Por que as pessoas compram? Como elas criam relações com as marcas? Como as empresas criam vínculos com os consumidores? Como se relacionam com esses consumidores e com outros públicos de interesse?
É possível dizer não ao consumo predatório? “Não, porque predar é necessário para viver. Predação é ação de predador, destruição. Predação é um fenômeno natural de sobrevivência. E consumidor é aquele que compra para gastar em uso próprio. Também é um fenômeno natural”, afirma Ricardo Guimarães, presidente da Thymus Branding, empresa de consultoria estratégica dedicada a despertar, formatar e manter a vitalidade de marcas.
Ricardo Guimarães vem pensando nas relações de consumo há algum tempo. “Quais são as necessidades reais do ser humano? O que precisamos para viver bem? Quando a gente consome queremos satisfazer o quê? Satisfazemos necessidades ou desejos? Qual a diferença de consumo com a idade que temos?”. Para ele, consumir é um ato de identidade.
Na infância, estamos preocupados com questões físicas, com administrar funções para sobreviver. O fim da infância é marcado pela descoberta do outro. É o início da juventude, quando descobrimos que a vida com outro tem mais prazer. “Você precisa do outro e, por isso, tem conflitos de amor e ódio. Mas a gestão dessa relação é complicada, portanto precisamos de tutela, de lei, de pai, de alguém regulando tudo isso”, explica Guimarães.
Nesse processo de desenvolvimento físico, o homem ganha consciência de quem é e para que serve. Ganha maturidade, clareza do entorno, de si e do contexto em que vive. Ganha inserção social e um estado da autonomia. Não precisa mais do pai, do chefe, da lei.
Esse processo de desenvolvimento natural do ser humano não tem apenas uma maneira de ser trilhado. Sabemos que todos nascem, crescem, evoluem e um dia morrem. Mas quanto e como cada um consumiu durante sua estada na Terra varia muito.
“Se eu trato bem da minha respiração, da minha motricidade, da minha circulação, por que eu não trato bem os recursos naturais? Por que a sustentabilidade trouxe aflições? Será que é por que ela trouxe a noção de limites?”, questiona Guimarães, que também é membro do Conselho Deliberativo do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente.
O relatório Planeta Vivo 2010, da ONG WWF, mostra que a humanidade já consome 50% a mais de recursos do que a Terra consegue repor. Como limitar o consumo daqui para frente se os que viveram até agora já consumiram tanto? São as atuais e futuras gerações que terão que viver satisfazendo apenas as necessidades mais básicas, sem excessos, para arcar com o consumo excessivo dos antigos?
Assunto erótico?
Pensando assim, a sustentabilidade pode parecer um discurso muito pesado. Ricardo Guimarães acredita que é preciso erotizar a sustentabilidade. Torná-la interessante para que as pessoas queiram praticar e vejam nela a única saída para a permanência da vida no planeta.
O presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, Helio Mattar, concorda e vai além. “A sustentabilidade da vida no planeta está diretamente relacionada com nosso padrão de produção e consumo. E consumir com consciência não é não consumir, mas sim consumir de uma maneira diferente”, afirma.
O consumidor consciente sabe que cada ato do seu dia a dia impacta sua própria vida, seu entorno, a sociedade, a economia e, fundamentalmente, o planeta. E é o seu estilo de vida que vai fazer a balança pender para um mundo melhor e mais sustentável ou para o desperdício, a queda na qualidade de vida, as desigualdades sociais, o aquecimento global e o risco à continuidade da vida no planeta.
Mas será que os consumidores têm mesmo o poder de provocar mudanças na gestão da sustentabilidade das empresas? Helio Mattar acredita que sim: “com certeza os consumidores têm nas mãos o poder de mudar para melhor a sociedade em que vivemos”. São eles que podem usar critérios para escolher, por exemplo, produtos que em sua produção e transporte causaram menos impactos negativos. Quando “os consumidores vão além dos critérios de preço e escolhem comprar de uma empresa que possui mais práticas sustentáveis, quando levam em conta a cadeia produtiva dos produtos que consomem, enfim, esses consumidores que estão atentos a práticas mais sustentáveis são os consumidores do futuro”, explica. E eles não são poucos. Tem crescido cada vez mais o número de pessoas preocupadas com a qualidade de vida. E, em um mundo cada vez mais complexo e veloz, as organizações, como as pessoas, só evoluem com práticas inspiradas em sua essência.
Novos consumidores, novos gestores
O que se discute cada vez mais é que, daqui para frente, será inadmissível aceitar um modelo de desenvolvimento econômico que ignore as questões socioambientais. Nesse sentido, as empresas estão aprendendo a fazer concessões que não faziam antes e os mercados estão revendo suas lógicas de retorno sobre investimento, assumindo os custos dos serviços da natureza em suas operações. Os governos, por sua vez, estão sendo cada vez mais cobrados a regular a atividade empresarial. Este é o cenário que vem se desenhando.
Atualmente, a maioria das corporações está ciente de que, além de oferecer produtos e serviços de qualidade, contribuir para o desenvolvimento sustentável é fundamental para garantir seu espaço no mercado, hoje e no futuro. Em muitos casos, no entanto, persiste ainda uma lacuna entre o que a companhia se propõe a fazer e o que oferece de fato ao consumidor e à sociedade. Esse tipo de postura pressupõe riscos na medida em que os consumidores se mostram cada vez mais conscientes e dispostos a boicotar empresas com um comportamento destoante do conceito de sustentabilidade.
