Roma, Itália, junho/2011 – Da Escandinávia ao Mediterrâneo, a Europa está sendo atravessada por mudanças sociais e políticas de alcance tão vasto que colocam em discussão seus princípios fundamentais. Também a diversidade, que foi uma constante europeia enriquecedora de nossa história, agora é vivida como uma ameaça. Os sinais estão diante de nossos olhos: intolerância e fanatismos que se propagam, crescente apoio a partidos populistas e xenófobos, presença sempre mais maciça de imigrantes sem status e sem direitos, comunidades “paralelas” que não interagem com restante da sociedade, liberdades individuais oprimidas e democracias em crise.
Diante deste preocupante cenário aceitei, em julho do ano passado, o convite do secretário-geral do Conselho da Europa, Thorbjorn Jagland, para integrar um grupo restrito de “personalidades” europeias, presidido pelo ex-ministro das Relações Exteriores, Joschka Fischer, com o mandato de preparar um informe sobre como combinar liberdade e diversidade – dois conceitos centrais da identidade europeia – no Século 21. O fruto de nosso trabalho, divulgado dia 11 de maio, opõe uma alternativa a esta onda de populismo e tenta indicar o caminho para uma Europa mais forte e mais segura de si mesma e que integre as diversidades, em lugar de rejeitá-las inutilmente. Fizemos a pergunta: se é possível ser afro-norte-americnao ou ítalo-norte-americano, será impossível imaginar um europeu seguido de um roteiro, por exemplo, anglo-asiático ou ítalo-africano ou euro-mediterrâneo?
Pensamos que uma Europa deste tipo pode existir desde que todos os que nela residem estavelmente sejam aceitos como cidadãos, independente de sua fé religiosa, sua cultura ou sua etnia. Como todos os demais cidadãos em uma democracia, eles devem poder ter acesso à aplicação das leis, conscientes de que nem uma religião nem uma exceção cultural podem se converter em desculpas para violá-las.
No informe propomos uma espécie de manual das diversidades contendo 17 princípios-guia para governantes, legisladores e ativistas em geral. Basicamente, deve haver um consenso sobre o fato de a legalidade valer para todos, mas colocando cada um em condições de compreender o que dizem as leis e como podem ser mudadas. São necessárias medidas particulares para garantir a igualdade de oportunidades a membros de comunidades marginalizadas. A liberdade de expressão deve ser defendida sempre, jamais limitada com o pretexto de aplacar comportamentos violentos ou intimidatórios. Ao mesmo tempo, não podem ser subestimadas as declarações públicas que alimentem preconceitos contra minorias ou imigrantes.
Para colocar em prática estes princípios convidamos os Estados que integram o Conselho da Europa a concederem os direitos e deveres derivados da cidadania, inclusive o direito de voto, ao maior número possível de habitantes e, como passo intermediário, outorgar a todos os residentes estrangeiros o direito de voto nas eleições administrativas. Também deve ser corrida a imagem estereotipada dos imigrantes na questão da força de trabalho, já que as projeções demográficas indicam que, sem imigrantes, seremos sempre menos e mais velhos. A Comissão Europeia calcula que nos próximos cinco anos, em seus 27 Estados-membros, a população ativa diminuirá cerca de cem milhões, apesar do aumento constante da população nesse período.
Não colocamos em discussão o controle sobre os fluxos de imigrantes, mas o fato de garantir a quem solicitar asilo e aos imigrantes um tratamento equitativo e humano. O escândalo maior – o apontamos com força no informe – é o tratamento sofrido pela maior minoria na Europa, a comunidade rom (cigana), estimada entre dez e 12 milhões de pessoas. Ao contrário de outras minorias, na Europa os rom não são recém-chegados e uma vasta maioria possui a cidadania de países europeus. Diferenciam-se do restante da população principalmente devido à sua exclusão social. Em todos os países europeus sua renda média e seu nível de instrução e emprego os colocam no fundo da escala social.
Nenhum outro grupo é alvo de tal discriminação e nenhum país europeu pode se dizer orgulhoso do tratamento que dispensa aos rom. Sua condição se traduz em uma das violações mais persistentes cometidas do que nós, os europeus, costumamos chamar de “nossos valores”. Na Itália, o ministro do Interior chegou ao ponto de lamentar não podermos repatriá-los porque “aqui muitos têm a cidadania italiana, têm direito de ficar e não se pode fazer nada”.
A Itália não está sozinha na promoção de políticas de não integração ou inclusão de cunho racista ou xenófobo: este mesmo tipo de política prolifera em cada ângulo da Europa. Uma tendência perigosa que é preciso reverter enquanto temos tempo para fazê-lo. Para isso, pedimos ao Conselho da Europa e à União Europeia que trabalhem em conjunto em uma política comum para a imigração. E, ao mesmo tempo, estendam a mão aos nossos vizinhos do Oriente Médio e Próximo e do Norte da África, oferecendo-lhes uma possibilidade séria de participar, com o status adequado, nas instituições e nas convenções europeias. Se este caminho for seguido, pensamos que a Europa poderá se converter em um lugar melhor do que é agora. Envolverde/IPS
* Emma Bonino é vice-presidente do Senado italiano, dirigente do Partido Radical e membro do Grupo de Personalidades Eminentes do Conselho da Europa.