Washington, Estados Unidos, 13/9/2013 – Sensações desencontradas geram nos Estados Unidos a decisão do presidente Barack Obama de adiar a votação no Congresso sobre o uso da força militar contra a Síria, depois que a Rússia apresentou uma opção diplomática para a crise. Enquanto os leais ao mandatário defendem sua decisão, anunciada em um muito esperado discurso à nação na noite do dia 10, os “falcões” (ala mais belicista) acreditam que se trata de uma nova abdicação de Washington de sua liderança mundial.
“A decisão pode resgatar o senhor Obama e o congresso da agonia política que representa votar uma resolução para autorizar um ataque militar contra a Síria”, publicou o neoconservador The Wall Street Journal em seu editorial do dia 11. “Mas o mercado diplomático agora está aberto, e Obama se converteu em um simples comerciante de camelos. (…) Um fraco e inconstante presidente norte-americano está sendo manipulado pelos inimigos dos Estados Unidos”, acrescentou o jornal, alertando que a decisão de Obama poderia tornar mais factível Israel lançar um ataque unilateral contra instalações nucleares iranianas.
Um dos argumentos para a ofensiva contra a Síria era que poderia servir também para dissuadir outros países, especialmente o Irã. Por outro lado, Nancy Pelosi, representante do governante Partido Democrata, elogiou a opção do presidente. “A liderança de Obama voltou a colocar soluções diplomáticas sobre a mesa, mostrando sua disposição de esgotar cada opção antes de usar a força”, escreveu em sua conta no Twitter apenas concluído o discurso do chefe de Estado.
O discurso, de 15 minutos, originalmente seria o arremate de um esforço de uma semana para convencer os legisladores renitentes a autorizarem o uso da força contra o regime de Bashar al Assad, como castigo por supostamente ter usado armas químicas contra a população civil. Segundo os serviços de inteligência norte-americanos, mais de 1.400 pessoas morreram no mês passado em ataques cometidos em vários subúrbios de Damasco com bombas de gás venenoso.
No entanto, a Rússia, principal aliada da Síria, surpreendentemente apresentou uma proposta para fazer com que Assad ceda seu arsenal químico ao controle da comunidade internacional. A iniciativa foi imediatamente aceita pelo chanceler sírio, Wallid Muallen, que declarou a disposição de seu governo em aderir à Convenção sobre Armas Químicas e permitir uma inspeção internacional em seu território.
“É muito cedo para dizer se esta oferta terá êxito, e qualquer acordo deve verificar que o regime de Assad cumpra seus compromissos”, afirmou Obama. “Mas esta iniciativa tem o potencial de eliminar a ameaça das armas químicas sem ter de usar a força”, destacou. Porém, o presidente informou que havia ordenado às suas forças “manterem posição se a diplomacia fracassar”. E também anunciou que seu secretário de Estado, John Kerry, viajaria à Genebra para se reunir, ontem e hoje, com seu colega russo, Sergey Lavrov, e começar a negociar a implantação da proposta.
Porém, analistas em Washington mostram diferentes graus de ceticismo sobre a disposição de Assad em ceder seu arsenal químico, que se acredita seria dos maiores do mundo, e duvidam sobre a viabilidade de implantar a proposta, considerando os duros confrontos que ainda são travados em território sírio. Alguns falcões afirmam que Obama deveria ter rejeitado categoricamente a proposta russa e continuado com seu plano de lançar mísseis contra a Síria.
No entanto, a maioria dos observadores acredita que o presidente tinha poucas opções, sobretudo depois que o Parlamento da Grã-Bretanha rechaçou qualquer tipo de participação em uma operação militar. Inicialmente, o governo de Obama pensara que uma combinação de democratas e falcões do opositor Partido Republicano lhe daria a maioria necessária no Congresso para obter a autorização para ataque de um ou dois dias com mísseis.
Mas logo ficou claro que a opinião pública se opunha fortemente a qualquer ação que envolvesse os Estados Unidos em outra guerra civil no Oriente Médio. Por sua vez, o governo tentava acalmar falcões como o senador republicano John McCain, que inclusive pedia ataques mais severos para debilitar o poderio militar de Assad. “A melhor opção da administração para ganhar apoio era se apegar ao argumento normativo (de que era necessário fazer respeitar as regulações internacionais contra as armas químicas) e não se envolver para mudar o curso da guerra civil”, disse à IPS o diretor da Worldpublicopinion.org, Stephen Kull.
“Entretanto, o argumento normativo ficou ofuscado pelas tentativas de incidir no resultado da guerra, e isso combinado com o fato de não se contar com o aval do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), claramente descontentou o público”, apontou Kull. Portanto, apesar da intensa pressão da administração, que também contou com o ativo e forte apoio do lobby israelense, a oposição à intervenção militar cresceu de 50% há dez dias para cerca de 70%, segundo pesquisas divulgadas no final de semana.
No dia 9, vários senadores, dos quais se esperava apoio à ofensiva, mudaram de opinião, colocando em dúvida o resultado da votação no Senado e obrigando ao líder da maioria, Harry Reid, a suspendê-la. Assim, quando Moscou surpreendentemente apresentou sua proposta, a Casa Branca, após certa confusão inicial, a aceitou como forma de evitar o que se avizinhava como uma catástrofe política e, talvez, até diplomática.
A iniciativa também causou certo alívio entre os legisladores, que claramente estavam incomodados com a posição em que Obama os colocou e com a ideia de compartilhar a responsabilidade de um ato de guerra. A grande pergunta agora é se Kerry e Lavrov, que também se reunirão com o enviado especial da ONU e da Liga Árabe para a Síria, Lajdar Brahimi, poderão acordar um plano para implementar a proposta russa em um curto período.
Por outro lado, um grupo bipartidário de senadores, em sua maioria falcões, incluindo McCain, trabalha com representantes do governo de Obama em um plano para autorizar ataques, se a iniciativa russa não for colocada em prática dentro de um determinado prazo (entre 45 e 90 dias) ou se as armas químicas voltarem a ser usadas no conflito sírio. Envolverde/IPS
* O blog de Jim Lobe sobre política externa dos Estados Unidos pode ser lido em Lobelog.com.