Washington, Estados Unidos, 29/4/2011 – Desde o final de 2005, as forças dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) enviaram presos para o Diretório Nacional de Segurança Afegão (NDS), mesmo sabendo que seus interrogadores praticavam torturas. Entrevistas com ex-diplomatas, bem como nova informação agora disponível, revelam que Washington e outros governos ocidentais foram cúmplices das torturas contra prisioneiros no NDS.
Membros europeus da Otan – especialmente Grã-Bretanha e Holanda – decidiram entregar os presos à agência afegã para se afastarem da política de prisões norte-americanas, já manchada por abusos. Por outro lado, Estados Unidos e Canadá apoiaram essas transferências, acreditando que os interrogadores do NDS obteriam melhores informações.
As manobras foram uma violação direta da Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura, que proíbe a transferência de qualquer pessoa por parte de um Estado a outro “onde há base substancial para acreditar que estará em perigo ou será submetido a tortura”. A primeira mudança na política oficial foi a adoção pela Otan, em dezembro de 2005, da “regra das 96 horas”, que exige a transferência de presos afegãos ao governo de seu país no prazo de quatro dias.
A negativa britânica e holandesa de continuar entregando seus prisioneiros às forças de Washington aconteceu em reação a informes sobre torturas na base norte-americana de Bagram, no Afeganistão. Ronald Nuemman, na época embaixador dos Estados Unidos em Cabul, disse à IPS que o “ímpeto inicial” para a “regra das 96 horas” surgiu da “discordância” dos britânicos e holandeses com as práticas norte-americanas.
Um ex-diplomata da Otan, que na época desempenhava funções no Afeganistão, confirmou as afirmações de Neumann. “Os britânicos e holandeses expressaram em particular seu medo de que a política norte-americana em relação aos presos prejudicasse a missão”, afirmou. Paradoxalmente, segundo a regra das 96 horas, os prisioneiros, foram enviados ao NDS, que tinha uma longa reputação de centro de torturas, começando quando foi agência de inteligência da polícia secreta durante a ocupação soviética. Essa reputação continuou no governo do presidente Hamid Karzai.
O traslado de presos ao NDS também foi motivado pela desesperada necessidade de Washington de obter melhores informações de inteligência sobre o movimento islâmico Talibã. Quando os comandantes militares norte-americanos e canadenses começaram a fazer, entre 2004 e 2005, grandes operações em áreas onde o Talibã operava, o governo de George W. Bush já havia decidido considerar todos os afegãos detidos como sendo “combatentes ilegais”.
Dessa forma, não os reconhecia formalmente como prisioneiros de guerra e evitava responsabilidades estabelecidas nas Convenções de Genebra. Porém, a maioria dos afegãos detidos nessas operações não pertencia ao Talibã. Depois que as forças dos Estados Unidos e da Otan começaram a enviar presos ao NDS, o chefe dessa agência, Amrullah Saleh, disse a autoridades da aliança ocidental que deveria libertar dois terços dos detidos, segundo revelou um diplomata.
Matt Waxman, secretário-adjunto da Defesa dos Estados Unidos para Assuntos de Detidos até o final de 2005, recordou em entrevista à IPS que havia “muita preocupação tanto no Pentágono quanto no terreno sobre excessivas detenções” no Afeganistão e sobre a pressão para “operações de prisões mais agressivas”. O embaixador Neumann disse à IPS que os militares norte-americanos direcionaram os casos para o NDS devido aos “benefícios de inteligência”.
Em entrevista ao Ottawa Citizen, publicada em 16 de março de 2007, o então chefe de inteligência da Força Internacional de Assistência em Segurança (Isaf) para o Afeganistão da Otan, Jim Ferron, afirmou que a transferência de presos para o NDS tinha o objetivo de obter mais informação. “Os detidos estão nesta situação por uma razão. Possuem informação que precisamos”, disse Ferron.
No entanto, queixou-se de que grande parte dos dados coletados não era “verdadeira e se destinavam a enganar as forças militares”. Ferron explicou que os presos eram submetidos a um “interrogatório básico” pelos funcionários da Otan sobre “o motivo de terem aderido à insurgência”, dados que depois eram entregues ao NDS. O militar claramente sugeriu que os interrogadores desta agência poderiam fazer um trabalho melhor do que a Otan. A “melhor informação” foi obtida pelo NDS, e era a que a Isaf “podia fazer parte da inteligência diária”, disse.
Ferron afirmou que altos funcionários do NDS lhe garantiram que “os presos eram tratados com humanidade”. Mas apenas três semanas antes, o Toronto Globe e o Mail haviam publicado uma série de artigos de pesquisa baseados em entrevistas com prisioneiros transferidos pelo Canadá que tinham sido torturados por funcionários afegãos.
Embora acabasse de entrar em vigor a “regra das 96 horas”, diplomatas britânicos e holandeses expressaram sua preocupação com a reputação do NDS, segundo uma fonte da Otan. “Sabiam que se entregassem os presos aos afegãos, eles seriam torturados”, recordou. Devido a esta preocupação, Grã-Bretanha e Holanda transferiram relativamente poucos prisioneiros, disse o diplomata.
Londres e Amsterdã também se uniram aos esforços norte-americanos para que Cabul desse a responsabilidade dos presos ao Ministério da Defesa afegão e não ao NDS, recordou o diplomata, mas as iniciativas foram impedidas por disposições legais locais. Envolverde/IPS
* Gareth Porter é historiador e jornalista especializado na política de segurança nacional dos Estados Unidos.