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Entra em vigor histórico Tratado sobre Comércio de Armas

Um soldado junto a armas apreendidas com quatro supostos membros do Al Shabaab, grupo insurgente islâmico, em Mogadíscio, na Somália. Os combatentes têm em seu poder uma granada lançada por foguete, duas submetralhadoras e 84 cintos de munições. Foto: Stuart Price/ONU
Um soldado junto a armas apreendidas com quatro supostos membros do Al Shabaab, grupo insurgente islâmico, em Mogadíscio, na Somália. Os combatentes têm em seu poder uma granada lançada por foguete, duas submetralhadoras e 84 cintos de munições. Foto: Stuart Price/ONU

 

Nações Unidas, 7/1/2015 – O Tratado sobre Comércio de Armas (TCA), que acaba de entrar em vigor, representa um momento histórico nos esforços mundiais para limitar a proliferação das armas. O tratado tornou-se efetivo no dia 24 de dezembro, quando atingiu 61 ratificações e 130 assinaturas.

Nounou Booto Meeti, diretora de programas do britânico Centro para a Paz, a Segurança e a Prevenção da Violência Armada, disse à IPS que em seu país, a República Democrática do Congo (RDC), o comércio de armas sem controle contribuiu para a violação dos direitos humanos, entre eles a violação sexual e o recrutamento de crianças para o combate.

Meeti militou ativamente pelo TCA e defendeu a inclusão no tratado de um critério de violência baseado no gênero. Este critério é especialmente importante para países como a RDC, onde a violação e a escravidão sexual são sistematicamente usadas para aterrorizar as aldeias. Ela destacou que a violência de gênero afeta mulheres, homens, meninos e meninas. Quando uma aldeia é atacada na RDC, frequentemente os homens são assassinados para que as mulheres sobreviventes não possam se defender, explicou.

O TCA, se aplicado adequadamente, obrigará os Estados vendedores de armas a considerarem não só se as armas são destinadas a um país onde existem violações sistemáticas dos direitos humanos, incluída a violência de gênero, mas também a probabilidade de as mesmas acabarem ali por intermédio de um terceiro país.

Os países devem fazer todo o possível para colocar o TCA em prática, “para podermos ver a redução da violência armada, dos conflitos armados e o fim da violência de gênero”, ressaltou Meeti. Segundo a ativista, demorou muito para se chegar a este ponto porque há inúmeros interesses no comércio mundial de armas, uma indústria que ganha milhares de milhões de dólares, principalmente para um pequeno grupo de países produtores.

A transparência dentro do TCA influirá na redução dos gastos militares e favorecerá o desenvolvimento”, opinou Meeti, acrescentando que a proliferação de armas em países como a RDC e o livre fluxo destas para “mãos erradas” continuam devido à falta quase absoluta de regulamentação internacional de seu comércio internacional. Segundo a Anistia Internacional, há mais leis internacionais que regulam o comércio de bananas do que o de armas.

Meeti pontuou que sua organização demonstrou que o arsenal estatal da RDC estava praticamente sem fiscalização, fazendo com que as armas facilmente acabem em mãos erradas. A porosidade das fronteiras implica que estas poderiam ingressar vindas de qualquer dos nove países vizinhos. Os atores não estatais também têm acesso sem controle às armas, financiado pela vasta riqueza em recursos naturais desse país da África central e pelos atores internacionais interessados em explorá-los.

Allison Pytlak, da organização Armas Sob Controle, apontou à IPS que o TCA tem a ver com “introduzir a responsabilidade no comércio das armas, não em procurar deter seu comércio”. O tratado também solicita “a todas as partes envolvidas, especialmente os traficantes de armas, que pensem duas vezes sobre para onde enviam suas armas”, acrescentou. O TCA pretende solucionar problemas como os Estados que recebem armas depois que deixaram de atuar de maneira responsável.

“A Síria é um bom exemplo. Vimos o governo sírio fazer coisas horríveis contra seus próprios civis, e as armas continuam chegando a esse país, especialmente da Rússia. Este é um caso moderno perfeito do que o TCA poderia impedir se os dois países fossem parte do tratado”, destacou Pytlak. Com frequência, as armas acabam em mãos erradas “por desvios, funcionários corruptos e roubo das reservas estatais inseguras”, disse, acrescentando que “uma grande quantidade de armas começa no mercado legal e depois acaba no ilegal”.

O TCA inclui desde armas pequenas e leves até navios de guerra, tanques de combate, veículos blindados, sistemas de artilharia de grosso calibre, aviões de combate, helicópteros de ataque, mísseis e lança-mísseis. Também trata de munições e suas partes e componentes. Anualmente são produzidos milhões de novas armas e 12 bilhões de balas. Atualmente existem mais de 800 milhões de armas no mundo.

A entrada em vigor do TCA no dia 24 de dezembro, com 61 ratificações e 130 assinaturas, é um passo pequeno, embora notável, na direção certa. A cada dia morrem duas mil pessoas devido à violência armada, o que alimenta a crise mundial dos refugiados. Mais de 26 milhões de pessoas em todo o mundo são refugiados por causa desses conflitos.

Os países afetados pelas armas são, em sua maioria, os de menor renda e podem ter dificuldades para implantar o tratado. Segundo Pytlak, uma opção que se estuda é a possibilidade de se utilizar a assistência oficial para o desenvolvimento para ajudar os países de baixa renda com os custos da implantação do TCA.

Um novo informe da organização independente britânica Chatham House afirma que o impacto direto do comércio de armas no desenvolvimento inclui o desvio de fundos da assistência à saúde para a defesa, o aumento do desemprego e a redução das oportunidades educacionais.

Em um comunicado divulgado no dia 23 de dezembro, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, qualificou de “histórica” a adoção do TCA. “Em última instância, dá fé de nossa determinação coletiva em reduzir o sofrimento humano mediante a prevenção da transferência ou o desvio de armas para zonas afetadas por conflitos armados, violência e senhores da guerra, violadores dos direitos humanos, terroristas e organizações criminosas”, afirmou Ban. Envolverde/IPS