Espanha, reflexões sobre a corrupção e a regeneração política
Madri, Espanha, janeiro/2015 – A corrupção política e institucional, indicam as pesquisas, se converteu na principal preocupação dos espanhóis, depois do desemprego e dos dramáticos efeitos sociais da crise econômica.
Madri, Espanha, janeiro/2015 – A corrupção política e institucional, indicam as pesquisas, se converteu na principal preocupação dos espanhóis, depois do desemprego e dos dramáticos efeitos sociais da crise econômica.
Seu caráter sistêmico, como reconhece a maioria dos analistas, mas que é negado pelo primeiro-ministro, Mariano Rajoy, do direitista Partido Popular (PP), e a irritante coincidência com o empobrecimento da maioria social e o enriquecimento de uns poucos, a convertem em um fator de rejeição à política atual e às instituições, quando não de rebeldia social.
Como escreve Manuel Vicent, “é a angústia social criada pela crise, não a moral da sociedade, que nos abre os olhos diante do lixo político”.
No passado, enquanto vivíamos na grande festa da bolha irresponsável, quando foram incubados grandes escândalos que agora são julgados, às pessoas não importava muito que houvesse certa corrupção política.
Nas eleições municipais de 2011, 39% dos candidatos acusados de corrupção em toda Espanha foram reeleitos, segundo um informe da organização Politikon. Inclusive alguns notórios corruptos afirmaram que “o julgamento favorável dos eleitores” supunha uma espécie de absolvição.
Mas a indiferença diante da corrupção se transformou em intolerância quando chegou a crise e começaram a aflorar os escândalos.
Em outubro de 2004, segundo o barômetro do Centro de Pesquisas Sociais, apenas 0,6% dos entrevistados colocavam a corrupção entre suas preocupações principais; em outubro passado, segundo a mesma fonte, 42,3% a situavam em segundo lugar.
Os cidadãos acabaram colocando a corrupção em relação direta com a crise, o desperdício, o desemprego, o empobrecimento, a desigualdade e uma maneira de fazer política. Depois, muitos concluíram, esporeados pela obscena contemplação da ostentação e impunidade dos corruptos, que a torna mais irritante e provocadora, que não será possível erradicá-la sem uma profunda mudança.
Assim, não é de estranhar o êxito crescente do Podemos, o movimento-partido que propõe uma mudança radical. Criado em janeiro de 2014, uma pesquisa publicada no dia 7 de dezembro pelo jornal El País lhe atribui 25% das intenções de voto.
Os partidos, aproveitando os defeitos da lei eleitoral e certos vícios de origem, midiatizaram a vontade dos eleitores criando com isso uma crise de representação.
A legalidade se converteu em um “burladero” (barreira nas arenas para proteger o toureiro) de condutas ilegítimas e claramente imorais.
Frequentemente, a lassidão das normas, a excessiva duração dos procedimentos penais, os reduzidos prazos de prescrição e os mais variados artifícios de engenharia jurídica convertem em impunes fatos e condutas que lesam o interesse comum e são causa de escândalo público.
Com razão disse recentemente o presidente do Conselho Geral do Poder Judiciário, Carlos Lesmes, que “temos um modelo de organização criminosa que está pensado para o ladrão de galinhas, mas não para o grande fraudador, não para os casos como os que estamos vivendo agora, de tanta corrupção”.
Hoje as pessoas estão conscientes da relação entre política e corrupção. A tal ponto que um dos efeitos mais perniciosos da onipresença do fenômeno é que ocupa e condiciona o debate político, debilitando as instituições que, como o Congresso e o próprio governo, deveriam centrar sua atenção na solução dos problemas de fundo do país.
A política está bloqueada. Os acordos se tornam inviáveis porque o país se dividiu em torno de dois impulsos contrários e reativos, entre os quais estão os indignados com a “casta” e que buscam uma alternativa radical, e os que, assustados diante do que, com razão, consideram uma ameaça para seus interesses, convertem em prioritária a ofensiva contra os primeiros e tentam nos convencer de que lutam contra a corrupção.
No ponto em que estamos, a corrupção e o descrédito da classe política não tem apenas a ver com o crescimento do Podemos, mas são vistos como chagas inclusive pelo estamento empresarial, que considera o fenômeno um obstáculo para a recuperação econômica.
Assim, em uma pesquisa com 500 participantes do recente Congresso da Empresa Familiar, a valorização da situação política obteve apenas 1,08 ponto, em nove possíveis, contra 1,66 no ano passado.
A democracia não cria corruptos, mas estes acabam corrompendo a democracia, e a corrupção, então, se converte em um problema estrutural, sistêmico. Os múltiplos abscessos se convertem em gangrena e, a partir daí, para acabar com a corrupção é preciso sanear o próprio sistema.
A luta contra a corrupção só é possível, então, no contexto mais amplo da regeneração política e institucional. Assim parecem entender os que pedem regeneração e, não vendo vontade política para isso nos partidos estabelecidos, declaram a intenção de votar no Podemos.
As medidas propostas até agora pelo governo contra a corrupção, além de serem em si mesmas modestas – incluindo as do opositor Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que, embora de maneira um tanto confusa, vão além das do PP –, carecem de profundidade porque prescindem da necessária conexão entre corrupção e regeneração política.
É impossível lutar contra a corrupção com eficácia sem reformar o modelo bipartidário, introduzindo democracia interna e sem uma reforma profunda da justiça, como pedem juízes e magistrados, que garanta a independência da função judicial.
A corrupção política segue associada ao exercício do poder, seja em Andaluzia (PSOE), na Catalunha (Convergência e União), em Valencia (PP) ou no conjunto do país (PP). Por isso, a existência de instituições de controle, a divisão real de poderes e a liberdade e independência dos meios de comunicação são imprescindíveis para combatê-la.
Mesmo admitindo que mais importante do que regeneração é acabar com a pobreza e o desemprego, não vejo como se pode conseguir o segundo sem resolver o primeiro.
Está muito difundida a ideia de que a crise econômica gerou uma crise política, mas não é menos certo o contrário, de forma que estamos diante do que surgiu primeiro, o ovo ou a galinha.
Durante um tempo, na Espanha se quis enfrentar a crise econômica deixando de lado a crise política e o resultado foi nefasto. Vivemos isso agora. O mau é que o primeiro-ministro não vê assim e acredita que a apregoada recuperação econômica será o bálsamo de Ferrabrás. O resultado está à vista. Envolverde/IPS
* Guillermo Medina é jornalista e ex-deputado do extinto partido União de Centro Democrático.




