Washington, Estados Unidos, 4/8/2011 – Os neoconservadores dos Estados Unidos, especialmente a ala mais belicista do opositor Partido Republicano, criticaram os cortes na máquina militar decorrentes do acordo alcançado entre líderes do Congresso e o governo de Barack Obama para elevar o teto da dívida. “Se esta política se mantiver na próxima década, será difícil os Estados Unidos continuarem sendo a única superpotência”, alertou o editor do The Weekly Standard e ideólogo neoconservador, William Kristol. “Foi o melhor dia que os chineses já tiveram. Este acordo encarna um país em decadência”, acrescentou com sarcasmo.
John Bolton, ex-embaixador dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas, não foi menos crítico e qualificou as possíveis consequências militares do acordo de, no mínimo, “catastróficas”. Sua análise percorreu os blogs direitistas do país. “Não se enganem, o acordo é como uma espada no coração da segurança nacional”, alertou Bolton, que agora trabalha no Instituto Empresarial Norte-Americano para a Pesquisa em Políticas Públicas.
Por sua vez, os analistas militares mais moderados também não ficaram satisfeitos com o pacote, mas por razões totalmente opostas às apresentadas pelos também chamados falcões republicanos. “O acordo não chega a frear o orçamento militar que, em termos reais, é o maior desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)”, disse Lawrence Korb, influente funcionário do Pentágono no governo de Ronald Reagan (1981-1989) e que atualmente trabalha no grupo de estudo Centro para o Progresso Norte-Americano.
“No curto prazo, o orçamento apresentado pelo presidente e por legisladores influentes dá total liberdade ao Pentágono”, lamentou William Hartung, diretor do projeto de segurança sobre armas, do Centro de Política Internacional. O gasto militar diminuirá menos de 1%, no máximo, nos próximos dois anos e as reduções maiores entrarão em vigor em 2013, afirmou. O pacote legal deve ser aprovado pelas duas câmaras do Congresso legislativo e promulgado pelo presidente Barack Obama para assegurar que o país continue cumprindo seus compromissos.
O acordo eleva o teto da dívida de US$ 14,3 trilhões e implica cortes no gasto federal projetado de US$ 2,4 trilhões na próxima década. Entre US$ 900 milhões de US$ 1 bilhão serão economizados em programas direcionais nos próximos dez anos e não poderão ser compensados com aumento de impostos nem outras formas de “melhorar” a arrecadação. Dessa quantia, US$ 350 bilhões serão retirados do Pentágono, US$ 50 bilhões a menos do que Obama havia dito aos altos comandantes.
A redução dos restantes US$ 1,5 trilhão, que, ao contrário do primeiro pacote pode ser obtido reformando o código de impostos, será fixado por uma comissão legislativa de 12 membros, integrada por partes iguais de legisladores republicanos e democratas. Tem prazo até o final de novembro, bem nas férias do dia de Ação de Graças, para apresentar um pacote, que o Congresso deverá aprovar até o final de dezembro. Contudo, se a comissão não chegar a um acordo ou a Câmara ou o Senado não aprovar o pacote, a redução de US$ 1,2 bilhão será automática.
Metade das reduções será feita no programa estatal Medicare e em outros gastos direcionais internos. O restante será aplicado ao orçamento de “segurança’, incluído o Pentágono. Precisamente essa possibilidade alarma os falcões, que já se queixavam pelos US$ 400 bilhões a menos ordenados por Obama para os próximos 12 anos, que foi aprovado em abril, embora não com entusiasmo, pelo ex-chefe do Pentágono, Robert Gates, e outros altos comandantes.
O atual orçamento básico do Pentágno é de US$ 550 bilhões ao ano, ou mais. Ao somar-se o custo das guerras no Afeganistão e no Iraque, o total supera os US$ 700 bilhões em 2011, ou quase o dobro do que se gastava antes dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington. O orçamento se constrói com base em uma noção surgida depois da Guerra Fria: Washington deve ser capaz de travar duas grandes guerras convencionais simultaneamente. A estratégia é cada vez mais criticada devido ao grau de participação do país em combates totalmente diferentes na última década.
Com o crescimento do déficit, especialmente após a crise financeira mundial que começou nos Estados Unidos em 2008, foi se instalando um grande debate sobre o futuro do orçamento para a defesa. A maioria dos democratas pediu profundas reduções orçamentárias. Já os republicanos estão divididos entre falcões, como Kristol e Bolton, para os quais Washington deve manter seu domínio a todo custo, e os que pensam que a defesa não fica isenta das necessidades de reduzir gastos.
“Para evitar reduções arbitrárias é necessário ter um objetivo estratégico claro”, disse o coronel da reserva do Exército, Andrew Bacevich, que trabalha na Universidade de Boston e nos últimos anos publicou vários livros criticando a estratégia dos Estados Unidos durante a Guerra Fria e posteriormente.
“A grande questão não é quantos milhares de milhões devem sair do elevado orçamento do Pentágono”, disse o coronel. “Em razão de nossas dificuldades econômicas e à luz das enormes catástrofes da última década, a pergunta deve ser qual é o papel adequado dos Estados Unidos no mundo?”, acrescentou. “A repetição de clichês sobre liderança global não reduzirá o orçamento. É hora de tomar decisões difíceis”, ressaltou. Envolverde/IPS