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Falhas em sistema de alerta semeiam tragédia no Sri Lanka

Aldeões buscam sobreviventes nos escombros, pouco depois do deslizamento de terras ocorrido em 29 de outubro no Sri Lanka. Foto: Colaborador/IPS
Aldeões buscam sobreviventes nos escombros, pouco depois do deslizamento de terras ocorrido em 29 de outubro no Sri Lanka. Foto: Colaborador/IPS

 

Colombo, Sri Lanka, 7/11/2014 – Quando falham os sistemas de alerta, a morte bate imediatamente à porta de vítimas insuspeitas dos desastres naturais. Milhões de cingaleses experimentaram essa realidade reiteradamente na última década, mas os responsáveis por prevenir mortes por essas causas continuam cometendo os mesmos erros.

A mais recente dessas tragédias, em consequência da ignorância e indiferença diante do perigo iminente, aconteceu na manhã do dia 29 de outubro, em Meeriyabedda, uma fazenda produtora de chá na montanhosa região de Koslanda, 220 quilômetros a leste de Colombo. Depois de persistentes chuvas, dois quilômetros de ladeiras montanhosas desmoronaram no começo da manhã, enterrando sob cerca de nove metros de lama 66 pequenas moradias de trabalhadores da área.

Um informe inicial sobre a tragédia, elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), calcula que nessas casas havia cerca de 300 pessoas. Alguns haviam saído para trabalhar e a maioria das crianças estava na escola quando ocorreu o desastre. Quatro dias depois, haviam sido encontrados quatro corpos e 34 pessoas estavam na lista de desaparecidos, números que levaram a uma revisão da estimativa inicial, que falava em cem. Cerca de 1.800 pessoas ficaram sem teto e é possível que a maioria delas jamais volte às suas casas.

Mas a terra não desceu ladeira abaixo sem uma advertência. Há quase uma década, houve vários alertas de que essas casas eram uma armadilha mortal. Em 2005, a Organização Nacional de Investigação sobre a Construção (NBRO) fez um levantamento da área e emitiu seu primeiro alerta.

“Concluímos que a terra sobre a qual estão construídas as casas não é estável e é propensa a deslizamentos, e recomendamos reassentá-las”, disse à IPS o geólogo N. K. R. Seneviratne, responsável da NBRO no distrito de Badulla e que liderou o estudo. De fato, alguns funcionários que trabalharam no local do deslizamento disseram que as 66 casas que ficaram completamente soterradas tinham sido claramente identificadas como sendo as que corriam maior perigo.

Seis anos mais tarde, foi realizado outro levantamento, que apresentou as mesmas recomendações. E foram pequenos deslizamentos que alertaram para a realização desses estudos. Nos dois casos, detalhou Seneviratne, foram transmitidas recomendações aos aldeões, bem como a funcionários públicos que não tomaram nenhuma medida para favorecer o reassentamento da população em perigo.

Seneviratne afirmou que bem antes do mais recente deslizamento de terra, que ocorreu às 7h10 da manhã, seu escritório enviara um alerta à Secretaria de Divisão de Haldummulla, a autoridade pública local. Embora também tenha sido informado a alguns aldeões sobre os riscos, a maioria deles decidiu ficar. “Houve advertências, mas todo esse processo de disseminação sistemática fez com que chegasse apenas ao nível da Secretaria de Divisão”, explicou a IPS Indu Abeyratne, gerente dos sistemas de alerta da Sociedade da Cruz Vermelha do Sri Lanka, que atualmente coordena os esforços de alívio no local.

Os próprios aldeões ignoraram os sinais. Em 2009, o Centro para o Manejo de Desastres, principal agência governamental encarregada dos alertas e da ajuda em caso de catástrofe, junto com a NBRO e a Cruz Vermelha, fizeram um importante programa de conscientização comunitária na área de Koslanda.

Os moradores foram aconselhados a formar grupos comunitários que atuassem como vigilantes, analisando sinais de perigo iminente e preparando planos de evacuação. Foram distribuídos megafones para os aldeões usarem para reunir multidões em caso de emergência e a plantação de chá de Meeriyabedda recebeu um pluviômetro simples para poderem observar os níveis das precipitações.

A NBRO tem seu próprio monitor de chuvas em uma escola próxima. Segundo a entidade, pelo menos 125 milímetros de chuvas caíram da noite para a manhã do dia 29 de outubro. Se houvesse atenção ao pluviômetro da aldeia, se saberia que o solo estava molhando muito e ficando perigoso. Mas ninguém viu as bandeiras vermelhas, e quando a terra cedeu com um barulho forte muitos estavam desprevenidos.

