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Fiji, exemplo de adaptação à mudança climática no Pacífico

O novo povoado de Vunidogoloa em Vanua Levu, a segunda maior ilha de Fiji. Foto: Governo de Fiji
O novo povoado de Vunidogoloa em Vanua Levu, a segunda maior ilha de Fiji. Foto: Governo de Fiji

 

Sidney, Austrália, 4/6/2014 – Os deslocamentos provocados pela mudança climática ainda não são motivo de preocupação em muitas partes do mundo, mas nos países insulares do Oceano Pacífico é uma realidade inegável: o avanço do mar contamina fontes de água doce e terras agrícolas e torna inabitáveis vastas faixas costeiras. Em Fiji, onde a sobrevivência de 676 comunidades é precária, o governo trabalha na primeira política nacional da região para atender os desafios da migração interna, último recurso para a adaptação.

As 300 ilhas vulcânicas incluem atóis de baixa altura e abrigam cerca de 870 mil pessoas, que vivem em situação vulnerável a ciclones, inundações e terremotos. Esse país conhece desastres causados pelo aquecimento global e suas políticas são uma lição para qualquer governo que enfrenta os movimentos de população causados por fatores climáticos.

Quando ocupou a presidência do Grupo dos 77 (G-77) países em desenvolvimento e emergentes, mais a China, Fiji expôs a difícil situação que vivem os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento e aproveitou para ressaltar a natureza desproporcional da crise climática.

Por exemplo, as ilhas do Pacífico são responsáveis por apenas 0,006% das emissões de gases-estufa e, no entanto, sofrem as piores consequências de seu impacto. Segundo o Programa Científico sobre Mudança Climática do Pacífico, o nível do mar subiu seis milímetros por ano na década passada, o dobro da média mundial. Além disso, se prevê que neste século aumentará a acidez do oceano, a temperatura média e a intensidade das chuvas.

Quando medidas de adaptação, como construção de muros de contenção ou plantação de mangues, já não detêm o avanço do mar, a sobrevivência depende do reassentamento das populações afetadas. A Escola de Economia e Ciência Política de Londres estima que nas ilhas do Pacífico, onde vivem dez milhões de pessoas, 1,7 milhão poderão ter de se mudar para regiões mais seguras até 2050.

Mahendra Kumar, diretor da divisão de mudança climática do Ministério de Relações Exteriores e Cooperação Internacional, disse à IPS que “o governo de Fiji reconhece que tem a responsabilidade e a obrigação primordial de proteger e ajudar as pessoas em situação de risco pela mudança climática”. As pautas para os deslocamentos internos de populações constarão no apêndice da política nacional de mudança climática, apresentada em 2012.

Além disso, estarão em consonância com os princípios gerais de consentimento, participação e propriedade comunitária, benefícios equitativos para todos, incluídos os grupos sociais mais desfavorecidos, e todas as questões vinculadas à mudança climática se integrarão ao planejamento e ao orçamento nacional. O novo “procedimento de reassentamento acontecerá em todos os casos em que as comunidades solicitarem assistência ao governo”, explicou Kumar.

Os habitantes das ilhas do Pacífico preferem ser reassentadas dentro de seu próprio país. Em mais de 80% do território de Fiji rege a propriedade consuetudinária e assim tem sido por gerações. A terra é o principal meio de subsistência, de obtenção de alimentos, segurança social e de identidade ancestral para os clãs e as famílias extensas.

A sociedade dá grande importância à autossuficiência comunitária, e as soluções para os desafios locais ficam historicamente em mãos dos líderes tradicionais. Isso permitiu a sobrevivência das comunidades por várias gerações e é uma das razões pelas quais, atualmente, muitos rechaçam a expressão “refugiado climático”. Mas isso não diminui o impacto socioeconômico nem os fundos necessários para deslocar fisicamente grandes quantidades de pessoas, dar-lhes uma moradia e infraestrutura.

A política climática, já em seu redação final, contou primeiro com informação sobre o reassentamento e a reconstrução da aldeia Vunidogoloa, em Vanua Levu, uma das duas ilhas principais de Fiji, em janeiro. Seus moradores não podiam continuar vivendo na costa da baía Natewa, como fizeram seus ancestrais, porque o mar vencia diariamente as barreiras de contenção e inundava suas casas. Além disso, a água salgada degradava o solo e destruía seus cultivos de inhame-coco (Colocasia esculenta, malanga, taro) e batata.

Foram por anos testemunhas do avanço do mar e, no entanto, a perda definitiva de seus lares e de seu território ancestral foi igualmente angustiante para essa gente. Como seu reassentamento no total levou três anos, começando em 2010, antes que fosse concebida a política de reassentamento do ano passado, puderam incluir nela as experiências, tanto do governo como das pessoas.

“Estamos felizes em nosso novo povoado”, disse Suluwegi à IPS. “As casas são boas e temos cultivos para nos alimentar”, acrescentou. O Ministério da Agricultura lhes ofereceu plantas de abacaxi e assistência técnica para promover novas práticas agrícolas.

O Ministério de Desenvolvimento Marítimo e Rural e Gestão de Desastres cuidou de todo o processo de mudar 150 pessoas e construir 30 novas casas, ao custo de US$ 5,4 mil cada uma. Suluwegi contou que as pessoas participaram ativamente da escolha do lugar para o novo assentamento. O processo não começou enquanto a comunidade não deu sua aprovação. Felizmente, havia terras comunitárias a cerca de dois quilômetros em um terreno mais elevado.

“Não houve disputas nem outros problemas com a terra, o que facilitou nosso trabalho”, contou George Dregaso, do escritório nacional de gestão de desastres, em entrevista à IPS, se referindo à possibilidade de a aquisição de terras comunitárias poder implicar longas e complexas negociações e compensações significativas. Vários ministérios e autoridades financiaram e deram recursos para instalação dos serviços básicos e criar novas formas de sustento. Os fundos estatais cobriram 75% dos US$ 535 mil do custo total da realocação. O restante foi coberto com o custo da madeira que a comunidade entregou para o projeto.

Os moradores de Vunidogoloa puderam encontrar um terreno perto de seu antigo território, mas nem todas as comunidades vulneráveis à mudança climática têm a mesma sorte. Há uma grave carência de políticas e leis para atender a difícil situação dos migrantes climáticos, seja dentro dos Estados ou em escala internacional. Por exemplo, as pessoas que se deslocam de um país para outro por causa de fenômenos extremos não estão amparadas pela Convenção das Nações Unidas sobre o Status dos Refugiados, de 1951.

No ano passado, advogados, especialistas em clima e representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) desenharam os Princípios Península sobre Deslocamento Climático dentro dos Estados como um marco-base para legisladores e autoridades, com base no direito internacional. Muitos desses princípios, como a participação e o consentimento da comunidade implicada, uma moradia acessível, serviços básicos e oportunidades econômicas para os beneficiários, foram contemplados no processo de Vunidogoloa.

Mas ainda faltam debates formais sobre as consequências legislativas da política de reassentamento, pontuou Kimar. “Vamos passo a passo”, ressaltou. “A estratégia deverá ser submetida à consideração de todos os atores, incluindo ministros importantes, antes de enviá-la para exame do gabinete, cuja decisão e resposta às recomendações serão fundamentais para determinar os próximos passos”, acrescentou. Todos os países insulares devem enfrentar vários desafios para implantar políticas estatais devido à falta de recursos humanos e técnicos, bem como de fundos. Envolverde/IPS