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Enquanto Washington pensa, Bruxelas negocia com Cuba

Christian Leffler (centro), diretor-geral para a América do Serviço Europeu de Ação Exterior da União Europeia, na entrevista coletiva realizada em Havana, no dia 30 de abril. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Christian Leffler (centro), diretor-geral para a América do Serviço Europeu de Ação Exterior da União Europeia, na entrevista coletiva realizada em Havana, no dia 30 de abril. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 15/5/2010 – A decisão da União Europeia (UE) de relançar suas relações com Cuba dá mostras de um pragmatismo que deixa ainda mais exposta a política de embargo e isolamento dos Estados Unidos contra esse país caribenho. Ao fim de um encontro de dois dias, no dia 30, representantes do bloco comunitário e de Havana consideraram positiva sua primeira rodada de conversações, na qual acordaram um mapa do caminho para um processo que deve culminar em um acordo marco de colaboração.

“Houve um claro interesse das duas partes para chegar a uma rápida compreensão comum sobre as bases dessa negociação”, disse à imprensa o negociador da UE, Christian Leffler. Um comunicado cubano afirmou que os intercâmbios se desenvolveram de maneira “construtiva e positiva” e continuarão em Bruxelas. O interesse da UE apoia as transformações que Cuba iniciou em 2008 e que, para os europeus, são mais amplas do que as determinadas na reforma econômica.

Para o bloco de 28 países, são importantes a moratória da pena de morte, a abertura ao trabalho privado e a restituição à população dos direitos de viagem e propriedade de moradias e veículos. Não menos relevante para os olhos europeus é o acordo de 2011 do sexto congresso do Partido Comunista de Cuba, de limitar a dois períodos consecutivos a permanência nos principais cargos estatais e governamentais. A decisão inclui o presidente Raúl Castro, que terminará seu segundo e último mandato em 2018.

“Falo de mudanças em termos gerais. Para mim há mais mudanças em nível nacional do que a atualização econômica. É um assunto cubano que estamos prontos para acompanhar”, pontuou Leffler. A Lei de Investimentos Estrangeiros, que entrará em vigor em julho, abre tanto para Cuba quanto para a União Europeia novas oportunidades, acrescentou.

A Espanha encabeça o intercâmbio comercial europeu com Havana, com mais de US$ 1,156 bilhão em 2012. Mas foi justamente um governo conservador espanhol, o de José María Aznar (1996-2004), o artífice da chamada Posição Comum que a UE adotou em 1996 e que constitui para Cuba uma ingerência em seus assuntos internos. Esse assunto esteve sobre a mesa nesta primeira rodada de conversações. A uma pergunta da IPS, Leffler, de nacionalidade sueca, também esclareceu que a União Europeia não apresentou condicionamentos políticos.

“Se queremos negociar um acordo, não é muito construtivo chegar com um ponto inicial de condições e imposições”, afirmou Leffler. Os desacordos entre Bruxelas e Havana em matéria de liberdades fundamentais se tornaram críticos em 2003, devido à detenção e severas condenações impostas por Cuba a 75 opositores políticos. Mas em 2008 a calma voltou, e a UE e Cuba acordaram reiniciar o diálogo político. Em fevereiro deste ano decidiram iniciar negociações para um acordo de cooperação.

“Todos os prisioneiros da primavera de 2003 foram libertados, a reforma migratória aconteceu e a economia cubana avança para um sistema misto com um importante componente não estatal. Internacionalmente, Cuba presidiu com êxito durante 2013 a reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos”, resumiu à IPS o acadêmico cubano Arturo López-Levy.

Esse especialista político radicado nos Estados Unidos menciona também como ponto favorável o papel de Havana nas negociações para “encerrar o conflito civil colombiano”, realizadas na capital cubana por delegações das esquerdistas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e do governo desse país.

Em sua opinião, a negociação do acordo de cooperação e o diálogo com a UE serve às prioridades no longo prazo da política externa cubana, na busca por maior autonomia por meio da diversificação de sócios. “Cuba conseguiu avanços em suas relações com México, Rússia e particularmente Brasil e China, que lhe deram poder de negociação frente à Europa”, afirmou.

Apesar das desavenças, a UE vota a favor da resolução que Cuba apresenta a cada ano na Organização das Nações Unidas (ONU) para exigir o fim do bloqueio econômico e comercial que os Estados Unidos lhe impõem desde a década de 1960, uma política restritiva que impede os cidadãos desse país de viajarem livremente e negociarem com Havana.

Paradoxalmente, esse embargo concede vantagens ao empresariado europeu, interessado em aproveitar as possibilidades da nova legislação para atrair capital fresco e investir na Zona Especial de Desenvolvimento de Muriel, uma zona franca que Cuba constrói com um milionário aporte financeiro do Brasil e que fica 45 quilômetros a oeste de Havana.

Esse megaprojeto está destinado a ser um pivô do desenvolvimento cubano pela localização geográfica de seu porto, remodelado para receber navios de grande porte. A obra inclui áreas para impulsionar investimentos em biotecnologia e farmacêutica, energias renováveis e indústrias agroalimentares, turística e imobiliária, entre outras.

“A reforma ‘raulista’ começou a abrir o apetite empresarial norte-americano, inclusive dos cubanos ricos residentes nos Estados Unidos”, apontou López-Levy. É mais provável “um cenário no qual Washington substitua a atual política de isolamento por outra mais afim aos seus valores democráticos, interesses econômicos e estratégicos”, opinou.

“A Europa tem um tempo limitado para se posicionar em Cuba antes da arrancada empresarial norte-americana. Estrategicamente, Bruxelas tem também tempo limitado para aproveitar a posição privilegiada que lhe dão as circunstâncias nas quais os Estados Unidos restringem suas próprias empresas de competirem pelo mercado cubano”, acrescentou.

Talvez esse momento não esteja tão longe. Uma pesquisa de opinião divulgada em Washington em fevereiro mostra um apoio de 56% dos adultos norte-americanos ouvidos em todo o país ao reinício de relações ou a uma aproximação mais clara com Havana, e uma oposição de apenas 35%. O resultado importante dessa pesquisa é que uma maioria mais ampla (63%) no Estado da Flórida apoia o reinício de relações e um compromisso maior. Ali vive a mais numerosa comunidade cubano-norte-americana, incluindo vários dos mais firmes inimigos de Castro no Congresso.

Para Ramón Sánchez-Parodi Montoto, ex-diplomata cubano especialista nas relações com os Estados Unidos, não haverá mudanças no governo de Barack Obama. Em sua opinião, se não for na administração que o sucederá, na seguinte “deverá haver uma decisão substancial para a normalização das relações com Cuba”. Envolverde/IPS