Cairo, Egito, 28/11/2011 – A população egípcia que anseia por mais liberdade e menos brutalidade policial desde a queda do presidente Hosni Mubarak, em fevereiro, denuncia que o conselho militar que governa o país mantém a mesma disposição e até mesmo supera o ex-mandatário. “O Conselho trata o povo como se dirigisse um acampamento militar”, afirmou o ativista de direitos humanos Sherif Azer. “Foram necessárias décadas de acúmulo de mal-estar contra Mubarak para fazer uma revolução, e apenas nove meses para começar outra”, acrescentou.
Milhares de pessoas tomaram as ruas do Egito esta semana para pedir ao Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) que acelere a transição para um governo civil e que seu líder, marechal Mohammad Hussein Tantawi, renuncie. Pelo menos, 41 pessoas morreram e mais de três mil ficaram feridas nos choques entre manifestantes e forças de segurança. O confronto começou no dia 19, quando exército e polícia usaram meios violentos para expulsar um pequeno grupo de manifestantes que tentava ocupar a emblemática Praça Tahrir, após uma manifestação a favor de limitar o poder militar.
A mão dura militar, que respondeu duramente contra muitos manifestantes desarmados, fez com que milhares de pessoas se concentrassem na Praça. A violência aumentou rapidamente. Quanto mais gás lacrimogêneo e balas de borracha eram lançados pela polícia antidistúrbio, mais pessoas chegavam à Praça e mais crescia o protesto. “O assunto não foi político nem democrático, mas sim a brutalidade”, explicou o ativista Mostafa Shouman. “As pessoas não toleram ver a mesma violência contra manifestações pacíficas como no tempo de Mubarak e se sensibiliza com a situação”, acrescentou.
De fato, a insatisfação aumenta há nove meses. Muitas pessoas que aplaudiram a chegada do governo militar em fevereiro agora o vilipendiam. Observam o processo da Tunísia com inveja, pois lá também houve um levante popular no inverno passado, que deu lugar a uma transição democrática, sem os incontáveis atropelos dos direitos humanos do Egito. Um novo informe da Anistia Internacional diz que o CSFA “não conseguiu cumprir suas promessas de melhorar a situação dos direitos humanos no Egito”. Também afirma que a repressão e a violação de direitos fundamentais são, em alguns casos, piores do que no regime de Mubarak (1981-2011).
“Ao recorrer a tribunais militares para julgar milhares de civis e reprimir manifestações pacíficas, além de ampliar os alcances da Lei de Emergência imposta por Mubarak, o CSFA mantém o regime repressivo que tanto se esforçaram por eliminar os manifestantes do 25 de janeiro”, disse Philip Luther, diretor para Oriente Médio e África do Norte da Anistia Internacional, que tem sua sede em Londres.
O informe acusa o governo militar de tentar calar a dissidência com uma lei draconiana e recorrer à força bruta para acabar com os protestos. Milhares de ativistas e blogueiros foram detidos nos últimos nove meses. Vários outros estão na prisão, como Maikel Nabil Sanad, condenado a três anos de prisão em abril por se opor ao serviço militar obrigatório e criticar o exército em seu blog. Os que “desafiaram ou criticaram o conselho militar, como manifestantes, jornalistas, blogueiros e grevistas, foram reprimidos sem piedade com a intenção de silenciá-los”, denunciou Luther.
Desde o começo do levante popular, em 25 de janeiro, mais de 12 mil civis foram processados em tribunais castrenses, seis vezes mais do que nos 30 anos de governo de Mubarak. Organizações de direitos humanos condenam esses julgamentos, que terminam com duras sentenças por faltas tão leves como violar o toque de recolher, insultar o exército ou outras acusações difusas.
“Os tribunais militares são inerentemente injustos”, disse Adel Ramadan, advogado da Iniciativa para os Direitos Pessoais. “Os julgamentos costumam durar entre cinco e 20 minutos e processam até 35 pessoas por caso. O juiz pertence ao exército e se decide determinar uma condenação de cinco anos de prisão ou mesmo a pena de morte, não há possibilidade de apelar”, explicou.
Organizações de direitos humanos denunciaram torturas e humilhações sistemáticas durante o regime de Mubarak que continuam até hoje em delegacias, prisões e outros centros de detenção do país. Inúmeras pessoas revelaram abusos policiais e do exército e, inclusive, várias mulheres denunciaram que foram submetidas a “análise de virgindade” por médicos do exército após serem detidas durante uma manifestação em março.
Em outubro morreu Essam Atta, de 23 anos, no Cairo, após sofrer torturas sádicas na prisão. Muitas pessoas relacionaram o fato com o de Khaled Said, de 28 anos, torturado até a morte em junho de 2010. O protesto público por esta última ocorrência foi o estopim para os acontecimentos que terminaram na renúncia de Mubarak. “Infelizmente, nada mudou. A polícia e o exército ainda operam com impunidade”, disse Azer.
Os enfrentamentos da semana passada aconteceram após a repressão de protestos anteriores, incluído um ataque brutal em outubro contra uma manifestação de cristãos coptos que deixou 25 pessoas mortas e 300 feridas. O vídeo desses episódios de 9 de outubro colocado no YouTube corrobora os testemunhos de que os soldados abriram fogo contra manifestantes desarmados enquanto veículos blindados arremetiam contra a multidão em grande velocidade.
O confronto atual mostra o crescente distanciamento entre o CSFA e a sociedade. Em uma pesquisa de opinião pública, 43% dos entrevistados disseram que o Conselho avançava com lentidão ou revertia os êxitos da revolução. “Ao que parece, os membros do CSFA temem ir a julgamento (por corrupção e violações de direitos humanos) se renunciarem, então, procuram permanecer no poder a todo custo”, alertou Azer.
Com um estilo e tom que recordaram Mubarak, Tantawi negou, em discurso na televisão no dia 22, que o conselho militar tratou de se consolidar no poder. As eleições parlamentares previstas para hoje acontecerão, mas as presidenciais serão adiadas até junho de 2012, afirmou.
Como os enfrentamentos continuaram, o CSFA tentou acalmar os ânimos. No dia 24 os generais pediram perdão aos manifestantes e deram condolências às famílias dos “mártires”. Prometeram processar os oficiais responsáveis e ofereceram uma indenização. Nada disto conseguiu dissipar os ânimos na rua, embora a trégua entre manifestantes e polícia, que começou no dia 24, parece se manter. A pergunta que todos fazem é até quando vai durar. Envolverde/IPS