Peshawar, Paquistão, 17/9/2013 – “Tenho saudades da minha mãe e choro todas as noites”, disse à IPS o pequeno Afaq Ali, de oito anos, estudante da quinta série na Escola Pública Universitária de Peshawar, capital da província paquistanesa de Jyber Pajtunjwa e centro administrativo das Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata). Os pais de Ali o enviaram em 2010, de sua aldeia em Pranghar, na agência Mohmand, nas Fata, para uma escola em Peshawar, a 157 quilômetros de distância. Desde 2005 rebeldes do movimento islâmico Talibã destruíram sistematicamente 120 escolas nas Fata.
“Me sinto muito triste e sozinho, porque a maioria de meus companheiros de classe é daqui e ficam em suas casas com seus pais. Por causa disso não consigo estudar”, contou Ali. Como ele há muitas outras crianças nas escolas de Peshawar que estão longe de suas famílias. Seus parentes, que residem em distritos das Fata afetados pela insurgência, não tiveram outra alternativa a não ser enviá-los para estudar em outros lugares.
Zareen Gul, da aldeia Dande Darpa Khel, no Waziristão do Norte, está triste por ter de enviar sua filha Spogmay, de oito anos, para uma escola em Peshawar. Este sapateiro viaja todos os meses 200 quilômetros para vê-la. “Para nós foi uma decisão muito difícil enviar Spogmay para Peshawar, porque sentimos muito sua falta”, disse à IPS sua mãe, Reshma. “Os rebeldes do Talibã são responsáveis por nossos males. Queremos educação para nossos filhos, mas eles simplesmente não permitem”, contou.
Assim, embora o coração sofra, está determinado a mandar sua filha à escola. Estudante da terceira série na Escola Pública Umar Faruq de Peshawar, a própria Spogmay disse ter professores adoráveis e bons amigos nessa escola e no abrigo, mas eles não podem substituir seus pais. “Quero meu pai, minha mãe e minhas irmãs. Viver longe deles é difícil. Mas estudarei porque é isso que meus pais querem”, contou à IPS.
Peshawar tem um total de cinco mil escolas, duas mil delas privadas. Estas já estão sobrecarregadas de estudantes locais. “Os abrigos têm dificuldades para receber mais estudantes”, explicou Saleem Kan, encarregado do abrigo Turangzai na escola Islamia de Peshawar. Quartos previstos para abrigar duas pessoas agora têm quatro estudantes, afirmou. “A situação está ficando cada vez mais difícil, já que a cada ano chegam mais estudantes das Fata”, detalhou.
Mohammad Fakhr Alam, funcionário da educação radicado em Peshawar, disse que foram registrados cerca de 20 mil estudantes das Fata para admissão em escolas de Jyber Pajtunjwa em 2012. “Cerca de 90% dos estudantes das Fata vivem em abrigos”, informou à IPS. Contudo, há cerca de dez meninos e meninas procedentes das Fata cujos pais alugaram alojamento em Peshawar pelo bem da educação dos pequenos, acrescentou .
Os talibãs destruíram 766 escolas na região até agora, apontou Ajtar Rasul, subdiretor do Departamento de Educação das Fata. Isto privou quase 80 mil menores, principalmente meninas, de terem educação. “Os que podem se dar o luxo, enviam os filhos para Peshawar e a outros distritos vizinhos em Jyber Pajtunjwa”, disse à IPS. “A maioria das crianças fica atrasada sem uma escola para frequentar”, ressaltou.
Qualquer empatia inicial que o Talibã possa ter gerado quando em 2001 foi derrubado no Afeganistão e obrigado a cruzar a porosa fronteira de 2.400 quilômetros para o Paquistão, já há muito tempo se converteu em indignação. “Nos arrependemos da hospitalidade que demos ao Talibã e aos seus amigos da Al Qaeda quando vieram buscar abrigo”, disse Salamat Gul, comerciante de roupas de 50 anos da aldeia de Ghareebabad, na agência Bajaur, a menor das Fata, situada no norte.
Os talibãs destruíram 115 escolas aqui, “estão determinados a privar nossos filhos da educação”, afirmou Gul. Doze crianças de sua família, incluindo seus dois filhos e sua filha, bem como nove sobrinhos e sobrinhas, estão em escolas de Peshawar, explicou à IPS. O comerciante viajou 120 quilômetros até esta cidade para fazer com que dois sobrinhos seus fossem examinados por médicos. Ambos tinham febre, e suas famílias estavam ansiosas a respeito, contou. “Não há ninguém que cuide deles no abrigo”, lamentou, enquanto os esperava à saída da Escola Modelo de Peshawar.
O governo do Paquistão, com ajuda financeira da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, começou construindo 130 escolas nas Fata em 2010, para garantir que as crianças voltassem a estudar. “Também contatamos outras agências doadoras para reconstruir as escolas danificadas pelo Talibã o mais rápido possível”, acrescentou Rasul. Enquanto isso, os que enviam seus filhos de longe pensam que é um sacrifício necessário para que eles recebam educação.
“É um sacrifício enorme permitir que minha filha de dez anos ficasse no abrigo”, disse Gul Fam, uma trabalhadora do lar na aldeia de Aka Jel, na agência Jyber, nas Fata, a oeste de Peshawar, que é considerada a mais alfabetizada. A filha de Fam, Javeria Bibi, estuda na Escola Modelo de Peshawar e vive em uma pensão próxima. “Ela vai muito bem nos estudos e também participa de esportes e atividades extracurriculares”, afirmou a mãe à IPS.
Fam viajou 150 quilômetros até Peshawar para assistir a apresentação anual da escola de sua filha, da qual também participava. Agora espera que seus sacrifícios deem frutos e que quando sua filha crescer seja uma educadora que ajude a formar as novas gerações quando voltar para casa. “Sem educação os habitantes das Fata não podem progredir”, enfatizou. Envolverde/IPS