Washington, Estados Unidos, 20/4/2011 – Enquanto se intensificam os protestos contra o governo da Síria, Washington nega estar promovendo a derrubada do presidente Bashar al Assad. “Não estamos trabalhando para enfraquecer esse governo”, disse no dia 18 o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Mark Toner, em resposta a um artigo do jornal The Washington Post sobre financiamento secreto norte-americano a grupos de oposição líbios, como um canal de televisão via satélite com sede em Londres que pede a derrubada de Assad.
O presidente “deve responder às aspirações legítimas de seu povo”, disse Toner, e mencionou que o próprio Assad, em seu discurso do dia 16, se referiu a implementar “o necessário para levantar o estado de emergência e aplicar amplas reformas; por certo que observamos como essas palavras se concretizarão”. No mesmo dia, o mandatário sírio deu posse a um novo gabinete encabeçado pelo ex-ministro da Agricultura, Abdel Safar, e prometeu, entre outras coisas, acabar com a lei de emergência, que já dura 48 anos, no “prazo de uma semana”, a partir de ontem.
Em um discurso notável pelas diferenças de conteúdo e tom em relação às suas declarações anteriores, Assad também apresentou condolências e orações pelos “mártires” (mais de 200, segundo organizações de direitos humanos) mortos pelas forças de segurança nas manifestações contra seu governo, que começaram em março. Contudo, no dia 17, saíram às ruas de cidades e aldeias dezenas de milhares de manifestantes pedindo a saída de Assad, e na cidade de Homs pelo menos 24 pessoas foram assassinadas nos protestos. Assim, as concessões do presidente parecem insuficientes e tardias, concluem cada vez mais analistas.
“Parece cada vez menos provável que Assad consiga reprimir ou superar este levante”, disse o especialista em Síria Joshua Landis, da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. A reclamação explícita de que renuncie ou seja destituído, por parte dos manifestantes, marca uma nova fase no confronto, afirmou. “Embora a oposição não seja capaz de assumir o Estado, pode manter as grandes mobilizações, diminuirá o turismo e os investimentos estrangeiros, e a economia cairá, não haveria futuro para o regime nessas condições”, disse à IPS Landis, cujo blog é muito influente entre os especialistas em Oriente Médio de Washington.
Outro estudioso da situação da Síria, Bassam Haddad, da Universidade George Mason, acredita que se está chegando velozmente a um ponto de inflexão que tornaria muito difícil para Assad retomar a iniciativa. “O regime pode reverter o processo, mas não o fará, e nos aproximamos de um ponto sem retorno pelas dimensões dos protestos e pela incapacidade do governo de realizar mudanças reais que diminuam o auge opositor”, disse Haddad à IPS. “Esta pode ser a semana decisiva para determinar o rumo do levante”, acrescentou. A tentativa de ocupar a praça central de Homs, no dia 18, “mostrou como cresce rapidamente o grau de confiança dos manifestantes”, destacou.
A reação de Washington é, em geral, cautelosa. Como no Egito, deu ênfase inicial na estabilidade nacional e exortou o governo a oferecer reformas democráticas e responder sem violência aos protestos. Depois de um incidente sangrento duas semanas atrás em Deraa, Sudoeste do país, o presidente norte-americano, Barack Obama, divulgou um comunicado escrito contra a “horrenda violência exercida contra manifestantes pacíficos”.
Representantes da oposição síria que se reuniram com funcionários norte-americanos em Washington, implorando ao menos uma linguagem mais dura com o regime, e expressaram sua decepção com a cautela de Obama. Apoiados por “falcões” neoconservadores, que há tempos pressionam pela derrubada de Assad, estes opositores pedem medidas de isolamento como as adotadas contra o líder da Líbia, Muammar Gadafi, denunciar Assad perante o Tribunal Penal Internacional, e nomear um relator especial que investigue os supostos crimes cometidos por suas forças de segurança.
O Washington Post se baseou em telegramas divulgados pelo Wikileaks, segundo os quais o Departamento de Estado entregou US$ 6 milhões a grupos opositores sírios desde 2006, quando as relações bilaterais estavam em seu pior momento, e George W. Bush governava os Estados Unidos.
Boa parte desse dinheiro foi gasta com a Barada TV, canal via satélite dirigido por sírios emigrados e supostamente vinculados ao Movimento pela Justiça e o Desenvolvimento, descrito no telegrama como “organização islâmica moderada, que evita uma agenda ideológica para depois do fim do regime de Assad mediante reformas democráticas”. Apesar de a política de Obama manter vínculos com Damasco, a Barada TV começou suas transmissões em abril de 2009, e há pouco ampliou sua programação para 24 horas diárias, embora várias fontes afirmem que é virtualmente desconhecida dentro da Síria.
Em suas declarações de ontem, Toner insistiu que o apoio dos Estados Unidos à Barada TV e a grupos de oposição sírios não “difere” dos planos de “promoção da democracia” que Washington aplica em outras nações do mundo. “O diferente, nesta situação, é que o governo sírio vê este tipo de assistência como uma ameaça ao seu controle sobre o povo”, disse Toner, que também negou que o governo norte-americano esteja fornecendo apoio direto ao Movimento pela Justiça e o Desenvolvimento.
Mas as revelações vão gerar acusações contra as autoridades sírias de que os manifestantes são “incautos” trabalhando para “agentes estrangeiros” a fim de promover o caos na Síria. O governo e especialistas independentes temem que este caos se instale devido à crescente polarização entre o regime e a oposição.
De fato, a reticência de Washington em se expressar mais abertamente contra Assad procede de suas dúvidas sobre a oposição, compartilhadas por dois de seus mais estreitos aliados no Oriente Médio, Israel e Arábia Saudita, os quais, pelo menos até agora, se pegam à máxima de que “mais vale um mal conhecido do que um bem por conhecer”. Isto, segundo Haddad, fortalece o regime. “Eles sabem que a posição de Estados Unidos, Israel e Arábia Saudita é a favor do statu quo na Síria”, afirmou.
Para Landis, “francamente Washington não tem nem ideia” do que deve fazer diante do endurecimento das demandas da oposição. “Se diz a Assad que não deve usar a violência, significa que deve permitir que os manifestantes o derrubem, porque, a esta altura, sem violência não há como parar isto”, disse. Ao analista preocupa a reação da minoria islâmica alauita – liderada por Assad e da qual procedem também os altos chefes militares e policiais –, diante do levante e do risco de o conflito derivar para um caráter sectário-religioso.
Esta preocupação é compartilhada por Haddad. Há “informes preocupantes de elementos islâmicos salafistas nos últimos protestos, sobretudo em Homs”, afirmou. Os salafistas, que pertencem ao ramo sunita do Islã, consideram hereges os alauitas, que são 12% da população síria. “Na Síria, também há minorias cristãs, drusas e xiitas – que somam 15% dos habitantes – favoráveis ao regime alauita”, segundo Mohammad Bazzi, especialista sobre Oriente Médio do Council on Foreign Relations, dos Estados Unidos. “Junto com muitos sunitas laicos, estas minorias veem o regime de Assad como fonte de estabilidade e temem que sua queda possa precipitar uma guerra civil”, concluiu. Envolverde/IPS