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Esmagadora vitória com alcance incerto

Partidários da LND se mobilizaram em várias partes do país. Foto: Preethi Nallu/IPS

Rangun, Birmânia, 3/4/2012 – A vitória da oposição nas eleições legislativas da Birmânia gera esperanças, dentro e fora do país, de que ocorram verdadeiras reformas democráticas. Porém, ainda falta ver o alcance do histórico resultado. As comemorações começaram ainda antes da abertura das urnas no dia 1º. O ambiente era festivo nesta cidade, antiga capital do país, e nos arredores.

Entusiasmados partidários da opositora Liga Nacional pela Democracia (LND) se manifestavam sobre caminhões, motocicletas e riquixás (carrinhos puxados por um homem), gritando lemas e cantando canções patrióticas compostas especialmente para a ocasião. “Devemos ganhar”, lia-se em suas camisetas, bandeiras e lenços, todos na cor oficial do partido: vermelha.

Foi a primeira vez, desde 1990, que as massas saíram às ruas durante eleições para expressar sua opinião política e apoiar a líder pró-democrática Aung San Suu Kyi, prêmio Nobel da Paz. Aung também ganhou de forma esmagadora as eleições presidenciais de 1990, mas acabou detida pelos militares e ficou em prisão domiciliar por mais de 14 anos.

No distrito de Kawhmu, área eleitoral de Aung, houve maciça manifestação horas antes da abertura das urnas. A própria líder uniu-se ao, em geral, pacífico povo, em meio a dezenas de milhares de partidários que saíram para recebê-la. “Eles sabem muito bem que vamos vencer, e que a LND triunfará por uma grande margem”, disse um jovem de 20 anos, estudante da Universidade de Rangun, apontando para um grupo de simpatizantes do governante Partido da União, Solidariedade e Desenvolvimento que observavam em silêncio a manifestação.

As expectativas de milhões de birmaneses em todo o país se concretizaram com os resultados preliminares: a LND ficou com entre 41 e 43 dos 45 assentos legislativos. Embora a LND já tenha anunciado sua vitória no começo da tarde do dia 1º, o governo informará os resultados oficiais somente no dia 8. A LND obteve pelo menos quatro cadeiras em Naypyidaw, atual capital do país e reduto do partido oficialista. “Não há volta para a LND”, declarou à IPS seu presidente Tin Oo.

Ainda não está claro se Aung aceitará um Ministério. Porém, além de cargos, o partido já conta com uma agenda de reformas de longo prazo. “O que vemos hoje é uma luz de democracia. Seguiremos pressionando por assuntos importantes, como o império da lei e a transparência no governo”, disse Tin Oo.

Ele também alertou que “não haverá paz” nos país sem a inclusão das minorias étnicas no processo democrático. Tin Oo destacou que os diferentes grupos étnicos deveriam ter reconhecidos “iguais direitos sob um governo federal”, e que sua educação e suas necessidades em saúde devem ser atendidas.

“Há oportunidades sem fim, mas também há importantes motivos de preocupação”, advertiu o exilado político birmanês Aung Naing Oo, codiretor do Vahu Development Institute. “O legado do regime militar ainda está presente, e alguns departamentos carecem de capacidade, enquanto outros têm interesses criados e uma cultura muito burocratizada”, afirmou.

A convicção e confiança expressas nos rostos da maioria dos birmaneses nas últimas manifestações em centros urbanos como Rangun e Mandalay eram evidência da abertura que este país vive. Mas a histórica vitória de Aung não basta por si só para provocar uma grande transformação no panorama político deste país do sudeste da Ásia. Os resultados eleitorais não se materializarão em uma mudança no equilíbrio de poder de Naypyidaw, e a área de ação de Aung estará limitada, mesmo se decidir ocupar uma cadeira no parlamento ou aceitar um cargo ministerial.

Khin Zaw Win, ex-preso político e agora diretor do Instituto Tampadipa em Rangun, prevê que o governo tentará “isolar e conter” a influência de Aung. “Se ela for suficientemente esperta, poderá formar alianças transversais com parlamentares de outros partidos. Vai precisar de um alto grau de astúcia política”, apontou o analista.

Mesmo se a LND efetivamente ocupar um importante número de cadeiras parlamentares, as leis eleitorais e de distribuição do poder na legislatura deverão ser reformadas significativamente para que surja um processo realmente democrático. Dos padrões eleitorais do país, 90% foram delineados seguindo critérios étnicos, o que derivou inevitavelmente em lealdades políticas localizadas e em fortes divisões.

A União Europeia (UE), que aliviou suas sanções contra a Birmânia este ano, anunciou que possivelmente as levantaria por completo este mês, desde que o resultado eleitoral reflita um processo “livre e justo”. Malgorzata Wasilewska, observador eleitoral da UE em Rangun, declarou a jornalistas que as eleições foram parte de uma série de “sinais extraordinários” de progresso.

No entanto, o analista Aung Naing Oo afirmou que as sanções internacionais paralisaram as classes média e baixa do país nas últimas décadas. “Atrasar indefinidamente o fim das sanções pode colocar à frente do país os mais conservadores e de linha dura do governo”, alertou. Contudo, David Mathieson, pesquisador da organização Human Rights Watch (HRW), disse que levantar as sanções imediatamente seria prematuro e irresponsável.

“Há duas razões pelas quais as sanções não devem ser levantadas já”, disse Mathieson à IPS. “A primeira é por cálculo político. As medidas punitivas não devem ser eliminadas até se ver um governo genuíno, com reformas que melhorem o respeito aos direitos humanos. O segundo ponto é que é difícil, na prática, levantá-las imediatamente”, ressaltou. Além da União Europeia, Austrália, Canadá e Estados Unidos também aplicam sanções à Birmânia. Envolverde/IPS