Especial - Mobilidade (in)sustentável

Estação Sé do Metrô: transitar por lá nas horas de pico é quase impossível. Foto: Divulgação/ viatrolebus
Estação Sé do Metrô: transitar por lá nas horas de pico é quase impossível. Foto: Divulgação/ viatrolebus

 

A reportagem da Envolverde conversou com três mulheres que todos os dias atravessam a cidade para ganhar a vida. São horas roubadas do sono, do trabalho, do lazer e da família. 

“Em curto prazo não vejo solução!”, constata Cleusa Rodrigues. Ela é só uma entre milhões de paulistanos que dependem do transporte público todos os dias. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)*, que avaliou a qualidade dos ônibus e do metrô na cidade de São Paulo, aponta que há muitos problemas, como superlotação, atrasos e falta de informações sobre o itinerário.

Quando a opção é pelo veículo particular, outras dificuldades surgem. O paulistano gasta, em média, 2h15 no trânsito, todos os dias. É o que aponta a sétima pesquisa sobre Mobilidade Urbana realizada pela Rede Nossa São Paulo e Ibope**.

A especulação imobiliária, o aumento populacional e a insistente ditadura do automóvel são apenas alguns nós deste emaranhado de problemas. As metrópoles sinalizam farol vermelho. A torcida é que encontremos alternativas para sair da contramão.

Do outro lado da cidade

São 4h20 e ainda está escuro. Célia Maria dos Santos, 56 anos, se prepara para levantar. Britanicamente às 5h00 ela tem de sair de casa para conseguir chegar a tempo no trabalho. Todos os dias, seu marido a leva de carro até a estação Guilhermina, da linha 3 vermelha do metrô. Se pegasse a lotação na rua paralela à sua residência, que fica na zona leste de São Paulo, ela gastaria pelo menos 20 minutos a mais, já que o transporte neste horário demora a passar e ainda vem lotado. Até as 5h10 ela tem de estar dentro do vagão.

Em meia hora, está no terminal Palmeiras-Barra Funda, da mesma linha do metrô, onde pega o trem até a estação Itapevi, da linha 8 diamante. São mais 60 minutos de viagem em um trem lotado. Depois de pegar uma van disponibilizada aos colaboradores, ela chega alguns minutos antes das 7h00 ao Hospital Geral de Itapevi (HGI).

Para trabalhar é preciso madrugar

É quinta-feira, 14 de agosto. Às 4h35, os termômetros na capital paulista registram 9ºC. Viviane Perobeli Maximo, 33 anos, acorda com o barulho estridente do despertador que insiste em interromper seu sono. Ela tem poucos minutos para se arrumar e preparar a mochila de seu filho Matheus, de quatro anos.

Às 5h00, ela, o marido e o filho, ainda sonolento, saem de carro de seu apartamento na Cohab II, no bairro Conjunto José Bonifácio, na zona leste da cidade, e seguem para a casa de seus pais no Parque Savoy City, também na zona leste. Pelo horário, eles não pegam trânsito no caminho, e em meia hora chegam ao seu destino.

Para não acordar sua mãe, Viviane entra com calma na casa e vai para o quarto no andar de cima para aproveitar o tempo que ainda resta e tirar um cochilo. Às 6h45 seu pai a chama e os dois seguem de moto até o colégio onde ela trabalha. Em 15 minutos ela está no local. Depois do abre e fecha do zíper da bolsa, do sobe e desce escada com a sacola pesada, começa mais um dia de serviço. Matheus estuda na mesma escola que a mãe exerce suas atividades. A amiga de Viviane passa na casa de seus pais minutos antes das 13hs para levá-lo.

Transporte nosso de cada dia

A semana ainda não terminou. Cleusa Rodrigues, de 47 anos, levanta às 5h40 e se prepara para mais um dia de trabalho. Já pressentindo o que a aguarda, ela dá uma geral na casa, engole o café, e sai às pressas para pegar a lotação a dois quarteirões de sua casa, na Vila São Francisco, na zona leste da cidade. Por sorte os faróis não estão quebrados e em dez minutos ela está na estação Patriarca, da linha 3 vermelha do metrô.

