Além da incerteza que permeia o futuro do Protocolo de Quioto e consequentemente ameaça o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a ferramenta recebeu outra má notícia na última semana. Segundo uma nova análise, mais de 20% dos créditos de carbono gerados pelo esquema vêm de projetos de grandes hidrelétricas que não cumprem as exigências de redução de impactos ambientais e sociais do mecanismo.
O estudo, realizado pela Universidade da Califórnia de Berkeley, mostra que estes projetos não cumprem os requisitos essenciais de adicionalidade do MDL porque são concebidos independentemente de financiamentos climáticos.
Assim, hidrelétricas que têm grandes impactos ambientais e sociais como o deslocamento de comunidades, a perda de terras agrícolas e o declínio de biodiversidade são incluídas no MDL e recebem créditos de carbono a serem vendidos no mercado internacional. O relatório mostra que esses projetos não estão sendo executados pelo MDL por causa de seu auxílio, e sim por causa de decisões governamentais estratégicas.
“Desenvolvedores de projetos podem escolher valores de entrada estrategicamente a fim de mostrar que seus projetos são menos financeiramente viáveis do que realmente são. As receitas do MDL compõem uma fração muito pequena de grandes projetos de infraestrutura como grandes hidrelétricas para ser capaz de influenciar sua viabilidade”, explicou Barbara Haya, coautora da pesquisa.
E de acordo com o documento, esse tipo de situação ocorre porque há brechas nos testes de adicionalidade da ferramenta, que instituem quais serão os benefícios ambientais e sociais trazidos pelos projetos. Esse problema ocorre, sobretudo, na China e na Índia, que detém mais de 66% da capacidade total de hidrelétricas sob o MDL, ou mais 500 projetos.
“Testes de adicionalidade – há falhas? Temo que a reposta seja: sim. Experiências mostram que esse conceito é simplificado demais. Todos nós sabemos disso: cálculos de TIR [taxa interna de retorno] ainda são relativamente fáceis de manipular. Vamos admitir que é assim que é a realidade”, lamentou Lex de Jonge, membro do Comitê Executivo do MDL.
“Prometer benefícios de projetos de MDL em um estágio inicial do projeto é fácil. Benefícios reais só ocorrerão uma vez que os desenvolvedores de projetos sejam obrigados a garantir a sustentabilidade de um projeto ao longo da implementação do projeto”, criticou Eva Filzmoser, do CDM Watch.
Além de apontar o problema, o trabalho também dá exemplos de projetos com impactos ambientais e sociais e avalia a implementação do processo de monitoramento de seleção.
“Projetos de hidrelétricas de todos os tamanhos podem ter impactos sociais substancialmente negativos, e não apenas os grandes, mas todos devem ser obrigados a passar por uma verificação extra”, sugeriu Payal Parekh, coautora da análise.
Por fim, o documento faz recomendações, como a supervisão independente do processo de validação dos projetos pelos estados membros e o acesso público aos relatórios de conformidade, a fim de que tais brechas sejam corrigidas.
“O futuro do MDL não depende apenas de obrigações ambiciosas de redução obrigatória de emissões. O MDL também precisa de reformas fundamentais que excluam grandes projetos infraestruturais que prejudicam o clima e em vez disso, promovam projetos sustentáveis com benefícios climáticos claros”, concluiu Filzmoser.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.