Miami, Estados Unidos, novembro/2011 – A declaração da ETA anunciando o fim permanente de suas atividades criminosas representa, pelo menos, o começo do que pode ser a etapa definitiva do desaparecimento do solo da União Europeia do último rastro de terrorismo autóctone. A origem do grupo criminoso deve ser rastreada à sublimação de uma nacionalismo que reclamou estar baseado em alguns argumentos étnicos. Da defesa dos fóruns no Século 19 se desenvolveu um movimento de alcance limitado, depois concretizado em formações políticas, como o Partido Nacionalista Basco (PNV).
Essa tendência se dividiu depois em dois ramos diferenciados. Um reclamava o fato diferencial basco, a existência de uma cultura e uma língua constatáveis e desejos de plasmar um Estado independente por procedimentos democráticos. Outra não estava disposta a esperar por esse caminho visto como utópico e inatingível. Enquanto a primeira sobreviveu entre duas águas e conseguiu gozar de um apoio majoritário, dominando o governo autonômico, a outra optou pela linha da violência.
A linha violenta esteve em sua origem ajudada pelo próprio regime franquista, que em suas etapas finais não fez mais do que se opor, não somente aos argumentos da ETA, mas a qualquer movimento, tendência ou reclamação histórica que questionasse a imobilidade do Estado espanhol. Este imobilismo deu força ao grupo, que conseguiu alguns êxitos de repercussão, como o assassinato do vice-presidente franquista, almirante Carrero Blanco, em 1973, e a ameaça seria à sucessão do regime.
Porém, com a reconstrução da democracia, em 1976, a ETA tentou, de maneira figurada, tirar o capuz com que se cobre ao dar declarações. Apresentou-se como um movimento supostamente “socialista” que tinha por objetivo não apenas a independência, mas a reconversão do regime democrático em um totalitário.
A ETA já havia ensaiado sua estratégia nos estertores do franquismo. Baseava-se em provocar uma resposta repressora das forças de segurança, e, sobretudo, em uma missão final, do próprio exército. Essa ação errônea receberia a resposta de uma população generalizada que interpretaria o Estado como inimigo não apenas dos setores independentistas radicais, mas também de toda a “nação” basca, entidade de diferente interpretação segundo os setores sociais, inclinações políticas ou mesmo localização geográfica. O povo, então, se rebelaria contra o chamado “Estado espanhol”.
Entretanto, aconteceu que a violência foi rejeitada majoritariamente pela sociedade e reduziu o setor votante dos interesses da ETA a representações testemunhais. Porém, os núcleos nacionalistas de diferentes graus cresceram na medida em que as legislações estatais não conseguiam fazer desaparecer completamente o tênue apoio eleitoral. A ilegalidade de partidos políticos (Herri Batasuna) considerados braços da organização, embora tenha enfraquecido a ETA, foi replicada com a transmigração da ideologia (não necessariamente terrorista) para outras formações, existentes ou inventadas (Sortu, Bildu).
No exterior, de certo modo, o grupo criminoso, como era a definição legal do Estado espanhol, apesar de rotulado como “terrorista” pela União Europeia e pelos Estados Unidos, via-se beneficiado por um mal-entendido romântico. Era exercido por certa imprensa internacional, predominantemente anglo-norte-americana, que se referia à ETA com termos tão suaves quanto “grupos independentistas”, “rebeldes” ou apenas “nacionalistas”.
Por sua origem em tempos de ditadura, construiu-se uma carapaça de justificativa histórica, com potencial no futuro. Mas o desaparecimento do Exército Republicano Irlandês (IRA) pôs em evidência a ETA e a apontou como último vestígio de terrorismo rigidamente europeu. A globalização não gerou alianças com grupos afins no resto do mundo. Os próprios terroristas bascos rechaçavam, por razões que iam do racismo até o modelo nacional final, a simbiose com o fundamentalismo islâmico violento. Estes grupos sempre demonstraram desdém pelo que consideravam provinciano e afastado de uma meta universal.
O próprio recrudescimento do terrorismo da Al Qaeda, exemplificado em ações de tal magnitude, crueldade e covardia, como os ataques de 11 de setembro, em Londres e, sobretudo, na própria Madri, despojaram a ETA da pouca cobertura que lhe restava para obter um apoio popular além do testemunhal. A sólida colaboração da França na luta antiterrorista acabou enfraquecendo a ETA ao máximo. Os setores que deram apoio moral e econômico consideraram que a aposta mais rentável era infiltrar o sistema democrático de novo. Seu maior êxito é a colheita de votos de Bildu nas últimas eleições municipais, vencendo em várias municipalidades nas três províncias bascas e ganhando a prefeitura da emblemática capital de Guipúzcoa, a também emblemática San Sebastián.
No entanto, deve-se ressaltar que a declaração da ETA ainda é arrogante, pois somente reconhece a dor de seus agentes eliminados ou na prisão, e não recorda as mais de 800 vítimas inocentes de suas próprias ações. Reduz o conflito a um tema meramente político, exigindo um “diálogo” direto com o governo. Terá de esperar, sobretudo quando se constituir o novo governo espanhol que surgir das eleições de novembro, para ver que tipo de negociação, se houver, será estabelecido. Os dois temas pendentes importantes são a admissão de perdão pelas vítimas e o tratamento dos presos. Não será nada fácil enquanto a ETA não se dissolver e entregar as armas. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).