“A tragédia real é que houve muito tempo para sair dali. Os alertas diziam que assim o fizessem e indicavam os locais para onde poderiam ir”, pontuou Abeyratne. Por que tantos ficaram quietos diante de semelhante perigo? Isso é o que muitos que participam dos esforços de alívio tentam responder agora. Desde o desastre foram identificadas várias falhas no mecanismo de alerta.

A principal culpada parece ser a falta de uma autoridade superior que se encarregasse dos alertas locais, da divulgação, das evacuações, o que resultou na ausência de um plano de retirada treinado, apesar do perigo muito real de deslizamentos de terras na área. Shanthi Jayasekera, titular da Secretaria de Divisão de Haldumulla, declarou aos jornalistas que, embora tenham sido emitidos alertas, não havia instruções claras sobre as evacuações.

Em outras partes do Sri Lanka, especialmente ao longo da costa devastada pelo tsunami de 26 de dezembro de 2004, havia planos ensaiados e provados de evacuação e alerta. Há unidades do Centro para o Manejo de Desastres em cada um dos 25 distritos do país, dispersas sem suas nove províncias, encarregadas de coordenar localmente esses esforços, enquanto a polícia e as forças armadas emitem os alertas e coordenam as evacuações em massa.

A última dessas evacuações aconteceu em abril de 2012, quando mais de um milhão de pessoas abandonaram suas casas ao longo da costa após um alerta de tsunami. O Centro realiza simulações de evacuação a cada três meses, mas nenhum parece ter coberto a área de Meeriyabedda. Menos de dez dias antes do deslizamento, em 23 de outubro, o Centro fez exercícios de retirada em seis distritos, incluindo Badulla, mas lamentavelmente Meeriyabedda não esteve entre eles.

“Aqui não houve nenhum plano desse tipo, ninguém sabia para onde ir e como ir” e, além disso, nenhuma autoridade assumiu a situação, disse à IPS o porta-voz do Centro, Sarath Lal Kumara. “Deveríamos ter um plano de divulgação de alerta liderado por uma agência do governo, bem como um mapa de evacuação”, acrescentou. Tais sistemas existem em outras partes do país.

Segundo Abeyratne, grupos de voluntários treinados pela Cruz Vermelha trabalham junto com o Centro e com entidades públicas locais, bem como com a polícia e as forças armadas, durante as emergências. “É um sistema complexo, mas provado em tempo real (no Sri Lanka), e funciona”, ressaltou. De fato, os voluntários da Cruz Vermelha estiveram entre os primeiros a chegarem à área afetada pelo deslizamento de terra.

Talvez uma das maiores lacunas no plano de manejo de desastres para a área tenha sido a de não considerar as condições socioeconômicas dos habitantes dos lugares propensos a deslizamentos. Kumara apontou à IPS que a maioria dos moradores e das vítimas era de trabalhadores pobres que ganhavam magros salários nas plantações de chá da região.

Seneviratne acrescentou que os trabalhadores do lugar eram de origem indiana, descendentes dos que há 200 anos chegaram com os colonos britânicos para trabalhar nesses estabelecimentos. As moradias destruídas não eram realmente casas, mas uma dezena de blocos de um ambiente conhecido como “casas em linha”. A maioria dos residentes desses locais vive dessa maneira há várias gerações, e ganham a vida colhendo chá, extraindo látex ou descascando canela. Dependem totalmente dos plantios.

A empresa regional de plantações Maskeliya Plantations Limited é dona da área em que aconteceu o deslizamento. Três dias depois da catástrofe, as forças armadas tiveram de intervir para impedir que os aldeões atacassem os funcionários da empresa.

De todo modo, o Sri Lanka melhorou na sua preparação contra desastres em uma década, quando o tsunami deixou 35 mil mortos ou desaparecidos. Desde então, segue em uma acentuada curva de aprendizagem sobre como enfrentar os desafios de frequentes eventos meteorológicos extremos.

“É uma situação que exige cuidadosa avaliação, não soluções provisórias”, destacou Seneviratne. Abeyratne acrescentou que “cada desastre é uma lição sobre o que se pode fazer melhor, sobre como salvar vidas”. E se alguém precisa de uma recordação atroz sobre o quanto essas lições podem ser importantes, basta lançar o olhar para a ladeira de Meeriyabedda, ou melhor, para o que resta dela. Envolverde/IPS