Entrevista: Na base do diálogo!

  por Elisa Homem de Mello – Na visão de Pedro Sirgado, Presidente do Instituto EDP (IEDP), algumas empresas já descobriram que, para garantir a perenidade do negócio, sua razão de ser precisa ir além do lucro, que, naturalmente, é imprescindível.

Atualizado em 02/06/2015 às 12:06, por Ana Maria.

Pedro Sirgado durante VI Diálogos EDP. Vitória/ES Mar2015.
Foto: Elisa Homem de Mello

 

por Elisa Homem de Mello –

Na visão de Pedro Sirgado, Presidente do Instituto EDP (IEDP), algumas empresas já descobriram que, para garantir a perenidade do negócio, sua razão de ser precisa ir além do lucro, que, naturalmente, é imprescindível. Diante disso, ele destaca conceitos-chave para as empresas no futuro próximo: o diálogo, a interdependência, o capitalismo consciente e a relação ganha-ganha.

Nascido em Portugal, Pedro Sirgado falou sobre o comprometimento da União Européia (UE) de reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 40% até 2030, em relação aos níveis de 1990. Até agora, apenas os europeus tinham apresentado uma meta entre as grandes potências. No último dia 31 de março, porém, os Estados Unidos (EUA) se comprometeram a reduzir, num período de 10 anos, entre 26% e 28% as emissões, em relação aos níveis de 2005.

Pedro falou à Envolverde sobre estes grandes desafios de nossa sociedade e colocou-os como globais e transversais, e portanto, interdependentes.

“Se os problemas se originam e se desenvolvem num contexto de interdependência, é de se esperar o mesmo das soluções. A questão é que, na prática não é isso que vemos. A colaboração ainda não supera os interesses particulares. Certamente, o futuro que se avizinha para as empresas mais bem-sucedidas será o de que melhor se desenvolverão aquelas que priorizarem modelos como os de colaboração, aquelas que virem em seus diferentes stakeholders verdadeiros parceiros”, colocou Sirgado.

Para ele, trata-se na verdade, de compreender que, na vida real, boas estratégias de colaboração podem conduzir a situações em que todos ganham. “Portanto, o capitalismo pode e deve ser consciente. Precisamos assumir o compromisso de transformar essa premissa em realidade. Só assim poderemos vislumbrar um futuro próspero e saudável para nossa sociedade”, prevê.

Alinhada a esta meta, a EDP parte do pressuposto de que a transformação começa pelo diálogo. Nosso papo descontraído com Pedro Sirgado, você acompanha abaixo, na íntegra.

O conceito de interdependência

O climatologista Carlos Nobre afirma que o processo produtivo que provê à humanidade meios de subsistência com qualidade, traz cada vez mais uma menor dependência do trabalho humano. Como trazer mais equidade nestes modelos globais/regionais, trabalho humano/desenvolvimento tecnológico, se abordarmos também ética? A interdependência seria, então, uma palavra chave para estimular e ampliar a reflexão sobre grandes questões do mundo contemporâneo nas diversas áreas do conhecimento e do comportamento no século XXI?

Vejo uma tendência cultural ou histórica de achar que nas relações, para alguém ganhar, alguém tem que perder. A interdependência está relacionada com a noção do ganha-ganha. Hoje em dia, as relações, sejam de quais níveis forem, que não se pautem pelos moldes ganha-ganha não são sustentáveis no tempo. Para isso não ocorrer, alguém tem de estar disponível a ganhar um pouco menos pois assim teremos um equilíbrio. Isto tem a ver com o movimento do capitalismo consciente, sobre o qual a EDP acredita fazer muito sentido. Não me oponho àquilo que era o capitalismo selvagem, afinal ele permitiu a sociedade evoluir como um todo. Por exemplo, a esperança média de vida deu um salto gigante. Mas os efeitos colaterais foram grandes também, principalmente em relação às assimetrias e desigualdades. O Capitalismo Consciente nasceu nos EUA, pelas mãos do presidente de uma das duzentas maiores empresas do mundo, portanto não se trata de um movimento marginal.

Como gestor, trabalho com este fenômeno e afirmo que temos dificuldades para adquirir novos talentos. Se eu quero colaboradores bons, tenho que os atrair, tenho que criar condições para que eles fiquem aqui. Esta também é uma questão de interdependência, ou seja, uma relação ganha-ganha. No fundo, estamos falando sobre sair de um espirito competitivo para entrarmos num espirito colaborativo.

A responsabilidade e a ética seriam, neste caso, uma questão de valores nas gerações futuras? Os jovens serão tolerantes com os desequilíbrios que nossa geração e anteriores impuseram?

Podemos sentir nas empresas que gerações mais novas, como as que chegam na EDP e com as quais nós do Instituto trabalhamos muito, aderem mais ao voluntariado, já numa evidência de que eles não convivem tão facilmente com estas injustiças sociais que o mundo inteiro tem.

