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Entre sair e não sair do Afeganistão

Traslado do corpo do cabo canadense Byron Greff, que servia como instrutor e assessor de missão no Afeganistão, morto em outubro de 2011 em um ataque Talibã. Foto: U.S. Air Force/Kat Lynn Justen
Traslado do corpo do cabo canadense Byron Greff, que servia como instrutor e assessor de missão no Afeganistão, morto em outubro de 2011 em um ataque Talibã. Foto: U.S. Air Force/Kat Lynn Justen

 

Toronto, Canadá, 24/7/2013 – Alguns países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), como o Canadá, continuarão sustentando a ocupação militar no Afeganistão devido à persistente debilidade de Cabul. Apesar de Ottawa ter anunciado para 2014 a retirada de cerca de 900 soldados canadenses que treinavam as forças de segurança afegãs, numerosos especialistas preveem que sua colaboração com a Otan continuará além dessa data.

Os Estados Unidos preveem retirar no próximo ano a maioria de suas forças, embora deixando cerca de nove mil soldados para treinamento e outro tipo de assistência ao exército afegão, disse o canadense Graeme Smith, analista do Grupo Internacional de Crise, residente em Cabul. Smith foi correspondente do jornal canadense Globe and Mail e é autor do livro The Dogs Are Eating Them Now: Our War in Afghanistan (Os Cães Estão Comendo-os Agora: Nossa Guerra no Afeganistão), que será publicado em setembro. “Os norte-americanos não explicitaram seu compromisso, e os demais países da Otan esperam (antes de anunciar sua contribuição). Haverá pressão sobre o Canadá para que tenha algo” disponível, explicou à IPS.

O Canadá retirou formalmente em 2011 seus 2,5 mil soldados da província de Kandahar, após dez anos colaborando com a missão da Otan liderada pelos Estados Unidos. Mas não conseguiu romper seus vínculos com Cabul porque, segundo coincidem numerosos especialistas, o governo afegão não sobreviveria à retirada total das tropas estrangeiras. As forças de segurança do Afeganistão são muito dependentes dos Estados Unidos e da Otan, especialmente para apoio logístico e capacidade aérea.

O que mantém os Estados Unidos no Afeganistão é o pesadelo de que a história se repita, apontou o professor Anatol Lieven, do King’s College de Londres, se referindo à queda de Saigon, que marcou o fim da Guerra do Vietnã. Em 1975, Washington evacuou o pessoal diplomático e centenas de milhares de seus soldados da capital do Vietnã do Sul, Saigon, o que permitiu sua ocupação pelo exército do Vietnã do Norte. A guerra terminou e o Vietnã se unificou sob um regime comunista.

“O dilema é como equilibrar o desejo de sair do Afeganistão com o profundo temor, especialmente do exército norte-americano, de sofrer uma óbvia e humilhante derrota se cair o governo afegão”, explicou Lieven. Os Estados Unidos estão indecisos por suas próprias dificuldades orçamentárias e pelo desconfiado governo afegão, que expressou sua rejeição quando o governo de Barack Obama tentou dialogar com os rebeldes do Talibã, contou Mark Sedra, presidente do Grupo de Governança para a Segurança e especialista político da Universidade de Waterloo, de Ontário, Canadá.

Um informe do norte-americano Escritório de Supervisão do Governo intitulado Afeganistão, Assuntos Fundamentais Descuidados, indica que Washington e a Otan não fornecem fundos suficientes para manter as forças de segurança afegãs por um período prolongado. O dinheiro dos contribuintes não basta para que o Afeganistão pague e mantenha seus efetivos, que agora chegam a 350 mil. Esse país depende do subsídio dos Estados Unidos em US$ 4 bilhões ao ano, detalhou Sedra. Mas esse desembolso, provavelmente, não basta para custear a proteção necessária do governo do Afeganistão e de sua população, prosseguiu.

