Como estamos observando e sentindo, o desafio da valorização cambial brasileira e, também, dos ditos países emergentes ou em desenvolvimento, continua. Além de estarmos enfrentando esse problema, poderemos estar criando outro.
A valorização da moeda brasileira está diretamente relacionada aos fluxos financeiros derivados de outros países que em sua maioria são atraídos pelo diferencial de juros das economias emergentes, em relação às economias desenvolvidas. Conforme o FMI (Fundo Monetário Internacional), em 2010, os fluxos brutos financeiros atingiram 6% do PIB das economias receptoras em apenas três trimestres, percentual que demorou três anos para ser alcançado no ciclo anterior.
Após um período de forte instabilidade no interregno 1999-2002, é a partir de 2003 que ocorre um retorno dos fluxos de investimentos em carteira e mesmo de empréstimos bancários. O período de 2003 -2005 é relativo a um cenário de expansão da liquidez internacional, observando que entre esses anos o resultado da balança comercial e das transações correntes passa a ser fortemente favorável, ocorrendo uma melhora substantiva nas contas externas brasileiras.
A partir daí, o mercado passa a avaliar que o Brasil está menos vulnerável, uma vez que o país melhora sua capacidade de pagamento junto aos credores externos e aplicadores. Este cenário indica uma queda da “vulnerabilidade externa”, conforme os indicadores tradicionais de endividamento externo indicam, como a melhora na relação do serviço da dívida/exportações, na dívida externa/PIB, nas reservas/dívida total, entre outros.
Assim, suscitou-se pela lógica do mercado, a ideia de que o Brasil estaria menos vulnerável a crises internacionais, após a sucessão de crises dos anos 1990. Entretanto, a vulnerabilidade das contas externas se mantém, ou até mesmo se reforça, tendo em vista o perfil dos capitais ingressantes e a lógica do movimento dos mesmos.
Por serem altamente especulativos, a qualquer mudança de expectativas, os fluxos continuam apresentando movimentos de reversão, basta recordar e analisar os dados de fluxo financeiro do Balanço de Pagamentos brasileiro no início da crise, em 2008. Portanto, quanto maior for o peso dos capitais com grande capacidade de reversão, tanto mais sujeita a instabilidade estará esta economia.
Neste sentido, as economias emergentes e, em particular, a brasileira, precisam ficar mais do que alertas para a futura saída repentina de capitais, o que representaria um contra-ataque financeiro aos fundamentos macroeconômicos implementado nos últimos 16 anos, um dos piores possíveis cenários seria enfrentar além de desvalorização abrupta do real frente ao dólar, ampliação do déficit em transações correntes e diminuição das reservas internacionais, teríamos, aí sim, sérios riscos inflacionários, devido à grande quantidade de produtos para consumo final serem de origem estrangeira, particularmente da China.
Para tanto, mesmo com medidas interessantes adotadas pelo governo, como por exemplo, a elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) aos capitais estrangeiros e algumas restrições ao endividamento externo de empresas e bancos nacionais, ainda não resolverá o terrível cenário acima exposto. É mais do que urgente debater e adotar medidas para a gestão dos fluxos de capitais internacionais e, diga-se de passagem, não há nenhum problema em adotar o controle de capitais internacionais, uma política inclusive defendida pelo FMI para os países emergentes.
A conjuntura brasileira interna e externa não está com grandes complicações, a chance de errar é menor do que tempos atrás. Além do que, nos próximos anos poderemos ter uma enxurrada de dólares devido à exploração de petróleo da camada de pré-sal, se nos prepararmos com consistência para o contra-ataque da especulação financeira internacional, que um dia ocorrerá, teremos condições concretas de sonharmos e vivermos um outro tipo de nação, com mais cultura, educação, saudável e, porque não dizer, feliz.
* Paulo Daniel é economista, mestre em economia política pela PUC-SP, professor de economia e editor do blog Além de Economia.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.