Nova York, 20/5/2011 – Desde a designação do belga Camille Gutt como primeiro diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional em 1946, os europeus continuam reclamando esse cargo como direito próprio. Sucessivos diretores do FMI procederam da França (4), Suécia (2) e Alemanha, Espanha e Holanda (uma vez cada).
A renúncia, ontem, do francês Dominique Strauss-Khan, após ser acusado de assédio sexual contra uma camareira em um hotel de Nova York, fez disparar especulações de que outro europeu ocuparia um dos postos mais poderosos nas finanças internacionais. No topo da lista de candidatos figura a atual ministra das Finanças da França, Christine Lagarde, e que poderia ser a primeira mulher a dirigir esse organismo de crédito com sede em Washington.
O diretor-executivo do Global Policy Forum, James A. Paul, disse à IPS que a renúncia de Strauss-Khan oferece uma importante oportunidade. “Pelo menos existe a possibilidade de o chefe do FMI poder sair de algum outro lugar que não seja a Europa, e eleito de forma transparente”, afirmou. As instituições financeiras internacionais sempre estiveram sob controle dos Estados Unidos e da Europa, cujos candidatos são escolhidos longe do olhar do público. “Como no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), as instituições financeiras refletem uma desgastada geopolítica”, acrescentou.
Na década de 1940, Estados Unidos e Europa chegaram a um “acordo de cavaleiros” para que o diretor-gerente do FMI fosse europeu e o presidente do Banco Mundial fosse norte-americano. Em contraste, o posto de secretário-geral da ONU rodou entre os diferentes grupos regionais: Europa (Áustria, Noruega e Suécia estiveram representadas desde 1946) África (Egito e Gana), Ásia (Birmânia e Coreia do Sul) e América Latina e Caribe (Peru).
Segundo Paul, circularam nomes da Índia, Turquia e África do Sul, prometendo uma nova liderança no FMI. “Entretanto, surpreendentemente nos disseram que Christine Legarde, ministra das Finanças da França, é a principal candidata”, acrescentou, reconhecendo que significaria um passo importante ter uma mulher à frente do FMI, sobretudo em contraste com o escândalo que cerca Strauss-Khan e seu histórico em matéria de igualdade de gênero.
“Sem dúvida, é hora de iniciar um sério processo de seleção, um processo que considere candidatos de todas as regiões do mundo, não apenas os pré-cozidos da mesma forma que sempre”, afirmou Paul. A junta do FMI deveria levar a sério um processo democrático, no qual as candidatas sejam consideradas. “Mas não voltemos às velhas fórmulas de dominação ocidental em um mundo que avançou”, ressaltou.
Os europeus insistem que o FMI precisa de líderes europeus para resolver a crise econômica que o continente atravessa. Strauss-Khan supervisionava planos de resgate financeiro na Grécia, Irlanda e Portugal, no valor de US$ 141 bilhões. Chakravarthi Reghavan, veterano jornalista na ONU, criticou esse argumento: “justamente, é uma razão válida para não ter um europeu à frente do FMI”.
Na década de 1980, quando a reestrutura e democratização das instituições financeiras internacionais estava na agenda, Estados Unidos e Europa argumentavam que os países do Sul em desenvolvimento não podiam controlá-las já que recebiam dinheiro delas. “Aqui se aplica a lógica. Não se deveria permitir a nenhum europeu dirigir o FMI”, disse Raghavan, ex-editor-chefe do South-North Development Monitor, publicado em Genebra, e editor do Third World Economics.
De fato, os pacotes de resgate para a Europa foram esforços para proteger os interesses de bancos franceses e alemães, que são os principais emprestadores e portadores de bônus de Grécia, Espanha e Portugal, ressaltou o jornalista. “Não estou certo de seus candidatos terem chances, mas os países do Sul deveriam estar unidos”, acrescentou.
Um diplomata da ONU, que pediu para não ser identificado, afirmou à IPS que “os europeus disseram que gostariam de conservar o cargo. Então, não têm planos de abandonar o controle do FMI”. Será difícil para o mundo emergente reclamar liderança se os europeus mantiverem essa postura, acrescentou. Europa, Estados Unidos e Japão têm maioria dos votos nesse organismo. Isto não quer dizer que não haja candidatos capazes nas economias emergentes, prosseguiu o diplomata. “Estou certo de que grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e outros podem apresentar bons candidatos se desejarem”, acrescentou.
Entretanto, se a Europa se propõe manter o controle sobre o máximo cargo para resolver sua crise, precisará de um candidato disposto a se solidarizar, e dificilmente será encontrado na África, América Latina ou Ásia. Tradicionalmente, o diretor-gerente do FMI é eleito por 187 membros da instituição. Deve obter 85% dos votos. Mas o poder de voto está concentrado nos principais contribuintes do Fundo: Estados Unidos (16,7%), Japão (6%), Alemanha (5,8%), Grã-Bretanha (4,8%), França (4,8%), China (3,6%) e Itália (3,2%).
Uma coalizão global de organizações não governamentais pediu um processo aberto e transparente na eleição do novo diretor-gerente do FMI e o fim do monopólio europeu. Os grupos, entre eles Bretton Woods Project, ActionAid, Oxfam e Eurodad, querem “um processo justo, transparente e baseado em méritos”. Elizabeth Stuart, porta-voz da Oxfam, afirmou que “a única forma de dar legitimidade e autoridade ao novo chefe do FMI é por meio de uma votação aberta, e que o ganhador tenha apoio de uma maioria de países”. Envolverde/IPS