“A realidade é que o tamanho atual das forças de segurança afegãs é totalmente insustentável. A menos que os subsídios continuem fluindo por tempo indeterminado, há grandes possibilidades de entrarem em crise, ou mesmo em colapso”, acrescentou Sedra à IPS. Entre os cenários possíveis, ele assinala os islâmicos voltando ao poder ou que surjam novos conflitos entre os senhores da guerra da Aliança do Norte, que lutou contra o regime do Talibã (1996-2001) e deu seu apoio para que Hamid Karzai assumisse como presidente no final de 2001.

No entanto, o maior desafio para as forças de segurança afegãs não é melhorar sua capacidade de combate nem garantir o salário de seus efetivos, mas acabar com a fragilidade de sua logística e do governo civil, especialmente do Ministério da Defesa, opinou David Perry, analista do Instituto da Conferência de Associações de Defesa, com sede em Ottawa. Levará toda uma “geração” resolver estes assuntos, alertou.

“Os afegãos carecem de todas as questões institucionais necessárias para gerir um exército: linhas de fornecimento, uma sede, funções de planejamento, esse tipo de coisas, porque não saiu de uma etapa de preparação. Necessitam unidades que se encarreguem da gestão. O Ministério da Defesa deve ser mais competente em matéria de gestão”, afirmou Perry à IPS. Outro motivo de preocupação é que o custo das forças de segurança prejudique outras áreas, como saúde e educação, nas quais países da Otan, como o Canadá, investiram somas consideráveis, pontuou o legislador canadense de oposição Matthew Kellway, especialista em fornecimentos de defesa de seu Novo Partido Democrático.

“Muitos países se voltaram a construir instituições da sociedade civil e de governo no Afeganistão. Há uma grande interrogação sobre como o Estado afegão investirá em educação, saúde, etc., ao mesmo tempo em que mantém as forças de segurança”, disse Kellway à IPS. O governo canadense investiu entre US$ 13 bilhões e US$ 18 bilhões, dos quais US$ 9 bilhões foram destinados à defesa e o restante à assistência ao desenvolvimento, segundo estimativas oficiais.

Michael Skinner, pesquisador universitário e doutorando, disse que os planejadores de estratégias geopolíticas de Washington querem se aproveitar do Afeganistão, desde a década de 1990, por sua riqueza mineral (especialmente cobre e ferro) e sua localização geográfica, no centro do continente euro-asiático. Chamada de “nova rota da seda”, a estratégia objetiva destinar milhares de milhões de dólares ao desenvolvimento de infraestrutura: estradas, ferrovias, rede elétrica e cabos de fibra ótica.

Alguns objetivos, segundo Skinner, são “a transmissão de eletricidade da Ásia central para Paquistão e Índia, transporte de gás e petróleo do Irã e da região do Mar Cáspio para China, Paquistão e Índia, colocação de cabos de fibra ótica da Índia à Rússia e da China à Europa, e melhorias na ligação viária e ferroviária entre Índia e Rússia, e China e Europa”. Conscientes do grande potencial, o Banco Asiático de Desenvolvimento investiu US$ 17 bilhões em sete mil quilômetros de estradas e ferrovias no Afeganistão.

“Do meu ponto de vista, a preocupação do governo afegão responde mais a um interesse maior, o de proteger investidores ocidentais, do que a conseguir a governança”, ressaltou Skinner. Definitivamente, não será suficiente as forças de segurança afegãs protegerem as vias férreas, ou as redes elétricas, dos ataques do Talibã para beneficiar os investidores. Ironicamente, até as companhias chinesas e indianas se beneficiariam com a permanência da Otan no país.

É preferível, disse Skinner à IPS, que o Ocidente chegue a algum tipo de acordo de paz com o movimento islâmico. A incerteza em torno do papel futuro dos Estados Unidos põe em dúvida grande parte desse planejamento. “Há uma tendência a considerar onde entra o fator petróleo e recursos naturais. Mas não estou certo de que neste caso seja um elemento que baste para que Estados Unidos e Otan continuem investindo sangue e dinheiro no Afeganistão”, enfatizou. Envolverde/IPS