Penso que os jovens estão cada vez menos tolerantes. Aqui falou-se de causas e propósitos e o jovem de hoje tem cada vez mais causas e mais propósitos. Nós empresários temos que nos adaptar a isso usando ferramentas que proporcionem a estes jovens um espaço para eles exercitarem ou exercerem estas causas. Neste contexto, o voluntariado é um excelente instrumento.

Muitas pessoas só se movem por interesse, às vezes particulares, às vezes corporativos. A relação que temos com o trabalho, de interesse por um salário, é muito redutora. Na camada jovem, no entanto, o que se vê é uma fusão da vida pessoal com a profissional, as tecnologias estão aí para corroborar e, embora os mais velhos achem que não, enquanto os jovens trabalham e produzem, ao mesmo tempo estão conectados nas redes sociais. Então há sim uma tendência de menos tolerância ao desnecessário e mais gente ativa, trabalhando no sentido de anular ou diminuir estas discrepâncias. Isto é ótimo!

É nesta logica que nós do IEDP estamos atuando com o voluntariado. Criamos condições não para que as pessoas não trabalhem, mas para que exercitem uma causa, algo maior que simplesmente ganhar dinheiro.

E, por fim, isto tem a ver com a ética, tem a ver com se colocar no lugar do outro. Se o fornecedor entrar de alma nova na relação, ele trará ideias novas para o negocio. Sou muito otimista e acho que a ética enquanto valor terá um papel importante no futuro.

Na EDP, estamos trabalhando num projeto chamado “cultura”, liderado por nosso presidente, Miguel Setas (também vice do IEDP). O projeto passa pela construção de um propósito e temos percebido um crescente na conscientização de que, no nosso caso, acordamos todos os dias não para levar kW/h para as pessoas, mas para levar conforto, pois ninguém pode sobreviver sem eletricidade. Isto dignifica muito o trabalho. Um dos pilares fundamentais é fazer com que todos os colaboradores da EDP conheçam o propósito da empresa, que vem antes mesmo da missão de levar energia.

Os recursos naturais

Jared Diamond, em seu livro Colapso, explica que não existe apenas um motivo para algumas sociedades terem entrado em colapso. Mas TODAS elas tiveram em comum o mal uso dos recursos naturais. Na sua visão, o Brasil ainda não atingiu o ponto de equilíbrio com relação ao uso dos recursos naturais (no caso, o hídrico)?

O IEDP trabalha muito esta questão da água e o Brasil tem todas as condições para fazer tudo o que quiser, tem recursos naturais, tem pessoas capacitadas, tem profissionais gabaritados em todas as áreas, tem medicina de ponta, ciência de ponta. A questão aqui é outra: é saber se o Brasil é capaz de se mobilizar enquanto país e plano social para chegar lá.

O problema da água tem a ver com o problema da eletricidade, que , por sua vez, tem a ver com a utilização racional.É preciso consciência de que a sociedade da fartura e da abundância está se extinguindo. Cada vez mais iremos viver numa sociedade de poucos recursos no mundo. Quando os chineses começarem a consumir bens que demandam recursos, carros, computadores, mesas e sofás, enfim tudo, a pressão sobre os recursos naturais vai ser insustentável e não temos tido a noção de que os recursos são finitos, porque, infelizmente, tendemos a não atender aos alertas naturais.

O professor brasileiro Eduardo Giannetti, fala que para haver organização social, é preciso haver 3 fatores: educação, escassez e adversidade. O problema especifico do Brasil é que não havíamos tido ainda a necessidade de poupar os recursos naturais e agora estamos enfrentando racionamento e as pessoas estão se mobilizando e os resultados estão aí: o consumo de água em São Paulo, com o mesmo número de habitantes, com a mesma educação, está diminuindo. Infelizmente, foi preciso chegar onde chegamos e isto é mal. Mas, às vezes, temos de nos aproximar do precipício para irmos para o ponto de equilíbrio. De qualquer forma, não foi preciso uma geração, foram apenas dois meses! A coisa boa é que a partir daí, dá para se ver que potencial existe. Acredito que os governos têm um papel importante de sinalizar a população, já que os comportamentos humanos são influenciados pela economia. Em cima de uma necessidade, da escassez e da adversidade encontramos um eixo fundamental para estimular a educação.

Projetos patrocinados pelo IEDP

Você não acha que alguns projetos patrocinados pelo IEDP se parecem mais um modelo de assistencialismo?

Não me parece que tenhamos projetos com estas características. Procuramos dar o passo a frente sem negar o assistencialismo. De maneira efetiva, procuramos trabalhar com ONGs que consigam criar mecanismos alternativos ou complementares ao financiamento do IEDP.

