Por Washington Novaes –
Demorou, mas aconteceu: também a energia nuclear no Brasil chegou ao centro do noticiário sobre escândalos de corrupção em projetos públicos (Lava Jato e outros): o empresário Ricardo Pessoa, da empreiteira UTC, diz que pagou R$ 1 milhão em propinas para que órgãos fiscalizadores liberassem licitação para obras na área da usina Angra III (Folha de S.Paulo, 27/6). Outro empresário, Dalton Avancini, da Camargo Corrêa, admitiu que a Odebrecht e a Andrade Gutierrez “pagaram propina” ao PMDB para aprovação do projeto da usina Angra II, num contrato de R$ 18 bilhões.
Tudo acontece na hora em que o ministro de Minas e Energia afirma (27/5) que estão previstas mais quatro usinas nucleares para o País nos próximos anos, em lugares que já estão escolhidos entre os 21 analisados. E em 30 de dezembro do ano passado este jornal noticiou que o BNDES autorizara recursos de R$ 6,1 bilhões para Angra III, quase 60% dos financiamentos necessários.
E assim temos ido, mesmo quando até um engenheiro em segurança de usinas nucleares, da própria Comissão Nacional de Energia Nuclear – Sidney Luiz Rabello –, já vinha advertindo desde 2009 (Eco 21, dezembro de 2009) que “Angra III já nasce obsoleta”, com engenharia de segurança que não contempla os princípios mais modernos, formulados após desastres como os de Three Mile Island e Chernobyl – além de situar-se ao lado de Angra I e II, construídas anteriormente às novas questões.
Tudo parece temerário, quando em toda parte se questiona não haver sido ainda encontrado projeto adequado para a área dos resíduos nucleares das usinas, altamente radiativos e muito perigosos para seres humanos. Os Estados Unidos, por exemplo, têm mais de 400 usinas nucleares, mas não têm depósito adequado para seus resíduos. Há mais de uma década, começou a instalar no Estado de Nevada um depósito sob a Yucca Mountain, 300 metros abaixo do nível do solo. Os protestos e advertências foram muitos – de cientistas, que lembravam tratar-se de região sujeita a frequentes abalos sísmicos; de índios, inconformados com a ocupação de área de encontro “entre os grandes espíritos”; de cidadãos moradores das proximidades.
Já foi contado neste espaço que o autor destas linhas, quando gravava cenas para um documentário da TV Cultura de São Paulo, desceu às funduras daquela montanha, acompanhado de um diretor do Departamento de Energia dos EUA, para conhecer as obras em construção. À saída, numa entrevista gravada, foi perguntado ao diretor se não seria temerário ignorar os alertas dos cientistas sobre a possibilidade de um abalo mais forte. Ele respondeu que já tinha havido ali abalo de 5.3 graus e nada acontecera. E se houvesse um abalo mais forte, quem garantiria? “Ele”, foi a resposta do diretor, apontando com o indicador para o céu. O fato é que esse projeto foi paralisado e abandonado alguns anos mais tarde, depois de haverem sido ali aplicados US$ 12 bilhões do Tesouro norte-americano.
Por aqui ninguém se tem comovido com as muitas advertências. Angra III, ao lado de Angra I e II, certamente seguirá o mesmo caminho – depositar os resíduos radiativos em piscinas dentro das próprias usinas –, embora a Justiça esteja questionando esse caminho e exigindo um depósito definitivo, que tem custo de R$ 577 milhões.
Qual seria uma possível solução? Na área onde aconteceu o grave acidente na usina de Chernobyl, cerca de 6 milhões de pessoas continuam vivendo em áreas contaminadas. O “descomissionamento” da usina de Sellafield irá neste ano para mais de 53 bilhões de libras (mais de R$ 250 bilhões).
Nada parecer abalar as velhas convicções. Prevalecem razões econômicas. E por isso a Agência Internacional de Energia tem projetado forte crescimento do uso da energia nuclear, principalmente na China, na Índia e na Coreia do Sul. Há cinco anos a demanda já estava acima de 500 gigawatts. Defensores desse caminho costumam recorrer a estudos da ONU e do Banco Mundial, apontando para a necessidade de atender imediatamente a 1,1 bilhão de pessoas no mundo que ainda não dispõem de energia elétrica – embora os dois órgãos enfatizem que é preciso recorrer a outros caminhos para suprir a carência, principalmente a descentralização da geração de energia: em lugar de grandes geradoras, mini-hidrelétricas, sistemas solares domésticos, geração localizada (o Brasil mesmo já está instalando no Paraná e em outros Estados, até no Uruguai, minigeradoras de energia mais barata para consumo local, a partir do biogás extraído de resíduos de rebanhos e outros). Pelos cálculos da ONU e do Bird, o custo total do atendimento à demanda das pessoas sem energia seria de US$ 48 bilhões por ano, quase US$ 1 trilhão em 20 anos. Mas que significaria isso diante dos trilhões de dólares de subsídios anuais ao uso de combustíveis fósseis, como petróleo, gás natural e carvão mineral?
Não há indícios de que por aqui se possam antever mudanças significativas, adequadas, para a nossa matriz energética – a ponto de o Ministério de Minas e Energia dizer que o País “precisa dar prioridade a usinas térmicas para reduzir o custo da energia” (27/5), quando ela tem custado o triplo do preço da energia de hidrelétricas. E a meta do governo para este ano é “adicionar à matriz energética uma geração de 6.400 megawatts com novas usinas”. Nas linhas de transmissão a meta “é construir 7.120 quilômetros este ano” (há usinas já prontas, mas sem linhas para transmitir a energia). E o ministro ponderou que, “para reduzir o custo de geração e superar os desafios atuais, com a crise, o setor precisa vencer preconceitos e investir em usinas térmicas mais baratas, a partir de gás natural, carvão e energia nuclear”.
Também citou a energia eólica e a energia solar e disse que Angra III será o último empreendimento na área nuclear como obra pública.
Precisamos de um debate esclarecedor nessa área, entre governo e cientistas. (O Estado de S. Paulo)
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.