Quando George Bush, republicano conservador, começou a destruir o equilíbrio orçamentário inédito em muitas décadas arduamente conquistado pelo democrata Bill Clinton, ninguém diria que um presidente democrata enfrentaria risco de default três anos depois.
Talvez não chegue a ser um black swan. Mas está na categoria do “pensar o impensável”. Pois hoje, nenhum analista bem informado de Washington estaria disposto a descartar que este possa vir a ser o verão do impensável: moratória do Tesouro do EUA. Obama enfrenta um duro desafio. Os republicanos, responsáveis pela gastança que transformou o superávit fiscal em déficit, querem colocá-lo no córner. Só votam para elevar o nível legal de endividamento e evitar o default se Obama aceitar proposta de cortes adicionais de gastos. É uma forma de empurrar o presidente democrata para um caminho que irritará muitos eleitores, nas portas da campanha presidencial. Se aceitasse a moratória, Obama criaria uma crise financeira global de enormes proporções, destruiria a credibilidade do dólar e do icônico T-Bond de 30 anos. Isso também o colocaria em dificuldades nas eleições.
Já não bastasse o inverno rigoroso, que teve consequências econômicas negativas e custou vidas. Este início de verão trouxe chuvas intensas, que ameaçam fazer o Mississipi inundar a traumatizada cidade de New Orleans e a capital do estado, Baton Rouge. Os custos para a agricultura local já são elevados. Milhares de pessoas estão desalojadas. O dano patrimonial é muito grande já e o custo para a indústria de seguros muito alto e com risco de se elevar ainda mais. Agora até o T-Bond está ameaçado.
O TBond é um marco na geografia dos “safe heavens”, das zonas de segurança do mercado financeiro. É para onde todos os investidores correm quando o risco está muito alto e permeia todos os mercados. Só China e Japão detém mais de US$ 2 trilhões de T-Bonds. O Brasil deve ter perto de US$ 200 bilhões.
Uma vez, em um seminário na Suíça, um ex-Chancellor of the Exchequer me disse que havia uma forma simples de determinar a credibilidade e solidez financeira de um país. “Basta verificar se as pessoas estariam dispostas a aplicar suas poupanças em um título de 30 anos do Tesouro desse país. São muito poucos os que passam hoje neste teste, mas todos os países devem tentar atingir esse status.” O EUA era um desses poucos e o TBond de 30 anos tem sido um símbolo de segurança.
A Secretaria do Tesouro, consciente de que pode não haver acordo em tempo hábil – o limite legal de endividamento foi alcançado nesta segunda-feira – começa a planejar atraso em pagamentos. Será preferível atrasar pagamentos a fornecedores, funcionários, pensionistas e tropas, que admitir a moratória.
Mas atrasar pagamentos não é saída. É paliativo de curto prazo. A única solução é um acordo no Congresso, que Obama vem negociando há semanas. Ele admite cortar mais gastos, mas quer definir onde cortar. Não vai aceitar os cortes republicanos, desenhados politicamente para causar-lhe o máximo de dano eleitoral.
Os republicanos não têm todos os trunfos na mão. Obama pode transferir para eles a culpa pelos atrasos de pagamentos. Sua popularidade está começando a se recuperar. Quanto mais dolorosos forem os atrasos para o eleitorado republicano, mais pressão o partido sofrerá e mais difícil ficará fazer um candidato viável. A popularidade do partido está em baixa, exatamente porque radicalizou demais. Além disso, a maioria não deseja a moratória. Uma pesquisa de hoje mostra que 56% dos eleitores acham que a moratória seria desastrosa para o EUA. Entre os democratas, 64% pensam assim, e entre os independentes, 55%. Mesmo dos que se auto-declaram republicanos, 49% têm a mesma opinião. Só 38% acham que a moratória não teria grandes consequências.
Na semana passada, os Republicanos perderam seu candidato mais popular, Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas, terra de Clinton. Huckabee estava com dificuldades para financiar sua campanha, mas o anúncio de que não concorreria às primárias foi inesperado. Deixou o campo republicano mais complicado.
Não é uma situação fácil. O mais provável é que, ao final, saia um acordo de compromisso. Mas é uma situação muito perigosa para o equilíbrio financeiro e para o desempenho da economia global. E nós temos que nos precaver também.
* Publicado originalmente no site Ecopolítica.