Não tenho nada contra a filantropia e acredito que ela seja totalmente compatível com o lucro, porque sem lucro não há como ser filantropo. Só que geralmente a filantropia não se envolve com as causas, e o fato de estarmos aqui com as ONGs já é um sinal de que estamos um passo a frente. Fazemos o repasse do capital, fazemos um monitoramento, acompanhamos a execução das verbas de acordo com o planejado. Se as ONGs não aplicam as verbas de acordo com o planejado, tentamos ações corretivas. Mas, mais do que isso, discutimos com elas a melhor forma de fazer a intervenção social. Neste momento, a EDP está empenhada em alinhar intervenção social com o negócio da empresa, a eletricidade. Chamamos nossos clientes, as comunidades do entorno dos reservatórios onde temos nosso ativo de geração de energia, as comunidades mais carentes dos municípios onde distribuímos energia para fazerem parte da missão e do propósito de nossa empresa.

E você acredita no caminho inverso?

Acredito. Vou dar um exemplo: temos um problema muito complicado que é o furto da energia. Isso não acontece única e exclusivamente porque as pessoas são más e querem prejudicar as empresas. Isto acontece porque é uma necessidade social. Quando saímos à campo para tentar entender o por que das coisas, começamos a perceber que, se desenvolvêssemos estas comunidades, criaríamos condições de educação, saúde, de emprego e geração de renda. Hoje, os clientes se relacionam melhor conosco enquanto empresa e é isso que queremos. Aí está a relação ganha-ganha.

Outro exemplo desta relação são os bancos comunitários. Alguns passarão a ser agentes na criação de condições para que a população entenda e exerça seu direito de cidadão com relação às tarifas sociais. Muitas vezes, seja por conta da burocracia ou da falta de informação, as pessoas não exercem seus diretos. Os bancos comunitários serão agentes para criar tais condições, gerando benefício também para a EDP, já que a tarifa social baixa a conta de luz destas famílias carentes, aumentando a probabilidade de inadimplência zero.

A EDP, neste sentido, ganha com os outros e não às custas dos outros. Esta é, a meu ver, a única maneira de se garantir a continuidade dos projetos no séc. XXI.

COP 21

A reunião de Lima e depois a de Genebra trouxeram o “rascunho” do acordo climático. O texto servirá de base para um novo tratado que tentará frear o aumento da temperatura global. O que podemos esperar da COP 21?

Um novo acordo, não tenho dúvida sobre isso. Sob o ponto de vista climático, o Brasil é o único país que está permitindo que a sociedade civil, através do Itamaraty, acompanhe as negociações de muito perto. Não conheço mais nenhum caso no mundo. Há 15 dias, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil chamou à Brasília empresas, ONGs, especialistas e qualquer cidadão brasileiro interessado, para ouvir as opiniões e darem seus pareceres sobre Lima. Pude ir a Lima em condições distintas das de meus colegas não brasileiros, pois eles eram meros observadores e nós, participantes. É preciso elogiar esta inclusão da sociedade por parte do governo brasileiro.

A negociação é difícil. São quase 200 países que têm de chegar a um acordo sobre um tema que já não é mais ambiental, mas sim econômico. E sendo econômico, atravessa toda sociedade. Nunca acompanhei de perto um processo negocial tão complexo. Reconhecidamente é dos processos mais complexos que já existiu na história, inclusive das Nações Unidas. Os governos devem levar em conta que o clima é importante, mas combater a pobreza não é menos importante. Acredito que estas causas não são mutuamente exclusivas: uma economia de baixo carbono pode ser um caminho, como alguns países mostraram, de desenvolvimento econômico, crescimento, inclusão e combate a pobreza.

A questão é: qual o nível de ambição que este acordo terá e se será suficiente para reduzir as emissões a um ponto que não cause impactos irreversíveis ao planeta? Esta já é uma questão mais complexa. Acredito que será o que chamamos de “acordo possível”, embora, curiosamente, China, UE e Suíça (e mais recentemente os EUA) já tenham mandado para a ONU suas contribuições nacionalmente determinadas. Ao contrário de Kyoto, este acordo está sendo construído nos moldes “bottomup”. Tanto o que foi apresentado pela Europa quanto pelos EUA é bastante interessante, foram metas de redução bastante promissoras. Como o exemplo da UE, com uma redução de 40% até 2030 e de 80% até 2050; ou o da China, que tem se mostrado extremamente empenhada, definindo que 2030 será o pico de suas emissões. A administração Obama também fez uma boa meta, apresentando níveis entre 26 a 28% até 2030. O governo brasileiro tem estado empenhado e é ativo em suas negociações. Estou certo de que todos os países terão, se não os mesmos, níveis bem próximos de ambição. Mas tenho dificuldade de acreditar que o acordo tenha um nível de ambição suficiente para reduzir as emissões ao nível que é preciso, isto traz consequências, cria espaços e a necessidade posterior de os países terem ações e iniciativas além do acordo.

Eu gostaria que o mundo não tivesse que assistir à tantas catástrofes para que as pessoas enfim acreditassem que o clima esta mudando. Seria melhor algo mais na área do “princípio da prevenção”. Mesmo sem sabermos de fato o tamanho da culpa do homem, devemos ser prudentes. Como tudo na vida, a virtude está no meio. Precisamos de equilíbrio. (#Envolverde)


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