Agentes do mercado financeiro e suas forças auxiliares que não se libertaram do vício dos “derivativos” fizeram um grande esforço de mídia para mostrar que a valorização do dólar em relação ao real é apenas consequência das medidas de restrição cambial adotadas pelo governo brasileiro. E, num tom ainda mais exacerbado, após a traulitada que tomaram no câmbio, disseram que a desvalorização do real é a “gota d’água” que vai fazer transbordar os limites de nossa meta de inflação.
Grande exagero e uma boa dose de terrorismo, por várias razões: 1. Com exceção do iene, todas as moedas do mundo se desvalorizaram ante o dólar americano. Não se trata, portanto, de um fenômeno brasileiro. 2. O dólar se fortaleceu porque os investidores acreditam que ele ainda é o refúgio mais seguro quando aumentam os riscos nos mercados financeiros, independentemente do fato de ter “perdido” um dos três “A” da agência de qualificação (que, por sinal, está sob investigação por suspeita de fraudes). 3. Com a transferência dos capitais para os Estados Unidos, a tendência do dólar é a de continuar se valorizando. 4. Há problemas de inflação em todos os países com a continuação da crise, cada qual com diferentes causas e intensidade.
A meta de inflação é um instrumento útil para estabilizar as expectativas inflacionárias e para ajudar os bancos centrais a manterem taxas adequadas às políticas econômicas traçadas pelos governos. Por ser um sistema bastante inteligível, ele reduz os custos sociais nos ajustes salariais, quando se tem de discutir não só a distribuição dos ganhos de produtividade, mas também a inflação futura. Sendo crível, ela permite limitar a discussão a um só aspecto: como distribuir o aumento da produtividade entre capital e trabalho.
É importante manter a credibilidade da meta, mais ainda nesses momentos de crise perturbando a economia internacional, para lidar com o aumento da inflação não apenas no Brasil, mas em boa parte de nossos parceiros comerciais. A inflação que nos atinge tem uma forte componente externa, com aumentos nos preços de muitos produtos que importamos e pela influência da variação das taxas de câmbio, enquanto internamente ela é produzida basicamente no setor de serviços.
Em síntese, são três os problemas que podem afetar a meta de inflação no Brasil: o aumento dos preços externos, a variação da taxa de câmbio e, internamente, os preços dos serviços cuja elevação se dá por causa do desequilíbrio na estrutura da oferta e da procura de mão de obra. Esse último fator não é passível de ser modificado por medidas de política monetária. A correção demanda mais tempo e fortes investimentos do governo no preparo da mão de obra para melhorar a qualificação do trabalhador e ajustar oferta e procura.
Quanto à inflação produzida pelos preços externos, a tendência é de queda, pois a demanda mundial está encolhendo e a recessão não vai embora rapidamente. Mesmo na China, a expectativa é de contenção das taxas de crescimento econômico. Com o grande devorador de commodities diminuindo o ritmo das importações, os preços serão menos pressionados e a tendência é mesmo de queda nas cotações.
O terceiro problema importante é o câmbio. Que influência pode ter a valorização do dólar em relação ao real (na verdade, todas as moedas se desvalorizaram em relação ao dólar, exceto a moeda japonesa, como disse) para o comportamento da inflação no Brasil? Quando o dólar se valoriza, o preço das commodities cai porque ele é mais ou menos constante em dólares. Não se sabe em que proporção, mas esse movimento vai reduzir os preços. Algumas pessoas chamam a atenção para o fato de que a desvalorização do real foi um pouquinho maior do que a do dólar australiano, mas isso se explica porque este tinha se valorizado menos do que o real, antes. Outros tentam convencer-nos de que a desvalorização vai produzir uma desgraça inflacionária, o fim das metas da inflação, mas a experiência que vivemos anteriormente mostrou efeito diametralmente contrário.
Se os preços caírem 5% e o dólar valorizar 10%, o efeito será de 5% sobre aquilo que vem do exterior, quer dizer, o resultado será de aumento no preço internamente, mas se diluindo ao longo de meses, de forma que a repercussão sobre a taxa de inflação e sobre as metas será realmente pequena. O que essa pregação meio terrorista esconde é que o Brasil enfrenta um desequilíbrio por causa da diferença entre as taxas de juro interna e externa, que não permite que o sistema de metas inflacionárias funcione mais adequadamente.
* Delfim Netto é economista, formado pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.