Nos últimos anos, a ética passou a ser um fator fundamental de competitividade – e é só pela prática cotidiana que ela pode ser incorporada nas relações com funcionários, parceiros de negócios e consumidores. Há um consenso entre especialistas de que nenhum código de ética se torna um forte balizador de condutas se os pontos de vista dos públicos de interesse não são devidamente ouvidos e avaliados.
Nem tudo são flores
“A dificuldade que o consumidor ainda tem é de encontrar informações suficientes para comparar e fazer suas escolhas. As informações de produtos e serviços são fragmentadas”, afirma o presidente do Instituto Akatu, Helio Mattar. Existem avanços nesse sentido. Mas precisamos de mais. “Hoje, existem ferramentas na internet em que o consumidor pode buscar informações sobre produtos e serviços. Existem os selos de certificação e outras ferramentas que mostram como o produto foi feito. Mas o consumidor que quer mesmo comparar e fazer uma escolha consciente ainda encontra dificuldades. Lamentavelmente é mais fácil dizer o que fazer do que realmente conseguir fazer”, afirma Mattar.
Para ele, alguns setores empresariais estão avançando mais que outros. “Os setores financeiro e alimentício, a meu ver, estão evoluindo na gestão da sustentabilidade. O primeiro, avaliando que tipo de financiamento vai conceder às empresas”, afirma Mattar. Nesse sentido, podem recusar financiar empresas que têm práticas que causam, por exemplo, riscos ao meio ambiente e à sociedade. Para o presidente do Akatu, “se os bancos recusarem financiar a insustentabilidade, as empresas obrigatoriamente terão que melhorar suas práticas”.
O setor alimentício é outro exemplo de avanços. “As empresas de alimentos parecem estar preocupadas com a salubridade. Não posso atestar, mas é o que tenho visto”, afirma Helio Mattar.
O que Helio Mattar ressalta é que entre cruzar os braços e esperar a mudança acontecer sozinha e fazer parte da mudança que queremos ver no mundo, devemos ficar com a segunda opção. “Digo isso para aqueles consumidores que batem na mesma tecla criticando todas as empresas. Vamos valorizar as ações positivas e criticar as negativas quando forem eticamente graves”.
O que podemos tirar de tudo isso é que a passagem da insustentabilidade para uma sociedade mais sustentável é um processo com uma série de ambiguidades. “Daqui para frente, os impactos negativos do nosso estilo de vida serão muito mais visíveis e o consumidor será cada vez mais sensível a tudo isso. Sendo assim, o consumidor será, cada vez mais, um interconectador, ou seja, estará cada vez mais bem-informado, sensibilizado e mobilizado para a ação. Será um agente de transformação”, reforça Mattar.
O que eu e você podemos fazer?
Lester R. Brown, no livro Plano B 4.0, Mobilização para salvar a civilização, conta que “as pessoas geralmente esperam que eu fale sobre mudanças no estilo de vida, reciclagem de jornais ou substituição de lâmpadas. Essas mudanças são essenciais, porém não chegam nem perto das necessidades. Precisamos mesmo é de uma reestruturação global da economia. E depressa. Isso significa nos tornarmos politicamente ativos e trabalharmos para que as mudanças aconteçam. Salvar a civilização não é um esporte para torcedores”.
Brown sugere que os consumidores se informem, leiam a respeito dos problemas. “Escolha um assunto de interesse para você, tal como a reestruturação tributária, proibição das lâmpadas ineficientes, desativação das termelétricas a carvão, ou a luta por sistemas viários adequados para pedestres e ciclistas em sua comunidade. Ou ainda se una a um grupo que esteja trabalhando para a estabilização da população mundial. O que poderá ser mais excitante e gratificante do que se envolver pessoalmente no esforço de salvar a civilização?”
Segundo Lester Brown, a antropóloga Margaret Mead nos alerta a nunca duvidar de que um pequeno grupo de cidadãos preocupados pode mudar o mundo. Nessa pegada, Brown conta a história que ouviu de um grupo de ativistas do ciclismo que usava uma camiseta onde se lia: “acabo de perder 1.600 quilos. Pergunte como”. Quando indagado, ele respondia que havia vendido seu carro. A substituição de um carro de 1.600 quilos por uma bicicleta de 10 quilos obviamente reduz o consumo de energia, mas também o uso de materiais em 99%, economizando indiretamente muito mais energia.
Mudar a dieta também pode ter um impacto positivo. “Sabemos que uma dieta rica em carnes vermelhas contribui para o aquecimento global e as consequentes mudanças climáticas”, afirma Helio Mattar. Lester Brown concorda. No livro Plano B 4.0, ele afirma que “as diferenças nas marcas deixadas no clima por uma dieta rica em carne vermelha, ou por uma dieta vegetariana, é similar àquelas entre dirigir um pesado veículo utilitário beberrão de gasolina e um eficiente veículo hídrico gasolina/elétrico. As pessoas que têm uma dieta baseada em produtos animais ricos em gordura fariam um grande favor a todos nós e à civilização, baixando um pouco na escala da cadeia alimentar”.
Finalmente, Lester Brown afirma que “a escolha é nossa – sua e minha. Podemos continuar agindo como de costume e fazer parte de uma economia que continua a destruir seus sistemas naturais de suporte, até que ela própria se destrua, ou adotamos o Plano B e nos tornamos a geração que mudou os destinos, recolocando o mundo na trilha do progresso sustentável. A escolha será feita por nossa geração, mas afetará a vida na Terra de todas as gerações futuras”.
* Conteúdo gentilmente cedido pelo SESI – Serviço Social da Indústria.
** Publicado originalmente no site Mercado Ético.