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Etiópia mira as estrelas e sonha em ser um centro espacial

Solomon Belay, diretor do Centro de Investigação e Observação de Entoto, à direita de um dos telescópios do Observatório de Entoto. Foto: James Jeffrey/IPS
Solomon Belay, diretor do Centro de Investigação e Observação de Entoto, à direita de um dos telescópios do Observatório de Entoto. Foto: James Jeffrey/IPS

 

Adis Abeba, Etiópia, 11/6/2014 – Na montanha de Entoto, coberta de eucaliptos e de onde se pode contemplar esta capital, estão quase acabadas as obras do que será o primeiro observatório espacial do país. Os cientistas envolvidos no projeto asseguram que a promoção dessa área do conhecimento contribuirá para o desenvolvimento desse país do Chifre da África.

“A tecnologia espacial costuma ser considerada um luxo só possível nos países em desenvolvimento”, disse à IPS Solomon Belay, diretor do Centro de Investigação e Observação de Entoto. “Mas, na realidade, é uma necessidade básica e vital para o desenvolvimento”, afirmou. A tecnologia espacial pode ser aplicada a muitas questões básicas da vida, como saúde, energia, segurança alimentar e gestão ambiental, ressaltou.

A topografia – o observatório fica a 3.200 metros de altitude – e o clima ideal da Etiópia, como as poucas nuvens que tem durante a maior parte do ano, convertem o país em um lugar ideal para observar o firmamento. Na verdade, já está prevista a construção de outro observatório perto da cidade de Lalibela, onde ficam as famosas igrejas talhadas na rocha, que se localizará a uma altitude ainda maior, de 4.200 metros.

Os cientistas envolvidos disseram à IPS esperar que os observatórios sirvam como pontapé inicial para promover uma cultura científica no país, o que será importante impulso para o desenvolvimento socioeconômico graças às suas muitas aplicações tanto no setor público quanto no privado.

Josef Huber, engenheiro de sistemas da empresa alemã Astelco Systems e que foi encarregado da construção e instalação dos telescópios do Observatório de Entoto, afirmou à IPS que estudar as estrelas vai além do desenvolvimento. “Quando se observa Saturno pela primeira vez, e ele deixa de ser apenas uma fotografia, ficamos impressionados”, contou Huber, também voluntário em um observatório público da cidade de Munique, na Alemanha.

“Para muitos seu mundo se resume à sua casa e aos seus vizinhos, mas quando veem além disso nunca mais brigam com o vizinho, especialmente se considerarem que uma estrela pode explodir e apagar de vez uma galáxia”, acrescentou Huber.

Os observatórios também oferecerão infraestrutura de capacitação e pesquisa para estudantes das 33 universidades locais e permitirão atrair cientistas internacionais. Inclusive, existe o desejo de converter a Etiópia na versão africana do Chile, um centro global para a pesquisa em astronomia. Mas nem todos compartilham desse entusiasmo.

Nos últimos tempos surgiram nos meios de comunicação polêmicas sobre esse assunto porque os doadores continuam destinando milhões de dólares em ajuda aos países africanos e estes embarcam em aventuras aeroespaciais, enquanto muitas pessoas sofrem em assentamentos irregulares e aldeias rurais. A Etiópia continua sendo um dos maiores beneficiários da ajuda estrangeira. Estima-se que quase 70% dos habitantes da África subsaariana vivem com menos de US$ 2 por dia. Neste país estima-se que 29% da população vive na pobreza.

Mas a Etiópia conta com o Observatório de Entoto, cuja construção chegou a US$ 4 milhões, e tem dois telescópios modernos, de um metro cada, pesando seis toneladas e custo de US$ 1,5 milhão. Tudo isso foi possível graças à Sociedade de Ciência Espacial da Etiópia (ESSS), fundada há dez anos para promover essa área do conhecimento. Inicialmente a ESSS teve de importar telescópios dos Estados Unidos, o que era um problema devido ao câmbio, recordou Abinet Ezra, diretor de comunicações da instituição.

“O desenvolvimento científico não é fácil na África”, disse Solomon à IPS. “A ciência precisa de visibilidade política porque se não for assim não é considerada suficientemente importante ou não recebe recursos”, acrescentou. As estratégias econômicas não costumam estar vinculadas à ciência e à tecnologia. A atenção costuma ficar concentrada na agricultura de pequena escala.

São poucos os países africanos que têm programas espaciais e que lançaram satélites, como Egito, Marrocos, Nigéria e África do Sul. Mas logo outros se unirão a eles. Além dos esforços da Etiópia, há pouco Gana e Uganda criaram programas espaciais. “As autoridades reconheceram o papel da ciência espacial no desenvolvimento da Etiópia e apoiam o investimento em novos observatórios e programas”, destacou Ezra.

Atualmente, a astronomia não está muito desenvolvida na África subsaariana, com exceção da África do Sul, o que, precisamente, buscar rever o Observatório de Entoto, com mestrados e doutorados em observação e teoria astronômica, ciência espacial e observação da Terra. Também pode atrair benefícios econômicos graças aos visitantes e à venda de informação como previsão climática em tempo real, entre outros.

Entretanto, o que mais atrai os incentivadores desses programas são os benefícios intangíveis. “A astronomia faz com que os jovens se voltem à ciência e à tecnologia. Um programa espacial é uma ferramenta importante para inspirar estudantes a desfrutar da física e da química”, destacou Solomon.

“Quando era criança, a ciência espacial me encantava, mas não pude encontrar nenhum lugar onde estudar”, contou Eyoas Ergetu, de 24 anos, estudante de engenharia mecânica da universidade de Adis Abeba, que faz parte da equipe científica do observatório. “Estou muito contente de trabalhar aqui”, disse à IPS.

A ESSS quer que a Etiópia se ponha ao lado dos outros países africanos que lançaram satélites e pressiona o governo para que se concentre em tentar consegui-lo na próxima década. É uma forma de melhorar as telecomunicações e supervisionar diferentes atividades, como mineração e agricultura, bem como a construção de grandes obras de infraestrutura, como o projeto hidrelétrico Represa do Renascimento. Esta iniciativa gerou polêmica desde que foi anunciado em 2011 por causa de seu possível impacto ambiental.

A Etiópia já recorre a satélites estrangeiros para isso e paga por esses serviços. “Se a Etiópia quer lançar foguetes, necessitará de gente para projetá-los, quero ser uma dessas pessoas”, afirmou Ergetu, que começará a estudar engenharia aeroespacial.

Os sinais são animadores. No próximo ano orbitará um pequeno satélite projetado e construído no Instituto de Tecnologia de Adis Abeba, o primeiro concebido na Etiópia. Será lançado junto a outros 49 de várias organizações internacionais por um só foguete dentro do projeto QB50, uma iniciativa europeia.

Este ano, a União Astronômica Internacional (UAI) assinou importante acordo com sócios etíopes para instalar um nódulo regional do Escritório de Astronomia para o Desenvolvimento da UAI. Será o primeiro no continente africano dentro da estratégia da organização para gerar benefícios sociais da astronomia. Envolverde/IPS