Genebra, Suíça, 29/7/2013 – A oposição categórica das delegações norte-americana e, em grau diferente, dos países europeus, impediu a aprovação de um projeto de declaração multilateral, apoiado pelo mundo em desenvolvimento, sobre os direitos dos camponeses e de outras pessoas que trabalham em zonas rurais. A diplomata Angélica Navarro, presidente do grupo de trabalho intergovernamental encarregado de redigir a declaração, recomendou que o organismo realize uma nova sessão em meados de 2014.
Navarro também se comprometeu a fazer consultas com representantes de governos, da sociedade civil e da Organização das Nações Unidas (ONU), que promove a iniciativa por intermédio de seu Conselho de Direitos Humanos. “Desde o começo sabíamos que o processo seria difícil, porque as posições de alguns países confrontavam certas disposições da declaração”, disse Malik Özden, representante do Centro Europa-Terceiro Mundo, uma organização não governamental com sede em Genebra que impulsiona a declaração.
Özden indicou à IPS que as nações industrializadas críticas do projeto pretendem suprimir do texto proposto algumas referências fundamentais, como as que dizem respeito à posse da terra e aos direitos de propriedade intelectual sobre técnicas e insumos agrícolas, em particular as sementes. O projeto de declaração promove a proteção dos camponeses que trabalham a terra por si mesmos e dependem sobretudo do trabalho em família, em atividades de agricultura, transumância, pecuária e de artesanato relacionado à agricultura.
O termo “camponês” também se aplica às pessoas sem terra e a famílias que se dedicam à pesca, ao artesanato para o mercado local ou à prestação de serviços. Além dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, o texto reconhece a essa categoria social a obrigação de ter uma alimentação saudável e culturalmente apropriada, produzida por meios ecologicamente racionais e sustentáveis. Também se atribui aos camponeses o direito de definir seus próprios sistemas de alimentação e agricultura.
A declaração ratifica o direito dos camponeses de acesso à terra e ao território e a se beneficiar da reforma agrária. Também lhes reconhece o direito de determinar as variedades de sementes que querem usar e de rejeitar as variedades de plantas que considerem perigosas do ponto de vista econômico, ecológico e cultural, aspectos que entram em colisão com interesses das empresas agroindustriais de caráter transnacional.
Christophe Golay, da academia de direito internacional humanitário e de direitos humanos de Genebra, destacou que o rascunho da declaração consagra direitos individuais que podem ser exercidos de maneira coletiva. Contudo, nos casos das sementes e da diversidade biológica, o projeto de declaração está consagrando direitos totalmente novos, disse à IPS. Golay também observou lacunas, como a falta de referências à segurança social dos camponeses e o amparo desse setor nos territórios assolados por conflitos.
O grupo de trabalho, que se reuniu entre os dias 15 e 19 deste mês em Genebra, ouviu informes de especialistas, acadêmicos e delegados de organizações camponesas. Entre eles, o relator especial da ONU sobre Direito à Alimentação, o belga Olivier de Schutter, e seu antecessor o suíço, Jean Ziegler, apoiaram sem vacilar o texto proposto.
Os Estados Unidos apresentaram objeções jurisdicionais argumentando que o Conselho de Direitos Humanos (CDH) e seus órgãos subsidiários não são fóruns apropriados para discutir muitas das questões que a declaração propõe. Um delegado norte-americano chegou a dizer que o Comitê Assessor do CDH, onde teve origem a iniciativa a favor dos camponeses, menciona com frequência em seu informe a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Por essa razão, muitas destas discussões devem também acontecer no Comitê de Segurança Alimentar Mundial da FAO, afirmou o delegado. O Comitê Assessor reconheceu que o rascunho da declaração inclui novos direitos, mas muitos deles não são de caráter humanitário, criticou o norte-americano, que também mencionou que a declaração propõe dar aos camponeses direitos humanos coletivos. “Acreditamos que os esforços para criá-los para grupos em lugar de fazê-lo para indivíduos são contraditórios com o direito internacional”, disse a fonte, acrescentando que sua delegação não estava preparada para negociar um rascunho deste tipo.
A União Europeia também criticou a criação do grupo de trabalho por parte do CDH e disse que não participará da negociação do texto, embora deixando aberta a possibilidade de discutir em outros fóruns a melhoria da situação dos camponeses. Os países em desenvolvimento ratificaram que continuarão defendendo o texto apresentado, mas aceitaram que certos pontos poderiam ser corrigidos para levar a um consenso.
Navarro disse à IPS que o grupo tem autorização do CDH para realizar sessões por três anos seguidos e esboçou a possibilidade de uma negociação se prolongar, inclusive décadas, com ocorreu com tratados internacionais em outras áreas. Entretanto, Özden se mostra otimista, apesar de coincidir com Navarro em que o processo pode durar vários anos. Esperamos que os representantes dos Estados sejam sensíveis aos argumentos dos cidadãos, não somente aos das corporações transnacionais, pontuou.
Os documentos apresentados nas deliberações do grupo de trabalho não precisam a magnitude do campesinato mundial. Uma referência aproximada se encontra em um estudo da FAO, que em 2010 estabeleceu que a população mundial economicamente ativa nas atividades agropecuárias era de 1,394 bilhão de pessoas. A FAO ressaltou que desde 1950 a porcentagem de pessoas dedicadas à agricultura diminui sem parar. Também afirmou que 1,357 bilhão de indivíduos dedicados à agricultura em 2010 eram do Sul em desenvolvimento e o restante do Norte rico. Envolverde/IPS