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Estados Unidos caminham na corda bamba no Egito

Os protestos contra Morsi no Cairo vinham crescendo há meses. Foto: Gigi Ibrahim/cc 2.0
Os protestos contra Morsi no Cairo vinham crescendo há meses. Foto: Gigi Ibrahim/cc 2.0

 

Washington, Estados Unidos, 5/7/2013 – O golpe de Estado, contra o governo democraticamente eleito de Mohammad Morsi no Egito, coloca a administração de Barack Obama em uma posição muito incômoda. De imediato deve decidir se a derrubada de Morsi constitui um golpe que obriga a suspender a ajuda militar e econômica de aproximadamente US$ 1,6 bilhão, matéria de intenso debate em Washington.

No entanto, os funcionários norte-americanos também estão muito preocupados pelo risco de uma reação violenta por parte da Irmandade Muçulmana de Morsi. Apesar da drástica queda que sofreu em sua popularidade nos últimos tempos, continua sendo a instituição egípcia melhor organizada, além das forças armadas. No plano doméstico, Washington teme dar munição aos falcões do opositor Partido Republicano, para os quais a política de Obama em relação à Primavera Árabe é um fracasso.

Inclusive, mesmo antes da crise que levou ao golpe do dia 3, os republicanos estavam na ofensiva. “A agitação egípcia procede da previsível ânsia de poder do governo de Morsi, algo que a administração Obama está longe de admitir”, disse o representante republicano Ed Royce, que preside o Comitê de Relações Exteriores, ao site foreignpolicy.com. “Os Estados Unidos não conseguiram que o governo Morsi encarasse as reformas políticas e econômicas necessárias para impedir esta crise”, acrescentou.

Horas depois de os militares terem anunciado que a Constituição estava suspensa e que Morsi seria substituído por um governo interino encabeçado pelo presidente do Tribunal Constitucional, a Casa Branca divulgou um comunicado em nome de Obama destacando que “Washington não apoia indivíduos ou partidos políticos em particular, mas está comprometido com o processo democrático e o respeito ao Estado de direito”.

O comunicado acrescenta que “estamos profundamente preocupados pela decisão das forças armadas de remover o presidente e suspender a Constituição”. “Peço aos militares egípcios que atuem com velocidade e responsabilidade para devolver rapidamente a autoridade plena a um governo civil e eleito democraticamente, mediante um processo inclusivo e transparente, e que evitem prisões arbitrárias de Morsi ou seus seguidores”, ressalta o comunicado.

Segundo as leis norte-americanas, o presidente deve suspender toda ajuda militar e boa parte da econômica sempre que “um chefe de governo eleito é derrubado por decreto ou golpe militar”. No caso do Egito, cerca de US$ 1,3 bilhão em assistência militar e outros US$ 300 milhões em ajuda econômica estariam em jogo até a instalação de outro governo eleito pelo povo. Obama afirmou que instruíra as instituições do Estado para revisarem as aplicações legais dos fatos do dia 3 para a ajuda norte-americana.

Contudo, é difícil para seu governo não cumprir a proibição. De fato, o exército de Honduras se viu precisamente nesse cenário após ter tirado do poder o presidente Manuel Zelaya, em 2009. Apesar dos protestos republicanos e do Departamento de Defesa, a Casa Branca qualificou o ocorrido como golpe de Estado e suspendeu a ajuda. Entretanto, Washington tem muito mais em jogo no Egito, cujos chefes militares – sobre os quais quer manter toda influência possível – tomaram muito cuidado para demonstrar que sua atitude não constitui um golpe.

“É melhor dizer que este governo perdeu sua legitimidade em uma falida transição democrática”, disse o especialista em Egito Robert Springborg, da Escola Naval de Pós-Graduação. Sua visão é compartilhada por um veterano defensor da Irmandade Muçulmana, Nathan Brown, do Carnegie Endowment for International Peace, que sugeriu que a lei seja interpretada com certa flexibilidade. “Se ficar claro que a ação militar pôs fim à carreira de um líder antidemocrático, e que o exército apoia materialmente medidas democráticas, como estabelecer os passos para transferir o poder a uma direção civil e legítima, os Estados Unidos deveriam apoiar essas medidas do modo mais concreto possível: não interrompendo a ajuda”, afirmou.

Porém, existe a enorme dúvida de que os militares atuem dessa forma, especialmente à luz do que fizeram durante os 17 meses que governaram o país após a derrubada do presidente Hosni Mubarak. “Seria muito ingênuo acreditar que o anúncio dos militares colocará necessariamente o Egito novamente no caminho democrático”, afirmou à IPS o chefe do Projeto sobre um Oriente Médio Democrático, Stephen McInerney.

Washington “deve deixar claro ao ministro da Defesa, Abdel Fattah al-Sisi, que não apoiará o regresso dos militares à política sob a suposição da segurança e estabilidade nacionais. Já vimos este filme”, opinou Emile Nakhleh, ex-diretor do programa de Análise Estratégica do Islã Político da Agência Central de Inteligência (CIA). A Casa Branca deve pressionar os militares “para que evitem grandes deslocamentos em lugares públicos e enfrentamentos violentos com seguidores de Morsi e membros da Irmandade Muçulmana”, acrescentou.

“Há razões para temer uma escalada de violência iminente”, alertou McInerney. “Há dúvidas reais sobre os direitos dos islâmicos que sentem que lhes arrebataram a oportunidade de participar da vida política, e a inclusão da Irmandade Muçulmana em qualquer futuro governo é uma questão importantíssima”, destacou. Obama expressou um ponto de vista semelhante.

“Os Estados Unidos acreditam que a base mais firme para uma estabilidade duradora no Egito é uma ordem político-democrática com participação de todos os setores e partidos políticos, seculares e religiosos, civis e militares”, diz o comunicado de Obama. “As vozes de todos os que protestam de forma pacífica devem ser ouvidas, inclusive dos que dera as boas-vindas aos fatos de hoje e dos que apoiam Morsi”, acrescenta.

Para Springborg também é crucial a reação da Irmandade Muçulmana, que teve muitas de suas sedes atacadas em todo o país por manifestantes opositores nos últimos dias. “A questão que pode desmoronar tudo é que essa organização se decida pela força, mas não creio que tenham o poder ou a vontade de fazê-lo, porque poderiam ter muito mais a perder, organizacional e financeiramente”, pontuou.

Os novos dirigentes devem dar resposta à crise econômica nomeando técnicos civis para que finalizem o empréstimo de US$ 4,6 bilhões do Fundo Monetário Internacional. Isto, por sua vez, persuadiria a Arábia Saudita a prestar um apoio financeiro importante, suspenso por sua tradicional desconfiança em relação à Irmandade Muçulmana. “Quando os sauditas avançarem, todos os seguirão”, oferecendo uma oportunidade concreta para uma economia que só fez decair nos últimos três anos, concluiu Springborg. Envolverde/IPS