Washington, Estados Unidos, 31/1/2012 – O ensaísta britânico Samuel Johnson (1709-1784) escreveu que, quando um homem sabe que será enforcado, consegue se concentrar de forma maravilhosa. O mesmo pode ser aplicado aos “falcões” nos Estados Unidos, quando veem que a ideia de uma guerra com o Irã se faz mais real. A ameaça de Teerã, de bloquear o estratégico estreito de Ormuz, aumentou os temores de um conflito bélico, enquanto Israel fala em atacar instalações nucleares iranianas e continua a escalada de sanções econômicas internacionais contra a República Islâmica.
A tensão aumentou também este mês com o assassinato – em um atentado, ao que parece, orquestrado pela agência de inteligência israelense Mossad – do cientista iraniano Mustafa Ahmadi Roshdan, que supervisionava a usina de enriquecimento de urânio de Natanz. Foi o quinto homicídio de um cientista iraniano nos últimos dois anos.
Como se não bastasse, candidatos presidenciais do opositor Partido Republicano dos Estados Unidos fizeram belicosas declarações contra Teerã, desejosos de mostrar aos eleitores fundamentalistas cristãos e judeus seu amor por Israel, enquanto a influente revista Foreign Affairs publicou um artigo intitulado “Hora de atacar o Irã. Porque o ataque é a opção menos ruim”. O artigo foi escrito por Matthew Kroenig, que acaba de terminar um período de anônimo analista estratégico no Departamento de Defesa. Ele é favorável a uma ofensiva aérea limitada e cuidadosamente calibrada contra as instalações nucleares iranianas e suas defesas antiaéreas.
Entretanto, no contexto do discurso a favor de uma guerra, várias figuras da elite da política externa, incluídos vários destacados “falcões” (ala mais belicista de Washington), que em seu momento apoiaram a invasão do Iraque, agora aconselham Estados Unidos e Israel a frearem a escalada de ameaças. “Novamente temos esta terrível atitude”, escreveu Leslie Gelb, presidente emérito do Conselho de Relações Exteriores, influente centro de estudos em política externa que publica a Foreign Affairs, e pediu a realização de sessões no Senado para analisar as consequências da guerra no Iraque.
“Como antes, estamos deixando que um monte de ignorantes, políticos torpes e analistas em assuntos externos politizados deem ultimatos. Como antes, estamos deixando que nos conduzam rapidamente para uma guerra”, alertou este arrependido partidário da invasão do Iraque, se referindo ao coro de neoconservadores e outros “falcões” com os quais esteve alinhado. Por sua vez, o ex-analista da Agência Central de Inteligência (CIA), Kenneth Pollack, cujas opiniões são frequentemente citadas pelos “falcões”, escreveu no The New Republic que não só é preciso frear a escalada como o caminho das sanções seguido pelo governo de Barack Obama e pela União Europeia está se mostrando contraproducente.
Pollack, da Brookings Institution, é autor do livro The Threatening Storm: The Case for Invading Iraq (A tempestade ameaçadora: os argumentos para invadir o Iraque), de 2002, obra de referência para os “falcões” antes da guerra contra esse país do Oriente Médio. “O problema é que as sanções (contra o Banco Central do Irã) têm tanto potencial daninho que podem ser contraproducentes”, escreveu Pollack, mencionando seu possível impacto negativo sobre as atribuladas economias do Ocidente e a dificuldade de mantê-las se causarem uma catástrofe humanitária como a sofrida pelo Iraque desde 1992 até a invasão em 2003.
“Quanto mais tensão tivermos com o Irã, mais esse país responderá, e a forma como gosta de fazer isso pode derivar em uma escalada não planejada. Sem dúvida, uma guerra afetará muito, muito mais o Irã do que a nós. Mas também será dolorosa para nós, e pode durar mais tempo do que todos querem”, advertiu Pollack.
Outra influente figura entre os “falcões” liberais, Anne-Marie Slaughter, professora da Universidade de Princeton, disse em seu site Project-syndicate-org que o Ocidente e o Irã estão em um jogo perigoso. Os Estados Unidos e a União Europeia colocam Teerã diante da encruzilhada de se “retratar publicamente, coisa que não o fará, ou aumentar suas provocações”, afirmou.
“Quanto mais o Ocidente ameaçar publicamente o Irã mais facilmente os líderes iranianos poderão apresentar os Estados Unidos com o Grande Satã diante de setores da população iraniana que nos últimos tempos trataram de considerar este país como seu amigo”, escreveu Slaughter, que renunciou como diretora de planejamento de políticas no escritório da secretária de Estado, Hillary Clinton. “É hora de prevalecerem cabeças mais frias, com uma estratégia que ajude o Irã a retroceder”, ponderou Slaughter, sugerindo que se poderia reativar o abortado esforço de mediação de Brasil e Turquia, de 2010.
Outro “falcão” que apoiou a guerra no Iraque, Bill Keller, colunista do The New York Times, se colocou contra o artigo da Foreign Affairs, assegurando aos seus leitores que ex-colegas de Kroenig no Pentágono “estão bastante surpresos com o que escreveu”. O artigo de Kroenig – afirma o colunista – “combina o alarmismo de uma ameaça nuclear do Irã com a mais otimista ideia de que os Estados Unidos são capazes de melhorar as coisas”.
Ao contrário dos prognósticos de Kroenig, Keller escreveu: “Com segurança, um ataque contra o Irã unirá o povo iraniano em torno dos mulá e será preciso que o líder supremo redobre os esforços para obter capacidade nuclear, só que a maior profundidade abaixo da terra e sem inspetores internacionais”. E acrescentou que “no Pentágono, às vezes se ouve dizer que bombardear o Irã é a melhor forma de conseguir exatamente o que queremos evitar”.
Em uma resposta a Kroenig intitulada “Não é hora de atacar o Irã”, Colin Kahl, que até dezembro trabalhou no Pentágono como chefe de políticas para o Oriente Médio, argumentou que esse cenário de um conflito limpo e calibrado é uma miragem. “Uma guerra contra o Irã seria extremamente violenta e um desastre, com uma quantidade significativa de consequências e de vítimas”, alertou. Entre outras objeções, Kahl, do neoconservador Center for a New American Security, advertiu que um ataque preventivo contra o Irã poderia derivar em uma guerra regional, consolidar o apoio popular ao regime e transformar o discurso popular da Primavera Árabe em um discurso decididamente antinorte-americano. Envolverde/IPS