Nações Unidas, 5/3/2015 – É possível que a guerra na Síria, que em seus quatro anos já custou a vida de mais de 200 mil pessoas, se deva, ao menos em parte, à mudança climática? Um estudo realizado pelo Observatório da Terra Lamont-Doherty, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, considera “provável que uma seca sem precedentes que assolou a Síria entre 2006 e 2010, avivada pela mudança climática provocada pela atividade humana, pode ter ajudado a impulsionar o levante sírio em 2011”.
Descrita como a pior registrada na história da região, afirma-se que a seca destruiu a agricultura no que é conhecido como o celeiro da Síria, no norte do país, e expulsou os produtores da área para as cidades, onde a pobreza, a má gestão governamental e outros fatores provocaram o mal-estar social que explodiu em março de 2011.
“Não estamos dizendo que a seca provocou a guerra”, alertou Richard Seager, cientista especializado no clima e coautor do estudo publicado no dia 2. “Dizemos que, somado aos demais fatores, ajudou as coisas a passarem para o conflito aberto. E uma seca dessa gravidade se fez muito mais provável pela aridez atual dessa região, induzida pelo homem”, acrescentou.
Doreen Stabinsky, professora de política ambiental na Universidade do Atlântico, dos Estados Unidos, apontou à IPS que, evidentemente, a guerra na Síria é uma situação complexa que não pode ser explicada unicamente pela seca e pelo colapso dos sistemas agrícolas. “Mas sabemos que a produção agrícola será uma das primeiras vítimas da catástrofe climática que está se desenvolvendo”, afirmou.
Na verdade, a mudança climática não é uma ameaça distante, com consequências que ocorrerão em 2050 ou 2100, acrescentou Stabinsky. “O que essa pesquisa demonstra é que os efeitos do clima sobre a agricultura estão acontecendo agora, com consequências devastadoras para aqueles cujo meio de vida se baseia na agricultura”, destacou.
“Podemos, inclusive, esperar no curto prazo mais desse tipo de impacto nos sistemas agrícolas que conduzirá a migrações em grande escala, dentro dos países e entre os países, com um custo humano, econômico e ecológico importante”, previu Stabinsky. O que a pesquisa demonstra antes de tudo é que a comunidade mundial deve levar a crise climática, e suas repercussões para a produção agrícola, muito mais a sério do que tem levado até agora, recomendou a especialista.
Segundo o novo estudo da Universidade de Columbia, a mudança climática também fez com que seagravasse a tensão militar na zona denominada Crescente Fértil, que inclui partes da Turquia, Síria e Iraque. De acordo com a pesquisa, um número crescente de pesquisadores sugere que os extremos climáticos, como as temperaturas altas e as secas, aumentam as possibilidades de violência, que incluem desde ataques individuais até guerras em grande escala.
Alguns especialistas projetam que o aquecimento global provocado pela atividade humana acentuará os conflitos futuros. Outros afirmam que isso já está ocorrendo. Notícias recentes publicadas na imprensa e outros informes vinculam a guerra na Síria, no Iraque e em outros lugares a problemas ambientais, especialmente à falta de água.
O estudo da Universidade de Columbia, que combina dados climáticos, sociais e econômicos, possivelmente é o primeiro a investigar de forma detalhada e quantitativamente essas questões em relação a uma guerra em curso. A pesquisa também assinala que a recente seca afetou a região do Crescente Fértil, onde a agricultura e o pastoreio teriam começado há cerca de 12 mil anos e que sempre experimentou altos e baixos climáticos naturais.
Mas os autores, recorrendo a estudos existentes e à sua própria investigação, demonstraram que, desde 1900, a região teve aquecimento de um a 1,2 grau Celsius, e redução de 10% em suas precipitações. “Demonstraram que a tendência coincide perfeitamente com os modelos de aquecimento global influenciado pela atividade humana e, portanto, não podem ser atribuídos à variabilidade natural”, segundo o estudo.
A pesquisa acrescenta que o aquecimento global teve duas consequências. Primeiro, indiretamente teria debilitado os padrões do vento que trazem ar carregado de chuva do Mar Mediterrâneo, o que reduziu as precipitações durante a temporada de chuvas, de novembro a abril. Em segundo lugar, a elevação das temperaturas aumentou a evaporação da umidade dos solos durante os verões.
A região experimentou secas importantes nas décadas de 1950, 1980 e 1990. No entanto, a seca de 2006 a 2010 foi a pior e a mais longa desde que começaram os registros confiáveis. Os pesquisadores concluem que um episódio com essa severidade e duração teria sido improvável sem as mudanças de longo prazo. Outras pesquisas observaram uma tendência de longo prazo da seca em todo o Mediterrâneo, atribuída, ao menos parcialmente, ao aquecimento global, como afirma um estudo prévio da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos.
O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) projetou que a região do Oriente Médio secará mais nas próximas décadas, na medida em que avançar o aquecimento induzido pela humanidade. Os autores do estudo dizem que a Síria é especialmente vulnerável devido a outros fatores, como o drástico crescimento demográfico, que passou de uma população de quatro milhões de pessoas, em 1950, para 22 milhões nos últimos anos.
Além disso, os governos de Hafez al Assad (1970-2000) e de seu filho, o atual presidente Bashar al Assad, fomentaram o cultivo de produtos de exportação que exigem alto consumo de água, como o algodão, explicaram os investigadores.
A perfuração ilegal de poços para irrigação esgotou as reservas de água subterrânea que poderiam ter servido para os anos de seca, destacou Shahrzad Mohtadi, uma das autoras do estudo, encarregada dos componentes econômicos e sociais da pesquisa. Segundo o estudo, os efeitos da seca foram imediatos. A produção agrícola, que em geral constitui 25% do produto interno bruto do país, caiu um terço.
Na área do nordeste, o gado praticamente desapareceu, o preço dos cereais duplicou e cresceram drasticamente as doenças derivadas da má nutrição entre as crianças. Cerca de 1,5 milhão de pessoas fugiram das zonas rurais para a periferia das cidades, por si só já ressentidas pela chegada de refugiados da guerra no vizinho Iraque. O governo de Assad não fez muito para melhorar o emprego ou os serviços nesses subúrbios, segundo Mohtadi. O levante de 2011 começou em grande parte nessas áreas.
Segundo os autores, “as rápidas mudanças demográficas fomentam a instabilidade. É impossível saber se foi um fator principal ou substancial, mas a seca pode ter consequências devastadoras quando acompanhadas de uma forte vulnerabilidade persistente”, ressaltaram os autores. Envolverde/IPS