Ao escutar os federalistas, parece que as instâncias europeias carecem de poder, enquanto os Estados disporiam de meios ilimitados.
As grandes catástrofes incentivam os mais fervorosos a redobrar a fé. Assim, os federalistas europeus, longe de conceberem a possibilidade de virar as costas para as políticas de integração – monetária, orçamentária, comercial – que agravaram a crise econômica ao mesmo tempo que a propagaram, querem, ao contrário, reforçar a autoridade dos que as puseram em prática. As reuniões europeias, os pactos de estabilidade, os mecanismos disciplinares não foram suficientes? Talvez seja porque – responderiam nossos fiéis – eles ainda não deram o máximo de si: todo sucesso se explica pela Europa, e todo fracasso pela falta dela.1 Essa fé incondicional permite ter lindos sonhos.
E pesadelos também, porque os federalistas não odeiam as tempestades. Ao contrário: anunciá-las possibilita quebrar a resistência ao objetivo sob o pretexto da urgência. Nas margens do rio e sob tiros, ninguém deve dar marcha a ré. É preciso avançar sobre as águas ou se afogar, precipitar sobre o “sobressalto federal” ou sucumbir à catástrofe. “Se a confederação atual não evoluir para uma federação política com um poder central, a zona do euro – e o conjunto da União Europeia – vai se desintegrar”,2 afirmava o ex-ministro de Relações Exteriores alemão, Joschka Fischer. Na França, as três grandes rádios nacionais e os principais jornais repetem essa ladainha todos os dias.
Ao escutar os federalistas, parece que as instâncias europeias carecem de poder e recursos, enquanto os Estados disporiam de autoridades e meios ilimitados. Mas o Banco Central Europeu (BCE), que gerenciou a crise com a destreza que todos sabem, não depende dos governos nem dos eleitores da União. Longe de ser responsável por qualquer falta de integração (orçamento comum, ministro único), a harmonização das políticas europeias com base no modelo de austeridade alemão, ademais, produziu resultados que agudizaram o endividamento dos Estados e a miséria dos povos europeus.
Mas as cassandras de hoje são os beatos de ontem. Instigadores de políticas comunitárias impostas à força há trinta anos celebraram o maior mercado do mundo, a moeda única, a “política de civilização”. Contudo, foi à custa do veredicto popular contrário, da destruição do projeto de integração europeia que repousava sobre a ideia de social, de serviços públicos, de eclusas nas fronteiras. Soou a meia-noite e a carruagem virou abóbora; de repente, eles esqueceram a alegria de antanho e juram que alertaram para a possibilidade de fracasso.
Essa dramatização financeira servirá de pretexto para impor um novo impulso federal sem submetê-lo ao sufrágio universal? Uma Europa já malvista poderá, de fato, se permitir essa nova negligência democrática?
* Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).
** Publicado originalmente no site Le Monde Diplomatique.