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Esperanças de paz após renúncia de Djotodia

Téte António, observador permanente da União Africana junto à ONU, informa ao Conselho de Segurança sobre a Missão Internacional de apoio à República Centro-Africana (Misca), no dia 6 deste mês. Foto: UN Photo/Evan Schneider
Téte António, observador permanente da União Africana junto à ONU, informa ao Conselho de Segurança sobre a Missão Internacional de apoio à República Centro-Africana (Misca), no dia 6 deste mês. Foto: UN Photo/Evan Schneider

 

Yaundé, Camarões, 14/1/2014 – “Mal posso esperar voltar para casa”, disse à IPS Celeste Edjangue, uma refugiada da República Centro-Africana na Região Oriental de Camarões. Outra refugiada, Denise Atteh, confirmou: “É um sentimento maravilhoso, e espero que o caos finalmente acabe, para podermos regressar”. Ambas são parte dos 52 mil refugiados centro-africanos que chegaram a esse país vizinho fugindo da violência sectária em sua terra.

Seu renovado otimismo se deve à renúncia do presidente interino de seu país, Michel Djotodia, bem como de seu primeiro-ministro, Nicolas Tiangaye. Djotodia tomou o poder em um golpe de Estado em março. Ambos renunciaram no dia 10 durante a Cúpula Extraordinária da Comunidade Econômica de Estados da África Central (Eccas), que aconteceu nos dias 9 e 10, no Chade.

“Isso deveria ter ocorrido muito antes”, disse Atteh à IPS, sorrindo. “Você não imagina o que significa deixar seu país, sua casa e suas propriedades e fugir para outro país. É difícil suportar”, acrescentou. Em Bangui, a capital centro-africana, houve comemorações nas ruas quando a notícia da renúncia de Djotodia foi divulgada.

“A gente tem esperança de que, finalmente, as matanças, as mutilações e o horrível derramamento de sangue possam chegar ao fim”, disse à IPS, por telefone desde Bangui, o embaixador interino de Camarões na República Centro-Africana, Nicolas Nzoyum. O diplomata acrescentou que a esperança de ter a paz de volta se vê reforçada pelo fato de os rebeldes do Séléka, que apoiavam Djotodia no poder, já há algum tempo se voltaram contra ele.

A paciência que a comunidade internacional tinha com Djotodia também se esgotou, o que se somou às intensas pressões para que renunciasse. Ao anunciar a renúncia de Djotodia, no dia 10 em N’Djamena, Chade, Ahmat Allami, secretário-geral da Eccas, disse que se Djotodia não conseguia restabelecer a paz, “deveria dar lugar a outro”.

Pela Carta do Conselho Nacional de Transição (parlamento), é necessário eleger um presidente interino no prazo de 15 dias a partir de sua renúncia. Para isso, o órgão legislativo, presidido por Alexandre Ferdinand Nguendet, iniciou, no dia 13, as consultas com políticos e representantes da sociedade civil.

A vice-presidente do conselho, Lea Koyassoum Doumta, afirmou que o novo líder “deverá ser alguém que possa unir os centro-africanos, restabelecer a segurança, aliviar as tensões, fazer com que todos voltem a trabalhar e preparar o caminho para eleições livres, democráticas e transparentes”.

Contudo, a saída de Djotodia também pode trazer problemas ainda maiores para a nação devastada pela guerra. Com um governo de transição fraco, um rápido regresso à paz parece pouco provável. Segundo o analista camaronês Ntuda Ebode, a própria natureza do conflito torna bastante difícil uma volta à paz.

“O conflito tem múltiplas facetas. Inicialmente foi político, pois os rebeldes do Séléka buscaram tomar o poder derrubando o então presidente François Bozizé”, explicou Ebode à IPS. “Mas, tão logo o presidente foi derrubado, as novas autoridades não conseguiram manter a coesão interna, e a consequência foi que o conflito saiu de seu contexto puramente político e se tornou social e militar. E as cisões religiosas são tão profundas que levará muito tempo saná-las”, ressaltou.

Um comunicado do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, lido para os chefes de Estado e de governo presentes na reunião da Eccas em N’Djamena, confirmou esses temores. “Os acontecimentos do ano passado causaram um dano profundo nas relações entre as comunidades muçulmana e cristã na República Centro-Africana. A desconfiança é alta e a violência alimentou a indignação e a sede de vingança”, afirmou Ban.

“A situação de segurança se deteriorou gravemente nas últimas semanas, com níveis sem precedentes de violência nas comunidades”, pontuou Ban, ressaltando que o risco de haver maior convulsão por motivos religiosos “é real e representa um perigo de longo prazo para o país”.

Pelo menos mil pessoas foram assassinadas desde que começou a crise no ano passado, e cerca de um milhão tiveram que fugir de suas casas. A União Africana enviou seis mil soldados para a República Centro-Africana, junto com 1.600 efetivos franceses enviados pela ex-potência colonial. Envolverde/IPS