Em pleno ciclo de expansão da economia nacional, o tema da escassez de mão-de-obra qualificada vem sendo recorrentemente debatido. Desde o chamado milagre econômico vigente na primeira metade da década de 1970, quando a produção brasileira crescia a um ritmo superior a 7% ao ano, que a preocupação com a disponibilidade de trabalhadores qualificados não se manifestava de forma tão aguda como atualmente. Naquela oportunidade, o governo militar constituiu o Sistema Nacional de Emprego e implementou alguns programas de qualificação de trabalhadores visando a atenuar parte dos problemas de contratação patronal.
A partir da crise da dívida externa (1981-1983), contudo, a economia nacional esfriou rapidamente e a ordem de problemas se inverteu. Ou seja, a transição do quadro de escassez relativa de mão-de-obra para a presença crescente do excedente de trabalhadores, que levou ao aparecimento de medidas como o Seguro Desemprego, em 1986, e do fomento de programas de criação de postos de trabalho por meio de crédito e capacitação. Na mesma perspectiva, ganhou importância, inclusive, a implantação do receituário neoliberal de flexibilização contratual e desregulamentação do mercado de trabalho ao longo dos anos 1990. Os resultados foram pífios, com maior dimensão da informalidade, desemprego e precarização das condições e relações de trabalho.
O excesso de força de trabalho esteve tão elevado frente ao baixo dinamismo da produção, que o presidente Fernando Henrique denominou – na época – de “inempregáveis” a parcela da mão-de-obra que sobrava nas filas do desemprego. Mais cínico ainda foi o conjunto de posições de especialistas e gestores de políticas de emprego orientadas a transferir para desempregados a responsabilidade por sua própria situação, por meio da mensagem que somente a qualificação geraria ocupações. Como se sabe, as ocupações não foram geradas pelo baixo dinamismo da economia nacional e pela abertura às importações. A maior qualificação de alguns serviu, fundamentalmente, para a rotatividade dos ocupados de contida capacitação, mantida a baixa remuneração.
Atualmente, a situação do mercado de trabalho encontra-se noutro patamar. O maior ritmo de expansão econômica e as orientações da Política de Desenvolvimento Produtivo e do Plano de Aceleração do Crescimento Econômico, voltadas à ampliação dos investimentos em distintas regiões do país, propiciaram a criação de novas vagas, geralmente as assalariadas com carteira assinada. O país tem superado recordes no saldo de geração de empregos formais.
Além disso, as perspectivas próximas da realização de grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, associadas à pressão de mais investimentos derivados do segundo Plano de Aceleração Econômica, da exploração do pré-sal, entre outros, apontam para a continuidade da expansão econômica e, por consequência, para a elevação do nível de emprego nacional. Neste contexto, a problemática da qualificação da força de trabalho vem ganhando maior dimensão e conteúdo.
Sobre o tema da escassez de trabalhadores qualificados cabe diferenciar os aspectos gerais dos específicos. Atualmente, não parece verificar-se, ainda, a escassez generalizada da mão-de-obra qualificada no Brasil, mas há, de forma especial, manifestação pontual e crescente em algumas situações. Em determinadas atividades produtivas que puxam o crescimento econômico nacional, como a engenharia naval, exploração de petróleo e gás, e construção civil, por exemplo, observa-se certa escassez da força de trabalho profissional, assim como em determinadas localidades municipais e regiões do país onde ocorre forte impulso de novos investimentos como, por exemplo, em infraestrutura, logística, entre outros.
Ao mesmo tempo, percebe-se também que há problemas resultantes das exigências de contratação de trabalhadores com maior experiência profissional vis à vis à oferta da mão-de-obra assentada nas pessoas com escassa experiência profissional anterior de emprego. Ou mesmo as dificuldades da formação profissional específica no próprio local de trabalho por parte das empresas, uma vez que os investimentos empresariais na qualificação de trabalhadores são relativamente baixos, salvo a experiência das grandes empresas que operam cada vez mais por meio das chamadas universidades corporativas.
Do ponto de vista das exigências de contratação de trabalhadores de nível superior, constatam-se inadequações também do lado da oferta. Nos dias de hoje, o sistema de ensino superior – composto por duas centenas de universidades, 127 centros universitários e 2 mil faculdades e institutos de educação tecnológica – apresenta condições de acolher 3,7 milhões de alunos de graduação e 143 mil matrículas de pós-graduação (85 mil de mestrado, 8 mil de mestrado profissionalizante e 50 mil de doutorado). Isso implica menos de 14% do total do segmento etário de 18 a 24 anos matriculado no ensino superior.
Apesar dos inegáveis avanços verificados recentemente, o Brasil precisa avançar muito mais, recuperando o atraso acumulado historicamente pelo sistema educacional, especialmente no momento em que se transita para a chamada sociedade do conhecimento. Isso parece ser percebido mais rapidamente em alguns países asiáticos, como China e Vietnã, para não citar apenas as nações desenvolvidas, que contam com planejamento de médio prazo para incorporar mais de dois terços dos jovens no ensino superior. O desafio está lançado e o Brasil não pode mais se apequenar.
Além dos limites à ampliação das matrículas no ensino superior no Brasil, verificam-se problemas sérios de evasão, uma vez que, de 3,2 milhões de matrículas, menos de 25% torna-se egresso a cada ano. No caso das engenharias, a situação é mais grave, pois somente 15% dos alunos matriculados conseguem se formar em cinco anos. Com isso, a oferta já reduzida de engenheiros, entre outros de nível superior, torna-se ainda mais restrita. Urge constituir maior centralidade no plano educacional e formativo como forma de vencer o desafio potencial e efetivo da escassez de mão-de-obra qualificada no Brasil.
* Marcio Pochmann é colunista da Revista Fórum outro mundo em debate.
** Publicado originalmente na Revista Fórum, edição 97, de abril de 2011.