase 200 milhões de habitantes, iniciou as pesquisas na década de 1950, e possui a sexta maior reserva natural de urânio do mundo, com cerca de 310 mil toneladas. Contudo, estimativas indicam que poderiam ser de até 800 mil toneladas. O país aspira ser exportador de combustível nuclear e construir entre quatro e oito novas centrais até 2030. Há estudos indicando a viabilidade de 40 locais onde situá-las.

Brasília, no entanto, deu um passo atrás depois do desastre na central japonesa de Fukushima. “O plano não foi alterado, o que mudou foi a velocidade. Os governos tinham que dar uma resposta à opinião pública, e a resposta imediata do Brasil foi uma paralisação dos projetos para análise e tomada de providências”, esclareceu Pinheiro. “Apesar de estarmos em uma região muito mais favorável do que (a sísmica) Fukushima e usarmos tecnologia mais moderna, pensamos em um plano de resposta analisando todos nossos sistemas de segurança”, com investimento de US$ 128 milhões, acrescentou Pinheiro.

O premiado ecologista Vilmar Berna acredita que a Costa Verde foi uma escolha ruim. Uma sucessão de montanhas de selva que acabam abruptamente no mar, deixando espaço apenas para uma estreita faixa de praias. O solo é frágil e são constantes os deslizamentos de terra. “As três centrais se encontram em uma verdadeira “ratoeira”, pois a única estrada de acesso já fica congestionada nos feriados. Imagine se houve necessidade de evacuar a população”, pontuou Berna à IPS.

A tentativa de desenvolver a região, que vive principalmente do turismo, também foi errada, acrescentou o ecologista. Quando Angra 1 foi construída, chegaram mais de cinco mil trabalhadores. Concluída a obra, eles e suas famílias acabaram engrossando as favelas, destacou. A decisão de iniciar a indústria nuclear foi tomada em plena ditadura militar (1964-1985). “Denunciar a energia nuclear era como denunciar o governo, e isso significava prisão, tortura ou morte. Mas hoje, na democracia, esse tema deveria ser decidido em plebiscito”, ressaltou Berna.

Em janeiro, a Comissão Nacional de Energia Nuclear colocou em consulta pública o projeto que estabelece critérios e requisitos para aprovar instalações de novos reatores eletronucleares. Mas Berna e o analista político Clóvis Brigagão apontam a persistência do secretismo. Nunca foi dado à população o direito de escolher se quer esta ou aquela energia, apontou Berna. Por outro lado, a água salgada usada para resfriar os reatores é devolvida ao mar quatro graus mais quente, acrescentou.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente determinou em 2011 que essa água não deve superar os três graus em relação à temperatura natural do mar, nem ultrapassar o limite de 40 graus. A Eletronuclear respondeu à IPS dizendo que desde os anos 1980 conta com um programa para medir a cada 15 dias a temperatura em dois pontos onde são lançados efluentes no mar. Nestes anos, “a temperatura da água do mar lançada na enseada de Saco Piraquara de Fora nunca superou os 40 graus estipulados pela resolução”, diz o comunicado enviado à IPS.

Outra questão que preocupa os ecologistas é a disposição dos resíduos radioativos. Segundo a companhia, os de baixa radioatividade são armazenados em instalações do complexo em Itaorna. E os muito radioativos, como o combustível nuclear usado, estão dentro dos reatores.

No dia 2, a justiça determinou ao governo, à Comissão Nacional de Energia Nuclear e à empresa que incluam no orçamento os recursos necessários para projetar, construir e instalar depósitos finais para dispor dos resíduos radioativos de Angra. Essa resolução se deve a uma ação iniciada pelo Ministério Público em 2007, em resposta a uma demanda civil denunciando que dejetos perigosos eram armazenados em depósitos provisórios desde a década de 1980, o que constituía um risco à saúde pública.

Modelo mundial de verificação nuclear

Brasil e Argentina desenvolveram uma experiência que chama a atenção em todo o mundo, disse à IPS o coordenador do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais, Clóvis Brigagão. Os dois países construíram uma diplomacia nuclear com fins pacíficos ao criarem, em 1991, a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares, que verifica suas atividades atômicas civis e militares.

“É a única agência regional do mundo. Funciona como um mecanismo de não proliferação e de desarmamento. Este sistema é muito sui generis e moderno”, explicou Brigagão. Brasil e Argentina estudam desenvolver uma empresa binacional de enriquecimento de urânio para exportação. “Imagine se Índia e Paquistão fizessem o mesmo. Ou Coreia do Norte e Coreia do Sul, ou mesmo Irã e Israel”, enfatizou. Envolverde/IPS