Roma, Itália, maio/2011 – O presidente do Conselho de Ministros das Finanças da Europa e primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean Claude Junker, ficou famoso por declarar: “Todos sabemos o que teríamos de fazer, mas se o fizéssemos perderíamos todas as eleições”. Esta frase de impotência da política ilustra bem o caminho que a Europa está percorrendo.
O governo de Portugal é a última vítima neste caminho. Todos os mecanismos criados pelas instituições europeias para ajudar seus membros em crise colocam como condição a necessidade de eliminar o déficit orçamentário nacional. Contudo, já temos dados suficientes para saber em que estão mentindo.
Grécia, Irlanda e agora Portugal têm acesso a centenas de milhares de milhões de euros de ajuda. Porém, são empréstimos, e apesar de os juros serem um pouco menores do que os do setor bancário privado são sempre muito altos e a cada dia vão se acumulando. Para receber estes empréstimos, os governos se comprometem a cortar seus orçamentos mais do que o politicamente aceitável. E, no caso de países com elevada dependência do gasto público para sua sustentabilidade e crescimento, reduções drásticas sempre significam desaceleração econômica, quando não inflação, tornando ainda mais difícil pagar cada euro da dívida.
Isto se chama, em economia, “armadilha da dívida”. O remédio tradicional era desvalorizar a moeda nacional, o que agora é impossível para os 17 países que adotaram o euro como moeda única, ou declarar algum tipo de bancarrota, igualmente impossível, já que arrastaria todo o castelo europeu. Simon Tilford, economista-chefe do Centro para a Reforma Europeia, de Londres, escreveu: “Há um limite para os cortes orçamentários que um governo pode aplicar e sobreviver politicamente, ver a luz no fim do túnel, uma perspectiva de crescimento”.
Sabemos que esta luz não vem da Grécia, nem da Irlanda, nem de Portugal. As estatísticas até agora nos dizem que os Estados não puderam aumentar suas rendas, pelo contrário, em boa parte porque o déficit fiscal aumenta, com desemprego e redução de investimentos privados e, sobretudo, públicos. Como observou Antonio Nogueira Leite, economista do Partido Social Democrático português (o direitista opositor do partido de centro-esquerda do renunciante primeiro-ministro José Sócrates): “As possibilidades de a Grécia ter de reestruturar sua dívida não são melhores do que há um ano, e os negociadores terão isso em mente quando for discutida a taxa de juros a ser aplicada aos empréstimos europeus”. E a revista Economist escreveu: “O plano internacional para salvar a Grécia, pelo contrário, está paralisando”.
Como sempre, se descobre que um fator importante é o sistema financeiro. Os bancos de Alemanha, França, Grã-Bretanha e Holanda, por exemplo, têm grande quantidade de bônus da Grécia, Irlanda e de Portugal. Se estes últimos não puderem pagar suas dívidas, o sistema bancário dos primeiros – considerados fortes – enfrentarão uma grave crise.
Por outro lado, a reforma financeira britânica, da qual se esperava que finalmente introduzisse medidas de controle para evitar no futuro os excessos especulativos que causaram a crise atual, deu resultados muito limitados. Os banqueiros voltaram a cobrar salários exorbitantes, sem nenhuma relação com os resultados das operações, e sabemos que o sistema continua mantendo em circulação 50% dos títulos tóxicos, apesar dos bilhões de dólares destinados para salvá-las.
Neste cenário, os Estados Unidos entram como grandes elementos de instabilidade internacional. Sua crise é simbolizada pela luta republicana a fim de reduzir o orçamento federal, encerrada com uma derrota do presidente Obama, que teve de aceitar um corte de US$ 83 bilhões. E uma batalha muito mais grave se prepara agora, já que os republicanos querem reduzir drasticamente todos os gastos sociais e públicos.
A realidade é desgraçadamente muito simples. O público norte-americano não aceita uma imposição fiscal acima de 28%. Para manter o equilíbrio, a imposição teria de subir para 32%. Isto é politicamente impossível, e para os Estados Unidos acabou o tempo de viver exportando seus problemas internos para a economia mundial, graças ao status do dólar como moeda de reserva internacional. Os bônus do Tesouro norte-americano têm, a cada ano, menor demanda, o dólar continua perdendo valor e a última expansão monetária (chamada quantitative easing), de US$ 600 bilhões do Federal Reserve, provavelmente seja a última possível antes de causar graves consequências.
Como se vê, também nos Estados Unidos o déficit fiscal prevalece sobre o déficit social. E, há dias, o povo da Islândia votou contra o governo usar o dinheiro dos cidadãos para eliminar as perdas bancárias e protestar contra as reduções. É uma indicação do que se está preparando? IPS/Envolverde
* Roberto Savio é fundador e presidente emérito da agência de notícias Inter Press Service (IPS).