Dando passos longos e rápidos ela chega à plataforma e vê que é impossível entrar no trem naquela estação. Entre um empurrão e outro, as pessoas se esforçam para entrar no vagão e chegar um pouco menos atrasadas que no dia anterior. Ela pega o trem no sentido contrário e vai até a estação Corinthians-Itaquera.

O trem em que ela está não prestará mais serviços e Cleusa é obrigada a dar a volta e aguardar o próximo que vai no sentido Palmeiras-Barra Funda. Depois de levar uma pisada do moço que apressadamente toma a sua frente, ela entra no vagão e consegue um lugar em pé no corredor.

São 7h15. O metrô anda com a velocidade reduzida por causa da chuva e fica parado mais do que o normal em cada estação. Às 8h15 ela chega, enfim, à sua estação de destino. Do terminal até seu serviço, a pé, Cleusa leva cinco minutos. Já cansada, ela inicia mais um dia de trabalho.

A volta para casa

O dia foi exaustivo para Célia Maria. A porta da sala da assistência social abriu e fechou inúmeras vezes. Um óbito para comunicar e uma entrevista com um pai que acabava de internar seu filho foram as últimas tarefas daquela quinta-feira. Cansada, ela guarda dentro da gaveta os papéis espalhados sobre a mesa, pega a bolsa e vai embora. A van já está de saída. São 14h00. Felizmente o trem estava funcionando normalmente, e antes das 16h00 ela já está em casa. Depois de relaxar alguns minutos no sofá e trocar três vezes o canal da tevê, Célia vai até a cozinha e prepara um café. E mais um turno de trabalho a espera.

São 17h15. Viviane desliga o computador e confere no celular as últimas mensagens. Pega um copo d’água e espera 15 minutos a aula do filho acabar. Seu marido já os aguarda na porta da escola e juntos vão direto para casa. As palavras inteligentes e espontâneas de Matheus no banco de trás arrancam gargalhadas dos pais. Às 18h00 já estão no apartamento – se Viviane tivesse que pegar metrô e ônibus até em casa gastaria o dobro do tempo e ainda teria que contar com o bom senso das pessoas pra conseguir um lugar pra sentar . – Já aconteceu de ter que ir em pé, alternando entre um braço e outro o peso do filho e da mochila. O ponteiro do relógio não para e, quando se dá conta, a noite já passou.

Já passa das 18h00. Cleusa se despede dos colegas e vai em direção à estação Palmeiras-Barra Funda. Ela chega à plataforma e espera cinco trens do metrô para conseguir entrar e ir sentada. Assim como pela manhã, o trem está andando com velocidade reduzida e leva mais do que o tempo normal para chegar na estação Patriarca. Já passa das 20h00 quando Cleusa chega em casa. Cuidadosa e preocupada com o bem-estar do filho, ela faz questão de preparar o jantar todos os dias.

Algo em comum

Diferentes em muitas coisas, Célia, Viviane e Cleusa partilham do mesmo sentimento. O trajeto casa-trabalho exige mais gasto de energia do que o próprio serviço. A qualidade de vida fica em segundo plano. Driblar os desafios diários é o que ocupa as preciosas horas de seus dias. Para não pirar nessa loucura das grandes cidades, elas se apegam aos raros momentos nos quais podem apreciar o convívio com a família e com os amigos.

Se você se identifica com essas histórias, é mais um que carrega o peso que as metrópoles nos impõem.

* Pesquisa IDEC – http://www.idec.org.br/uploads/revistas_materias/pdfs/180-capa1.pdf  

** Pesquisa Nossa São Paulo/Ibope – http://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/apresentacao-pesquisa-mobilidade-urbana-2013.pdf 

(Envolverde)