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Famílias de assassinados afegãos exigem mais do que desculpas da Otan

 

Malim Said Agha, Dagrwal Jan Agha e seus filhos com um retrato de Asadullah, que morreu durante um ataque da Otan. Foto: Giuliano Battiston/IPS
Malim Said Agha, Dagrwal Jan Agha e seus filhos com um retrato de Asadullah, que morreu durante um ataque da Otan. Foto: Giuliano Battiston/IPS

 

Saracha, Afeganistão, 18/10/2013 – O poeirento cemitério da aldeia afegã de Saracha tem três túmulos novos: de Sahebullah, Wasihullah e Amanullah, três dos cinco jovens e crianças que, no dia 4 deste mês, morreram em um ataque aéreo realizado pela força invasora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) nesse país. Segundo os primeiros informes da Força Internacional de Assistência para a Segurança (Isaf), como é chamada a missão da Otan liderada pelos Estados Unidos, os cinco eram “efetivos inimigos”, “insurgentes”, mortos por um “ataque de precisão”.

Segundo o cartaz branco que há sobre os túmulos, eles são “mártires”, pessoas inocentes assassinadas por erro. Wasihullah e Amanullah eram irmãos. Viviam em uma casa perto do cemitério de Saracha, distrito de Beshud, na entrada de Jalalabad, a principal cidade da província de Nangarhar. Seu pai, Qasim Hazrat Jan, mostrou à IPS o lugar onde foram mortos, bem atrás de sua casa.

Amanullah tinha cerca de 21 anos (os registros civis na área não são comuns), uma mulher e três filhas. Jan mostrou um cartão segundo o qual o jovem trabalhava para as forças do governo afegão desde março deste ano. Seu irmão, Wasihullah, tinha dez anos e estava na quinta série da escola de Samarkheel, perto de Saracha. Na noite do dia 4, ambos se encontravam com Sahebullah, de 14 anos, que “era aprendiz em uma serralheria de Jalalabad”, contou à IPS seu irmão Nader Shah, de 35 anos.

Asadullah Delsos e Gul Nabi eram os outros dois adolescentes que os acompanhavam. Asadullah, “de 14 anos, ainda esperava que seu bigode crescesse”, disse Jan. Nabi “tinha 15 anos e sua família era de Pachir, no distrito de Jogyani. Trabalhava como carpinteiro em Cabul, mas costumava vir aqui sempre que seus pais precisavam de ajuda”. Jan disse que os cinco rapazes estavam sentados no espaço aberto atrás de sua casa, “após terem ido caçar pássaros com ‘badi’, armas de ar-comprimido.

Por volta das 22 horas, “ouvi a primeira de três prolongadas sequências de disparos. Quando parou, subi no telhado e vi pelo menos dois helicópteros e, longe daqui, alguns aviões sem pilotos”, contou Jan. Quando recomeçou o tiroteio, esperou dentro da casa até que ouviu alguém gritando: “Irmão, mataram seus filhos”. Então, saiu e tentou chegar ao lugar em que estavam, “mas os soldados norte-americanos me disseram para ficar afastado”, afirmou.

Os cadáveres foram levados ao hospital principal de Jalalabad “só à 1h40. Pudemos tê-los de volta depois das 2h30”, disse Nader Shah. Na primeira hora da manhã do sábado, dia 5, o pai de Asadullah, Dagarwal Jan Agha, oficial de logística na prisão da cidade, recebeu um telefonema. Pensava que seu filho estava dormindo na casa de seus pais em Saracha. “Me disseram que tinha que ir ao hospital. E ali me disseram que meu filho estava no necrotério”, recordou.

O irmão mais velho de Dagarwal Jan Agha, Malim Said Agha, ainda não entende “como se pôde confundir esses jovens com insurgentes. Eram apenas crianças. Os norte-americanos mataram gente inocente. As autoridades afegãs confirmaram isso”, apontou à IPS. Ahmad Zia Abdulzai, porta-voz do governador da província de Nangarhar, disse por telefone à IPS que o vice-governador, “Mohammad Hanif Gardiwal, mandou um enviado a Beshud, junto com outro enviado do presidente Hamid Karzai”, e que “sua investigação mostra que nenhum dos cinco jovens tinha vínculos com a insurgência”.

A Isaf ainda não admitiu publicamente que o ataque aéreo foi um erro. Contatado pela IPS, o tenente-coronel Will Griffin, de Relações Públicas da força, afirmou que “ainda se investiga o incidente. Seria inadequado dar declarações neste momento”. Segundo as famílias das vítimas, representantes da Isaf-Otan admitiram o erro em particular. “Um dos comandantes estrangeiros do aeroporto de Jalalabad me convidou ao seu escritório no dia 8. Ele aceitou o erro e se desculpou por ele. O mesmo ocorreu no dia seguinte, no palácio do governador”, contou Jan à IPS.

O porta-voz do governador confirmou à IPS a reunião do dia 9. Participaram dela seu antecessor, Gul Agha Sherzai (que renunciou há duas semanas para se candidatar nas eleições presidenciais), seu vice, Mohammad Hanif Gardiwal, vários representantes das forças de segurança afegãs e um representante do Ministério do Interior. Também havia alguns líderes tribais, os familiares dos cinco jovens assassinados e “dois enviados estrangeiros” cujos nomes são desconhecidos.

“Os dois norte-americanos se desculparam, admitindo que haviam matado inocentes”, disse Agha à IPS. “Diante de todos os presentes, disseram que cometeram um erro”, contou Jan. Abdulzai afirmou que “os norte-americanos ofereceram suas desculpas diante das famílias das vítimas e das autoridades de Nangarhar”. Todos os familiares de vítimas com as quais a IPS se encontrou disseram ter recebido algumas ofertas dos “enviados estrangeiros”, como uma forma de “compensação”.

Segundo Agha, “os norte-americanos disseram que nos ajudariam, agora e no futuro. Não ofereceram nenhuma quantia em dinheiro, mas quando fomos ao palácio encontramos alguns automóveis com sacos de alimentos. Todos concordamos em rejeitar essa oferta: somos pobres, mas não vendemos nosso próprio sangue”.

“Nosso pedido é claro”, disse Jan à IPS. “Nos deem os pilotos dos dois helicópteros. Faremos com eles o que mandam nossa cultura e o sagrado Corão, e o que prescreve o Hadith. Depois os devolveremos aos Estados Unidos, dizendo que ‘lamentamos muito’, como eles fizerem conosco”, detalhou. Segundo Agha, “nos últimos anos, os norte-americanos mataram muitos inocentes, entre eles mulheres e crianças. Eles só se desculpam. É tempo de assumirem seus erros”. Envolverde/IPS