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Estado Islâmico pesa na negociação nuclear com o Irã

O chanceler iraniano, Javad Zarif, durante reunião bilateral com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, no dia 21 deste mês em Nova York. Foto: Cortesia ISNA
O chanceler iraniano, Javad Zarif, durante reunião bilateral com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, no dia 21 deste mês em Nova York. Foto: Cortesia ISNA

 

Washington, Estados Unidos, 24/9/2014 – O chanceler do Irã está em Nova York a fim de alcançar um acordo definitivo sobre o programa nuclear de seu país. Porém, o grupo extremista Estado Islâmico (EI) pesa como uma pedra sobre as negociações, por si só já tensas, enquanto Teerã e as potências mundiais reiniciam as conversações, paralelas à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

No dia 21, a agência Reuters assegurou que o Irã aplica uma estratégia de “toma lá, dá cá” ao utilizar o apoio que poderia proporcionar na luta contra o EI como forma de influir na negociação. Essa análise questionava algo em que os Estados Unidos e o Irã insistem: que as conversações se concentram exclusivamente na questão nuclear.

Mas um funcionário de alto escalão que participa das negociações disse à IPS que seu país não incluiu o tema do Iraque nas conversações com o grupo de países do P5+1, integrado por China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia, mais Alemanha. “Já temos o suficiente no prato com a questão nuclear”, assegurou o funcionário, que pediu para ficar no anonimato, por meio de um e-mail enviado no dia 21.

O chanceler francês, Laurent Fabius, confirmou à IPS o comentário do funcionário iraniano durante uma entrevista em Nova York transmitida, no dia 22, pela organização independente Conselho de Relações Exteriores (CFR). “Os iranianos não nos pediram para trazer o radical EI às negociações. Estas são questões diferentes”, afirmou.

Seja ou não o Estado Islâmico um dos temas das negociações nucleares em curso, o Irã parece explorar diversas vias para combater os avanços dessa organização extremista sunita no Iraque e na Síria. Embora historicamente o xiita Irã e a sunita Arábia Saudita mantenham relações frias, já que ambos pretendem ser a potência dominante na região, a ameaça representada pelo EI poderia aproximá-los.

O chanceler iraniano, Javad Zarif, descreveu a reunião que manteve por uma hora, no dia 21, com seu colega saudita em Nova York como “um novo capítulo nas relações” dos dois países, segundo a agência estatal de notícias iraniana Irna. “Podemos chegar a um acordo sobre os meios para lutar contra essa crise extremamente delicada”, afirmou.

Mas os funcionários norte-americanos e iranianos discordam publicamente sobre o grau em que o Irã poderia trabalhar com outras potências na luta contra o EI. O líder supremo desse país, Ali Khamenei, negou categoricamente a versão da BBC que assegurou, no dia 5, que havia aprovado a cooperação militar com Washington na luta contra o Estado Islâmico no Iraque.

Por sua vez, Washington excluiu o Irã de uma reunião da coalizão contra o EI, liderada pelos norte-americanos, em Paris no dia 15 deste mês. Mas, quatro dias depois, o secretário de Estado, John Kerry, disse, em uma sessão do Conselho de Segurança da ONU sobre o Iraque, que o Irã tem um “papel” a desempenhar na “destruição e para desacreditar” o grupo radical.

Funcionários do Irã e dos Estados Unidos discutiram sobre o extremista EI à margem das negociações nucleares, embora as duas partes neguem que exista uma coordenação militar, e deram apoio militar e logístico a alguns dos mesmos grupos que combatem o Estado Islâmico no Iraque.

No dia 17, Zarif qualificou a coalizão liderada por Washington de “coalizão de arrependidos”, porque seus países, supostamente, teriam ajudado e instigado a ascensão do EI, acrescentando que o Irã continuará em seu apoio à luta do Iraque contra o grupo extremista. “Não duvidamos em dar apoio aos nossos amigos, para enfrentar essa ameaça”, afirmou.

“Os Estados Unidos não estão desesperados pela ajuda do Irã” e a cooperação com Teerã poderia “complicar as negociações nucleares e ser uma dor de cabeça política para o governo” de Barack Obama, apontou Alireza Nader, analista do centro de pesquisa Rand Corporation. “Embora não se possa descartar totalmente certo nível de entendimento tácito entre Estados Unidos e Irã no Iraque, o governo iraniano não deve superestimar sua influência sobre a questão nuclear”, acrescentou.

Os dois lados disseram ser possível chegar ao acordo definitivo até 24 de novembro, mas persistem os obstáculos, especialmente o futuro do programa de enriquecimento de urânio do Irã. Teerã quer manter suficientes centrífugas e outros elementos de infraestrutura nuclear para alcançar a autossuficiência e a escala industrial em 2021, mas Washington pretende que reduza seu programa atual.

Zarif declarou que, em lugar de alcançar seus objetivos políticos, as sanções lideradas pelos Estados Unidos contra o Irã tiveram “um resultado claro” de mais centrífugas iranianas. “Se no momento da imposição das sanções tínhamos menos de um par de centenas de centrífugas, agora temos cerca de 20 mil”, afirmou no dia 17.

Os Estados Unidos aceitam certo grau de enriquecimento de urânio iraniano, mas Israel exige o desmantelamento total do programa, algo que seria impossível, segundo Teerã. O Irã investiu muito em seu programa nuclear para agora o desmantelar, segundo a especialista em segurança nuclear Arianne Tabatabai.

Uma proposta revelada no dia 19 deste mês pelo The New York Times permitiria ao Irã suspender, em lugar de desmantelar, suas operações centrífugas, mas a mesma recebeu oposição pública de políticos norte-americanos e iranianos alheios às negociações atuais. Um grupo de 31 senadores do opositor Partido Republicano alertou que Washington não deve “oferecer preocupantes concessões nucleares ao Irã” para chegar rapidamente a um acordo, diz a carta que enviaram no dia 19 ao chanceler Kerry.

Por outro lado, vários legisladores iranianos rechaçaram a proposta, segundo informou no dia 22 a agência de noticias Fars. “Se funcionários norte-americanos apresentarem formalmente essa proposta, isso indicará sua perspectiva infantil das negociações ou pressupostos estúpidos da parte iraniana”, disse Hossein Sheijoleslam, vice-presidente do Parlamento iraniano.

Um grupo de deputados conservadores também realizou no dia 22 em Teerã uma conferência sobre a aproximação com os Estados Unidos. Um possível encontro entre Obama e o presidente iraniano, Hassan Rouhani, em Nova York, seria um “ato inapropriado”, afirmaram. Rouhani se reuniu com o líder supremo Ali Khamenei, que lhe desejou êxito em suas gestões diplomáticas, antes que o presidente partisse para Nova York, onde amanhã discursará na Assembleia Geral da ONU.

Embora o Irã não esteja desesperado para alcançar um acordo, as duas partes querem o consenso, e as propostas criativas para evitar a paralisação que vieram à luz demonstram que “a vontade política está aí”, assegurou Tabatabai à IPS. “As pessoas no Irã podem sobreviver à suspensão, mas não ao desmantelamento” total do programa nuclear, acrescentou. Envolverde/IPS