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Entre as coincidências e as competições

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El Hadji Diouf: a África do Sul tratará de impedir que seus sócios tenham acesso ao mercado africano.
Genebra, Suíça, 11/4/2011 – “IBAS… o que…?”, respondem muitos na capital do comércio mundial ao serem consultados sobre o fórum de diálogo Índia, Brasil, África do Sul, criado em 2003 para “contribuir para a construção de uma nova arquitetura internacional”. Na Suíça não se fala de IBAS, apesar da retórica da reunião de 8 de março em Nova Délhi, onde delegações dos três países reafirmaram seu compromisso com um “regime comercial internacional transparente, aberto e baseado no direito”. Também reclamaram uma “rápida conclusão da Rodada de Desenvolvimento de Doha com um resultado equilibrado que garanta atendimento às necessidades do Sul, e em especial dos países menos adiantados”.

“Não coordenamos nossas ações formalmente como grupo”, disse um representante de um dos países IBAS na Organização Mundial do Comércio (OMC), que pediu para não ser identificado. “Somos membros de várias coalizões e nos coordenamos de forma ad hoc”, acrescentou. Brasil, China, Índia e África do Sul integram o Grupo dos 20 sobre agricultura, ou Nama, siglas em inglês para acesso a mercados não agrícolas, além de compartilharem a maioria das questões relativas à propriedade intelectual, explicou.

O G20 é uma coalizão de nações em desenvolvimento, embora seus interesses agrícolas possam diferir. O Brasil, por exemplo, tende a ser ofensivo, enquanto a Índia adota uma postura defensiva, o que faz com que exista um forte mecanismo especial de salvaguarda que permite aos países em desenvolvimento aumentarem suas tarifas alfandegárias caso aumentem as importações ou caiam de forma abrupta os preços internacionais.

O Nama é um grupo de nações emergentes que reclama flexibilidades nas reduções alfandegárias e maior acesso ao mercado de produtos industrializados. “Na prática, Brasil e Índia conseguiram encontrar um ponto médio em matéria de acesso ao mercado, redução da ajuda doméstica que distorce o comércio e eliminação dos subsídios à exportação, embora seus interesses pareçam divergentes”, disse o diplomata.

“A Declaração de Nova Délhi de março é principalmente uma resposta às pressões dos Estados Unidos sobre iniciativas por setores nas negociações Nama”, afirmou, por sua vez, Christophe Bellmann, diretor de programa do não governamental Centro Internacional para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável, que tem sua sede em Genebra.

As atuais discrepâncias nas negociações da Rodada de Doha obedecem ao fato de os Estados Unidos pedirem aos grandes mercados emergentes uma redução drástica nas tarifas alfandegárias de todo o setor industrial, químico, de máquinas, eletrônico e de silvicultura. Brasil e China responderam que se supõe que tais iniciativas devem ser voluntárias e que assim devem permanecer.

Para o Brasil, estes setores representam um terço da sua produção industrial, e, para o segundo, mais de 55% de todas as suas importações agrícolas. Essas profundas diferenças levaram o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy a reconhecer, há cerca de duas semanas, que as negociações da Rodada de Doha “podem fracassar”.

As alianças “não são políticas nem ideológicas”, mas baseadas em interesses comerciais, e, portanto, muito instáveis, salvo o grupo africano que funciona mais sobre uma linha regional, disse Christophe. “Os países não atuam como bloco, mas de forma estratégica, por exemplo, quando pretendem aumentar seu peso nas negociações mediante alianças, no melhor dos casos, com países como China, Índia e Brasil”, afirmou à IPS.

“O IBAS é uma boa iniciativa de cooperação Sul-Sul, mas sua incidência nas negociações comerciais é limitada”, disse El Hadji Diouf, diretor-executivo da Agência Africana para o Comércio e o Desenvolvimento, organização especializada em assuntos comerciais e África. “O interesse comum do IBAS é posicionar-se como alternativa à hegemonia das potências comerciais tradicionais”, disse à IPS. “Mas estes países devem garantir seu acesso a novos mercados e, portanto, competem entre si. Podem cooperar de forma muito genuína sobre eliminação de subsídios agrícolas, mas não para apresentar uma oferta comum sobre acesso ao mercado”, ressaltou.

Tampouco têm os mesmos sócios comerciais. “O Brasil experimentou um crescimento incrível nos últimos anos e se torna cada vez mais forte. A este país interessa mais do que aos outros a conclusão da Rodada de Doha. Por outro lado, a África do Sul tem muitas relações no âmbito regional, além das que mantém com a União Europeia (UE)”, explicou El Hadji. “A África do Sul representa um bom mercado para as exportações de Brasil e Índia, e, mais, significa um ponto de entrada no continente africano por sua participação em diferentes organizações regionais”, prosseguiu.

Sobre as possíveis consequências da cooperação IBAS nos países menos adiantados, Christophe explicou que os requisitos da OMC que se aplicam à África do Sul não funcionam para esses Estados, pois não têm de abrir seus mercados à agricultura, à Nama e nem aos serviços. “Buscamos a forma de implementar o acesso aos mercados livre de impostos e sem cotas para os países menos adiantados”, disse o diplomata que não quis ter sua identidade revelada. “Brasil e Índia avançam neste sentido”, acrescentou.

O mandato de Doha pede às nações em desenvolvimento que possam fazê-lo que abram seus mercados aos produtos dos países menos avançados, mas sem fixar um objetivo específico como têm as nações industrializadas, de 97%. “Porém, a África do Sul, por sua posição geográfica, pode tentar e conseguir acesso aos mercados dos países africanos menos adiantados, ao contrário de seus sócios no IBAS”, destacou El Hadji.

“O IBAS não exclui a competição. Os sul-africanos, por exemplo, não promovem a liberalização comercial entre seus sócios africanos e a UE em setores como o de serviços para não precisar compartilhar um mercado regional no qual já colocou sua mão. É uma luta preventiva por motivos comerciais que pode aparecer entre os sócios do IBAS”, acrescentou El Hadji. Envolverde/IPS