Barcelona, Espanha, março/2012 – Ignacio Ramonet, em um recente artigo intitulado Geração sem futuro, citava uma frase de André Guide que agora se mostra especialmente pertinente: “o mundo será salvo, se puder sê-lo, só pelos insubmissos”.
A inércia é o grande obstáculo para a evolução, isto é, para mudar oportunamente o que deve ser mudado e conservar o que se deve conservar. A reticência à modificação e adaptação, a tentação de deixar tudo como está e utilizar fórmulas de ontem para resolver problemas de hoje é uma atitude particularmente negativa quando as transformações são inadiáveis… Porque podem derivar em revolução.
O mais perigoso da inanição é que se estende a impressão de que as coisas são como são, de forma inexorável, como o próprio destino. E se reduz e atenua a faculdade criadora que difere a espécie humana.
Como bioquímico, prego há anos imitar a natureza, seguir seu conselho, já que a evolução, ainda a mais urgente, não representa violência. Tensão criadora – “a dificuldade aguça o engenho” – sim, mas usando o intelecto e não a força.
Recentemente, José Monleón publicou o livro A evolução pendente, no qual, com grande conhecimento da realidade e capacidade prospectiva, analisa as possibilidades de evolução em escalas local e planetária. Levá-la a termo sem dilação constitui um dos grandes desafios do presente. Para esclarecer os horizontes hoje tão sombrios são necessários novos enfoques. Trata-se de uma crise sistêmica que afeta particularmente o Ocidente, porque foi o Ocidente que a provocou.
Em 1991, escrevi que o “colosso soviético cairia porque, baseado na igualdade se esquecera da liberdade. O sistema capitalista, baseado na liberdade, desmoronará igualmente caso se esqueça da igualdade”. O presidente Reagan e a primeira-ministra Thatcher pensaram que chegara o momento da hegemonia “do Ocidente”, e não só marginalizaram totalmente as Nações Unidas e as substituíram por grupos plurocráticos de seis, sete, oito… 20 países prósperos, mas que substituíram, também, e esta é a causa real do fracasso da “globalização neoliberal”, os princípios democráticos pelas leis do mercado.
Diante da crise de 2008, com muitas consideráveis bolhas imobiliárias em alguns casos, acentua-se progressivamente uma reação implacável da “zona do dólar” em relação à “zona do euro”. Sobretudo nos últimos meses, o presidente Obama conseguiu emitir fundos para incentivar as grandes obras públicas e a criação de emprego por meio do apoio às pequenas e médias empresas, e iniciou não apenas uma política de desarmamento muito considerável, mas também decididamente voltou a vista para o Pacífico. A Europa, por outro lado, continua sem ter um sistema autônomo de segurança, sem se federalizar fiscalmente, ao menos, e sem emitir incentivos para aumentar o emprego, baseando toda a sua política nos cortes e na austeridade. Política que já alcança limites muito perigosos em alguns países.
Os “mercados” – emanação do “grande domínio” financeiro, militar, estratégico e midiático – não só condicionam, uma vez “resgatados”, os acontecimentos econômicos e acossam os governantes europeus, como chegam ao cúmulo de forçar a designação de primeiros-ministros e de governos sem eleições. Sua influência alcança uma gravíssima patologia social, frente à qual devemos reagir rapidamente.
A Grécia está ardendo. Foram cometidos muitos excessos… Porém, os que pagam, como sempre, são os mais vulneráveis. A “troia” exige agora reduzir mais 15 mil funcionários… O que provocará não apenas mais recessão como podem ser alcançadas situações nas quais os efeitos sociais levem a encher o copo da ponderação e da mesura. Há que se evitar a explosão social na Grécia, que poderia, também, ter efeitos “contaminantes”.
“A Europa deve ser dar conta de que a austeridade por si só não resolverá seus problemas. Pelo contrário, exacerbará a desaceleração econômica. No entanto, acrescenta, os programas de longo prazo – incluídas a mudança climática e outras ameaças ambientais e a crescente desigualdade na maioria dos países do mundo – continuam intactos… Ou pioram”, escreveu Joseph Stiglitz.
Sinceramente, o BCE, o FMI e a Comissão Europeia deveriam captar estas mensagens, às quais se fazem de surdos.
Houve grandes manifestações em Portugal, em novembro do ano passado, onde as águas seguem turvas e torrenciais. “Portugal vive à beira do colapso”, era o título do artigo de Antonio Jiménez no El País (4/11/11). Protestos em massa e feridos na Grécia… Marcos Schwartz escreve no Público (3/11/11): “Em toda esta história de delírio financeiro, são tão responsáveis as autoridades gregas, que permitiram o endividamento astronômico do país, como os bancos que emprestaram com avidez especulativa e as agências que os incentivaram”.
A estas se acrescentam múltiplas manifestações na Catalunha, na Comunidade de Madri… E os milhares de indignados da Porta do Sol, levados depois ao ciberespaço, com milhares de ativistas nos Estados Unidos. “Qual o melhor lobby de influência do que os 99% da população subjugada pelo 1% que inclui todos os poderes do sistema?”, apontava Rosa María Artal (Público, 7/11/11).
Hoje, pela primeira vez na história, os cidadãos podem deixar de ser súditos, obedientes, atemorizados, pusilânimes. A possibilidade da participação não presencial abre, junto a uma maior influência feminina na adoção de decisões e uma consciência global que nos permite apreciar o que possuímos e atender solidariamente as precariedades do próximo, extraordinárias possibilidades de mobilização popular.
Estes são os grandes desafios. Este é o amanhã que temos que inventar. Gosto de repetir a frase de John Fitzgerald Kennedy: “Não existe nenhum desafio que se coloque além da capacidade criadora da espécie humana”.
Trata-se, em resumo, da transição da força para a palavra.
Gente educada, livre e responsável, que atue em virtude de suas próprias reflexões e nunca mais ao ditado de ninguém.
Sim, a diferença entre evolução e revolução é o “r” de responsabilidade. Envolverde/IPS
* Federico Mayor Zaragoza é ex-diretor-geral da Unesco, presidente da Fundação Cultura de Paz e presidente da agência IPS.